Casa Flutuante é o novo filme de José Nascimento que estreia no dia 3 de março, cujo tema se inscreve nos refluxos do colonialismo português e da emigração, mas também no imaginário de Jules Vernes sobre a Amazónia do séc.XIX e a devastação e desertificação contemporânea da floresta tropical.
Araci, uma índia que viu a sua cultura ser destruída na Amazónia, vai viver para o Alentejo, sonhando um futuro melhor para a neta. Casa Flutuante é o mais próximo de casa, numa tentativa de ser guardiã de valores culturais que não têm correspondência no território português.
Carolina Virgüez, a atriz que dá vida a Araci, nasceu e foi criada numa região andina da Colômbia, em Bogotá. Apresenta-se como uma mulher urbana e, como conta ao Gerador, "marcadamente com traços indígenas". Em 1980, aos 18 anos, foi estudar teatro no Rio de Janeiro, e foi no Brasil que, a partir do olhar dos seus colegas atores, teve consciência da sua ascendência indigena - "Para quem vê de fora é óbvio. Para mim não era. Durante todos os anos de formação escolar e familiar foi mister em esquecer, apagar, embranquecer". Essa é a grande questão que a acompanha - "como pude viver no esquecimento por tantos anos?". O esquecimento, conta, "está ligado à memória", por isso, a sua grande urgência, neste momento, é resgatá-la, preservá-la - "A arte possibilita a abertura de portas, da consciência crítica, da reflexão, e traz consigo uma urgência: SER. Ser e honrar o que somos, preservar a terra que pisamos, o ar que respiramos, o alimento que nos mantém em pé". Casa Flutuante é, por isso, "um chamado à responsabilidade de proteger, respeitar a biodiversidade do nosso planeta. O desmatamento na Amazônia está fora de controle, afetando o aquecimento global. Esse grito de alerta não ecoa unicamente dos povos originários. É uma tarefa de todos nós. Isso é amor", sublinha.


Para nos alertar para tudo o que Carolina Virgüez nos conta, Ana Pissara e José Nascimento cruzaram o eixo narrativo entre dois territórios - Amazónia e Mértola -, abordaram o imaginário de Jules Verne sobre a Amazónia do séc.XIX, a devastação e a esertificação contemporânez da floresta tropical,fizeram uma viagem ao colonialismo português e emigração, apresentamdo-nos a história de um lar que se tenta preservar longe das suas raízes. José Nascimento - autor dos filmes "Tarde Demais" (2000) ou "Lobos" (2006) - desvenda ainda que o filme foi inspirado por uma mulher avieira que continua a viver na margem do rio Tejo e que conhecemos em 2018 (a cultura Avieira é candidata a Património Imaterial da Unesco)".
Casa Flutuante conta-nos a história de Araci, mulher indígena que vai viver para o Alentejo, terra do seu marido, "após ter a filha assassinada num massacre praticado por fazendeiros numa aldeia indigena na Amazónia", conta Carolina, sonhando um futuro melhor para a neta de ambos, Joana. Araci é guardiã de valores culturais que não têm correspondência no novo território português.
Questionada sobre o que a personagem encontra no Alentejo que faz com que não se sinta em casa, Carolina fala-nos do "exílio forçado", da sensação de não pertencimento e estranhamento que origina um "processo de voltar-se para dentro criando um microcosmos, onde a memória e permanente contato com as suas raízes e sua cultura operam de forma definitiva na preservação da sua vida e do seu entorno, aesar de todas as adversidades. " No entanto, para Carolina - que tem no seu percurso, além de muitos outros, o prémio de melhor atriz da APTR - Associação dos Produtores de Teatro, o papel de índia kaure na "Saga Crepúsculo-Amanhecer" e a participação recente em "Veneza", a longa do brasileiro Miguel Fallabella -, interpretar Araci foi também cruzar a sua história -" Assim como Araci, sai muito cedo de casa e parti para o Brasil, no meu caso, num exílio voluntário. Durante algum tempo, logo nos primeiros anos, vivi uma espécie de esquecimento para me integrar numa nova cultura. Anos depois, perto de fazer 40 anos, meu corpo reclamou as minhas origens e fiz uma viagem “ de volta para a semente”. Voltar ao inicio, SABER de onde vim operou de maneira radical em todas as minhas escolhas e prioridades. O distanciamento faz com que você enxergue coisas que antes não via. Acho que esse afastamento nos aproxima do que é essencial, daquilo que nos faz ser quem somos, e abre possibilidades para enxergar o outro. Essa é a verdadeira luta: preservar a memória e escutar o outro. Afeto e respeito por si, pelo outro, e pelo planeta."
Inês Tavares, Carla Macial, Bernardo Mayer, Vítor Norte e Gustavo Sumpta são os nomes que completam o elenco que dá vida à quarta longa-metragem de José Nascimento que dedica este filme aos índios que lutam pela preservação da Amazónia, " e a todos que com ela mantêm uma relação de amor". O filme estreia no dia 3 de março nos cinemas, mas será a Cinemateca em Lisboa a receber a antestreia no dia 2 de março pelas 21h30.
O filme tem ainda estreia confirmada nos cinemas: Cinema City Alvalade, Cinema City Leiria, Cinema City Setúbal, Cinemas NOS Amoreiras, Cinemas NOS Évora Plaza, Cinemas NOS Alma Shopping (Coimbra), Cinemas NOS Forum Madeira, Cinemas UCI Arrábida Shopping, Cinemas UCI El Corte Inglés, Cinema Vida (Ovar).