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Anozero: Pôr os “óculos feministas” na meia-noite em Coimbra

É Aurélia de Souza que dá as boas-vindas a quem passa por estes dias pelo…

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É Aurélia de Souza que dá as boas-vindas a quem passa por estes dias pelo Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, em Coimbra. Na fotografia, veste um hábito e, assim, assume a pele de Santo António, desafiando a identidade e o género, num exercício de ambiguidade próximo da liberdade característica da noite. Esta edição da Anozero – a Bienal de Arte Contemporânea de Coimbra tem como inspiração, precisamente, esses momentos de maior escuridão, aos quais as curadoras prometem agora pôr “os óculos do feminismo”.

“Há uma série de figuras na Bienal que são como faróis para nós”, começa por explicar Filipa Oliveira, uma das curadoras desta edição da Anozero. O autorretrato de Aurélia de Souza enquanto Santo António é um desses faróis, destacando-se pela brincadeira que leva a cabo com a ideia de género. Essa ambiguidade, diz Filipa Oliveira, “também se liga à noite”, tema desta edição da Bienal. “A noite é tida como um lugar bastante misterioso e que não é olhado enquanto espaço de conhecimento por vários domínios de estudo, como a economia e a antropologia”, sublinha a mesma.

Aurélia de Souza vestiu-se de Santo António para, depois, pintar um retrato. A fotografia da artista no hábito abre hoje a mostra da Anozero no Mosteiro de Santa Clara-a-Nova. Fotografia de Jorge das Neves.

“A noite como um espaço de liberdade”, acrescenta Elfi Turpin, a segunda metade do par feminino que assina a curadoria da Anozero. O mote desta edição (a meia-noite) foi inspirado na própria cidade de Coimbra. Ou melhor, na “pequena colónia de morcegos, que vive na Biblioteca Joanina e protege os livros ali depositados”. “Fomos muito inspiradas por essa história”, garante Elfi Turpin, que explica que os morcegos caçam os insetos que ameaçam destruir os livros, participando, assim, na sua conservação.

Filipa Oliveira salienta, por sua vez, que esses morcegos têm uma relação com os livros da Biblioteca Joanina, independentemente do valor desses objetos, fugindo da ótica de pensamento do homem europeu e universitário. “São possíveis outros tipos de conhecimento. Esta relação serviu de faísca para pensarmos noutros tipos de relações”, declara. E assim surgiu a edição deste ano da Anozero, que decorrerá até 26 de junho e conta também com um olhar feminista sobre todas estas questões, não fossem Filipa e Elfi as primeiras mulheres a assinarem a curadoria desta Bienal, que nasceu em 2015. “A nossa prática enquanto curadoras é feminista. Pomos os óculos feministas. Todos usamos óculos invisíveis, quando olhamos para o mundo”, enfatiza a primeira. “Usámos metodologias feministas para pensar e trabalhar os conceitos da Bienal”, acrescenta a segunda.

Além do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, a Bienal de Arte Contemporânea estende-se por outros espaços, como o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC) – Círculo Sereia, o CAPC – Círculo Sede e a Estufa Fria do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, formando uma rede que pretende envolver a cidade.

A maior parte das peças e instalações está no referido mosteiro, mas Filipa Oliveira garante que a visita à Estufa Fria é também “absolutamente imperdível”. Aí está a experiência imersiva com luz azul e vermelha de Daniela Policarpo.

Estufa Fria também acolhe uma das instalações da Anozero. Fotografia de Jorge Neves.

Em destaque nesta edição, está também a Bibliotera, uma biblioteca comunitária horizontal e que está espalhada pelo chão e que se encontra no CAPC – Círculo Sereia. 

“A Bibliotera vai contra a verticalidade das bibliotecas convencionais”, numa manifestação física da problematização de como o conhecimento é produzido e de como fica circunscrito, explica Marta Lança, um dos nomes por detrás deste projeto. Além de Marta, esta biblioteca foi construída por Filipa César, Marinho de Pina e Sónia Vaz Borges. E, se numa biblioteca tradicional, os livros estão organizados em categorias, aqui o visitante pode “fazer o que quiser” com eles.

Desses livros, quem visita a Anozero pode fazer pilhas ou até equilibrá-los numa corda. A ideia partiu da “noção dos livros enquanto vasos comunicantes”, sendo que, depois da Bienal, a coleção em questão partirá para Malafo, no interior da Guiné-Bissau. Aí há uma “zona que os biólogos procuram para estudar os morcegos”, daí a conexão à colónia que vive na Biblioteca Joanina, avança Marta Lança. “A Bibliotera é um espaço que privilegia a horizontalidade e a informalidade. Qualquer coisa para se desfrutar, sem o compromisso da ação do dia”, adianta ainda a mesma, a propósito do tema da meia-noite.

Na Bibliotera, o visitante pode arrumar como entender os livros. Fotografia de Jorge das Neves.

Já quem passa pelo Mosteiro de Santa Clara-a-Nova pode visitar a Criatura de Mané Pacheco, um ente “que está a ocupar o espaço e que se parece a vértebras, colunas, costelas”. Esta descrição é feita pela própria artista, que revela que a instalação em causa foi criada a pensar especificamente no espaço onde hoje se encontra. “Aquele mosteiro foi, durante muitos anos, um convento e, depois, tornou-se num quartel militar. Essa história foi importante para mim. Têm em comum a uniformização das pessoas”, afirma. Mané Pacheco costuma focar-se na natureza e aí, reconhece, também há esse exercício de poder e dominância. A diferença? “Na natureza, geralmente há vingança. Quis criar estranheza”, com a instalação exposta na Anozero, indica, divertida.

E é a meia-noite, precisamente, o momento das criaturas, defende ainda a artista. “As minhas criaturas vêm de um lado mais da noite, mas gosto que elas sejam simpáticas e amistosas. Por isso, as pessoas podem tocar nas peças. A instalação é muito convidativa, em termos de contornar as peças e de haver uma interação. Não é uma coisa que dá medo de tocar. Existe uma informalidade, que eu gosto muito”, assegura.

A Criatura foi pensada por Mané Pacheco especificamente para o espaço onde hoje se encontra. Fotografia de Jorge das Neves.

No Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, está também um diálogo ficcional entre o poeta Sandro Penna e Pier Paolo Pasolini (fotografia no topo), que se comunicam através de palpitações nas luzes colocadas nos extremos do longo corredor do mosteiro, recorrendo ao código Morse. A ideia é de Elisabetta Benasse e é também salientada por Elfi Turpin, como uma das paragens importantes nesta edição da Anozero.

Saindo do mosteiro rumo a outra das instalações favoritas da curadoras, o visitante encontra a Casa de Sonhos de Meris Angioletti, que está instalada na CAPC – Círculo Sede. Nessa casa, estão em exposição os trabalhos dessa artista, mas também obras de Aurélia de Souza, Mary Beth Edelson e Lastenia Canayo. 

Casa dos Sonhos está instalada num dos espaços que constituem a Anozero. Fotografia de Leandro Cordeiro cortesia da artista.

No total, esta edição da Anozero junta mais de quatro dezenas de artistas e coletivos, que vêm de todas as partes do mundo. Podem ser visitadas peças e instalações de, por exemplo, Ana Pi, Daniel Steegmann Mangrané, Louidgi Beltrame, Joana Escoval e Beatriz Santiago Muñoz. Até ao final de junho, a Bienal de Arte Contemporânea promoverá também vários eventos, conversas, workshops e atuações, que abordam as temáticas desta mostra.

Em circunstâncias normais, a Anozero teria arrancado no final de 2021, mas ditou a pandemia que esta edição fosse dividida em dois momentos. O primeiro aconteceu entre novembro do ano passado e janeiro de 2022, com uma instalação de Carlos Bunga. O segundo está agora em curso.

Criada em 2015, a Anozero surgiu de uma proposta do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra e é hoje organizada em conjunto com a Câmara Municipal e com a Universidade de Coimbra.

Texto por Isabel Patrício
Fotografia de Jorge das Neves

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