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Opinião de Marta Guerreiro

A arte de fazer | Modus faciendi

Sinto-me presa à minha rotina.  A rotina que estabeleci nos últimos tempos apoderou-se de mim…

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Sinto-me presa à minha rotina. 

A rotina que estabeleci nos últimos tempos apoderou-se de mim de tal forma que, por vezes, sair do que é, por agora, normal me cria alguma aflição e ansiedade. 

Fico desnorteada quando os meus horários são levados por uma lufada de ar fresco de conversas, passeios, idas ao cinema ou outras actividades que só me trazem prazer. Contraditório, não?

Se me sinto bem com a fuga desta rotina porque não me consigo deixar levar por esta?

Voltar a ser pessoa para além do mero do trajecto entre casa e trabalho está a revelar-se essencial para mim, mas a dificuldade em dar o passo para sair deste trajecto diário não tem sido simples. Quando me deixo levar pelo que me apraz, de seguida fico com a sensação de desorganização, apenas por não ter cumprido horários e acções que faço regularmente. 

E pensar que para mim sempre foi importante não estar limitada ao que é legendado como útil, dando maior valor à espontaneidade e ao que ela me aporta.  

Mas parece ter acontecido uma transformação em mim que foi muito rápida, como uma droga que se apodera de um corpo, manipula sentidos e o leva a entrar num esquema que tem sempre a mesma vontade e o mesmo foco. E o que estranho é não me ter apercebido deste vício que se estava a apoderar do meu corpo, deixando-o refém de um conforto que, aparentemente, não é assim tão saudável.

E zás, catrapapás! Aconteceu sem avisar!

E o meu exercício agora é o de contrariar o meu corpo e a sua vontade de procrastinar! Agitar, espreguiçar, enxotar esta falta de acção e de disponibilidade para restabelecer a vitalidade que o energiza, alimentar pensamentos, criatividade e paixão!

O que mais me assusta é perceber que as condições para que esta alteração possam acontecer são simples eventos que, em alguns casos, apenas tenho de não oferecer resistência.

Sei que noutras situações terei de ser eu a impulsionadora da acção. Mas não deixam de ser simples e prosaicas decisões. 

No fim-de-semana passado tomei uma decisão, que há tempos seria algo frequente e espontâneo, mas que desta vez fiz como um acto de loucura, e que ao torná-la realidade me avivou sensações e sentidos que me lembram que sou livre. E o incrível é que ao tomar esta pequena decisão, essa possa ter desencadeado outras que me levaram a encontrar amigos, a conhecer novos locais, a abrir perspectivas…  

Fui ver um espectáculo numa cidade que não habito. Para tal tive de fazer uma viagem que me permitiu ver paisagens diferentes, estar sozinha, ter tempo para desenhar, organizar ideias enquanto petiscava algo e, acima de tudo, percebi que me é essencial voltar a consumir cultura, porque afinal de contas, como escreveu Théophile Gautier no prefácio de Albertus, “A arte é o que melhor nos consola a vida”

A arte, nas suas diversas e múltiplas formas de manifestações artísticas, mas também como a capacidade de aplicar conhecimentos para executar ideias, de aptidão de um ofício tem vindo a revelar-se vital para mim e, acredito, que também o é para a humanidade.

Sem a abstração e a fuga às nossas acções mais mecânicas, a tendência para nos tornarmos mais insensíveis e menos tolerantes crescerá, facilmente iremos responder aos problemas que nos surgem de uma forma mais fria, menos empática, que nos podem persuadir a caminhar ao lado de fanatismos que nos levarão a um mundo menos justo e inclusivo. Não espero, nem quero que este seja o meu caminho, e tomar consciência que não sou feliz mantendo-me imersa numa rotina que por mim foi criada, é meio passo para a mudança. 

A arte-de-fazer é essencial para mim. Nos dias de hoje parece-me fundamental não ficarmos presos à nossa casa e dar-mo-nos a oportunidade de abrir portas e janelas para continuar a desenvolver acções que estimulem o nosso campo sensorial. Acredito que a diferença também se faz individualmente, e que essa pequena diferença terá impacto  global.

*Texto escrito com o antigo acordo ortográfico

-Sobre Marta Guerreiro-

Nasceu em Setúbal de pais com naturalidade nos concelhos de Almodôvar e Castro Verde e cresce numa aldeia perto de Palmela. Aos 19 anos muda-se para o Alentejo, território que não imaginava que um dia poderia ser a sua casa, e agora já não sabe como será viver fora desta imensa planície. Licenciou-se em Animação Sociocultural, vertente de Património Imaterial, onde desenvolveu competências sobre investigação e salvaguarda de tradições culturais e neste percurso descobre as danças tradicionais e a PédeXumbo, dando assim continuidade à sua formação na dança. Ao recomeçar a dançar não consegue parar de o fazer e hoje acredita que esta é, para si, uma das formas mais sinceras e completas de comunicar. A dança tradicional liga-a ao trabalho desenvolvido pela PédeXumbo, onde desenvolve o seu projeto de final de curso com o tema “Bailes Cantados” e a partir desse momento o envolvimento nos projetos da associação intensifica-se. Atualmente coordena a PédeXumbo onde desenvolve projetos ligados à dança e música tradicional.

Texto de Marta Guerreiro
Fotografia de Catarina Silva
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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