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Luís Osório: “O nosso percurso tem de ser feito em função das nossas convicções”

Já foi jornalista, mas teve muitas vidas entretanto. Luís Osório dirigiu vários títulos da imprensa…

Texto de Sofia Craveiro

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Já foi jornalista, mas teve muitas vidas entretanto. Luís Osório dirigiu vários títulos da imprensa nacional, esteve à frente de rádios e criou programas de televisão premiados (Portugalmente e Zapping, na RTP). Apesar disso, assegura nunca ter sido um “jornalista puro”. Talvez por ter também encenado uma peça de teatro, participado em comissões governamentais ou ainda por ter coordenado a comunicação política de uma campanha presidencial. A par disso, também é escritor, tendo publicado livros de não-ficção – como o 25 Portugueses (1999, Notícias Editorial) ou o mais recente Ficheiros Secretos (2021, Contraponto Editores) – e ficção, como o romance A Queda de Um Homem (2017, Editorial Teorema).

Nos dias que correm assina a crónica Postal do Dia, na TSF. O título é homónimo do que utiliza na sua página de Facebook, na qual é seguido por cerca de 80 mil pessoas. O espaço foi criado – segundo diz – por “sobrevivência”, mas evolui e ganhou escala. “Quando escrevo alguma coisa, isso tem mesmo impacto, mais do que se eu escrevesse em alguns jornais”, assume ao GERADOR, numa entrevista em que conta os passos da sua carreira incaracterizável.


Gerador (G.) – Atualmente, é seguro apelidá-lo de jornalista?

Luís Osório (L. O.) – Não.

G. – Sei que se afastou da área e que agora desenvolve outro tipo de projetos...

L. O. – Sim, mas provavelmente nunca foi seguro [apelidar-me jornalista], nem mesmo quando era diretor de um jornal diário. Quando defino jornalismo, e quando, colada à definição de jornalismo, encontro figuras que eu respeito, que eu venero, são figuras que não são como eu. Eu não sou essa pessoa, não sou esse perfil. Tenho outras coisas.

Sou alguém muito inquieto, sempre – e o jornalista tem de ser inquieto, esse é um estado –, mas a minha inquietude dá-me para eu querer estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Isso é inconciliável com ser jornalista (jornalista puro). Sou muito pessoano nisso: apetece-me sempre estar no lugar onde não estou e quero sempre...

Tenho um caderninho com ideias, com lugares onde quero estar, e desejo cumprir isso. Acho que não há limites na vida de uma pessoa. Isso é uma coisa muito boa, muito forte, que me define, mas que, por outro lado, me fragiliza.

G. – Foi por isso que disse, numa outra entrevista, que os seus camaradas não olham para si como alguém em quem possam confiar?

L. O. – Sim... acho que os meus camaradas no jornalismo, sobretudo os que gostam de mim –, porque também há os que me odeiam, acho que divido muito as águas, pelas outras coisas que têm que ver com o meu percurso – [mas] as pessoas que gostam de mim e que estiveram comigo gostam muito e acho que sou para elas tão confiável como elas são para mim.

A confiança que eu falava [na referida entrevista] não era no sentido profissional, mas no sentido de poderem contar comigo a vida toda. Quando nós formamos equipas, muitas vezes formamos pessoas que, não só por uma questão de lealdade, são pessoas [nas quais] encontramos um caminho comum, e essas pessoas são capazes de vir connosco até ao fim do mundo. E isso é que é mais complicado, porque no momento em que lidero processos, nessa liderança há sempre um momento em que [é dito]: “OK, muito bem, nós somos capazes de nos sacrificar, mas será que tu vais até ao fim?” E eu nunca tenho respostas. Nesse sentido não sou confiável. E às vezes – cada vez mais – nos projetos de comunicação, que têm uma base tão frágil, quem dirige precisa de ser confiável.

Fotografia de Bárbara Monteiro
G. – Mas porque é que acha que há uma parte do setor que não gosta de si?

L. O. – Há uma parte do setor que não gosta de mim conhecendo-me, e outros não gostam de mim mesmo não me conhecendo. Os que me conhecem e não gostam de mim, tem que ver com processos profissionais que eu liderei e em que dividi águas.

Em alguns casos, tive de dispensar pessoas. Em alguns casos, até dispensei pessoas em pleno conflito, quase coletivo. Nesses momentos, de grande conflito, há sempre um preço a pagar. Quando estive n’A Capital, quando estive na Rádio Clube [Português], a liderar a informação das rádios da Media Capital... houve ali restruturações que foram feitas e eu assumi sempre, como sempre faço questão de assumir, de dar a cara, porque, para mim, não faz sentido que seja de outra maneira. E aí, há pessoas que me detestam.

Depois há uma outra dimensão que tem que ver com o meu percurso. E o meu percurso é tão heterodoxo, que gera, numa comunidade, qualquer que ela seja... No jornalismo somos todos muito absolutos, porque vivemos da perceção e da opinião que temos. Todos os dias tem de se fechar jornais e revistas, e publicar notícias. O nosso ego é um ego muito inflamado sempre, mesmo quando achamos que não. Portanto, temos sempre opiniões sobre tudo, e, sobretudo, sobre quem não conhecemos. E aí sim, tenho muito isso.

Há muita gente que acha que sou outras coisas. Há muita gente que acha que tenho ambições políticas e que sou mais político do que jornalista, ou que sou mais escritor do que jornalista. Já os escritores acham que sou jornalista, e não escritor.

Quando escrevi, porque me apeteceu, o livro sobre [Jorge] Jardim Gonçalves, diziam-lhe “cuidado que o gajo é maçom”. Mas os maçons acham que eu sou Opus Dei [risos]. Eu não sou nem uma coisa, nem outra. Eu acho que, nestas coisas, é muito importante saber para onde se vai, sempre e não ter grandes dúvidas. Quer dizer... ter muitas dúvidas sobre os processos, mas saber exatamente para onde se vai, porque o resto é tudo muito secundário.

Repara, apesar de tudo estou há quase 30 anos a fazer coisas e sobreviver. Só sobrevivi com uma coisa: fui capaz de estar em vários lugares e vários tempos. Agora, se sou alguma coisa, é jornalista, no sentido em que a vida faz sentido a partir do momento de dúvida, de procura, de questionamento. E isto tem muito mais que ver com aquilo que eu acho convictamente que é o bom jornalismo.

G. – Esse questionamento também está presente nas outras áreas que explorou? A área da cultura, da comunicação estratégica... acabam por se cruzar um pouco?

L. O. – Sim. Comunicação estratégica é uma outra coisa, mas o questionamento (ou a sua ausência) é sempre uma base que define a pessoa. Nós temos uma identidade. Eu tenho uma identidade muito forte. Essa identidade baseia-se, talvez, em duas coisas: por um lado, nessa obsessão por fazer, por questionar e por arriscar. E por outro, uma procura quase inconsciente de encontrar um caminho que faça sentido global, na soma.

Quanto fazes um caminho, não podes fazer o balanço antes do fim. Depois, na soma de todas as coisas, eu perceberei se fez sentido ou não. Mas é tão curto isto, não é? É tão curto que vale a pena nós arriscarmos. Sabermos para onde ir e arriscarmos fazer.

Agora, o questionamento é uma marca de água e, aí, creio que há duas áreas fundamentais no meu percurso onde isso existe. Por um lado o jornalismo, os projetos que fiz de comunicação, que são projetos que, em alguns casos, têm essa marca, mesmo aqueles que foram grandes derrotas. Por outro lado, naquilo que é uma dimensão mais de autoria, dos livros, dos documentários. Aí nada se faz sem capacidade de questionar e sem arriscarmos aquela coisa muito arrogante que é nós fazermos projetos que não sejam aqueles que as pessoas querem, mas que as pessoas precisam. Em alguns casos, isso é fundamental, [mesmo] não sabendo nós o que é que as pessoas precisam. É um ato de suprema arrogância, mas os projetos que marcam...

Um dia, se eu voltasse ao jornalismo, tentaria sempre encontrar um projeto que fosse ao encontro de uma ideia daquilo que a vida me propõe, não daquilo que as pessoas querem. Isso leva-nos a que quase todos os projetos que existem sejam absolutamente iguais uns aos outros, sem qualquer distinção, porque vão ao encontro daquilo que se julga que é a perceção das pessoas.

G. – Esse questionamento que falava há pouco, estará necessariamente ligado à sua visão pessoal dos assuntos?

L. O. – Sim, claro.

Fotografia de Bárbara Monteiro
G. – Então nunca teve receio de emitir a sua opinião pessoal, mesmo tendo em conta que a imagem do jornalista é sempre ligada à imparcialidade ou à neutralidade?

L. O. – A imagem do jornalista não está ligada à imparcialidade ou à neutralidade. Acho que não. Os grandes jornalistas que marcam o tempo, em Portugal e fora de Portugal, não são imparciais nem neutros. Isso é uma efabulação total que não cola nada com a realidade.

Quais são os grandes projetos jornalísticos que marcaram o nosso tempo em Portugal? Foram, todos eles, projetos que não eram híbridos ideologicamente. O Público, quando nasce, é um projeto de esquerda. Aliás, é muito interessante, porque era um projeto de esquerda [feito] com dinheiro de uma empresa que era a Sonae...

G. – Uma multinacional.

L. O. – Do Belmiro de Azevedo, que era um homem conservador e que deixa ao Vicente Jorge Silva a hipótese de fazer um jornal como o El País. O Independente, quando nasce, é um jornal marcadamente de direita.

G. – Até pelas pessoas envolvidas.

L. O. – Pelas pessoas envolvidas, sim, mas foi um projeto extraordinário. Um projeto de rutura estética e até jornalística de contar uma história. A TSFquando nasce, com o Emídio Rangel, é um projeto marcadamente ideológico, à esquerda. O Expresso, quando nasce, é um projeto ideológico, da ala liberal. E se formos para o estrangeiro: o El País e o El Mundo são dois jornais que corporizam visões distintas da sociedade, uma visão mais à esquerda e uma visão mais à direita. Aquilo que um jornalista não pode ser é partidário. Essa é que é uma nuance importante.

G. – Portanto, o jornalista pode ter uma orientação ideológica...

L. O. – Tem de ter.

G. – ... não pode é ter um partido. Ou pelo menos [não pode] deixar transparecer essa preferência partidária.

L. O. – Não, isso não faz sentido. Aliás, eu acho que... Eu assumi algumas nos últimos tempos. Enfim… sou muito ideológico, até do exemplo que tenho do meu pai, que era militante comunista, foi diretor-adjunto da Festa do Avante!...

G. – Já disse publicamente que era de esquerda, penso que até na sua página.

L. O. – Eu sou de esquerda, sempre fui de esquerda. Haveria de ser de direita? Não poderia ser de direita com aquilo que eu sou.

Nós estamos a criar jornalistas que são vazios, que não se sabe verdadeiramente quem são. Portanto, quando nós lemos coisas, ficamos informados, mas o que é isso de estar informado?

Vamos lá ver... Nós estamos a falar daquilo que é a floresta, a estrutura. Depois falamos da construção de uma notícia, que tem regras. Nós temos uma profissão que tem uma deontologia, um código profissional e tem uma técnica. Para se fazer notícias não tem que se ser de esquerda ou de direita, tens que cumprir aquilo. Isso é uma coisa. Outra coisa é tu pensares projetos que têm uma matriz ideológica, e é isso que falta. Aliás, falta muito à esquerda, que a direita não tem qualquer tipo de preconceito. Tens o Observador, tens o Sol, tens o Novo... Ou o Correio da Manhã que tem uma matriz mais populista, digamos assim, e vai ao encontro, também, daquilo que o Tempo diz e tem espaço [no mercado] (aliás como provam os resultados). E não há assim tantos projetos à esquerda quanto isso.

G. – Acha que não? Portugal precisava, então, de mais projetos jornalísticos à esquerda?

L. O. – Acho que Portugal precisa de bons projetos jornalísticos. Mais ou menos, precisa de bons projetos jornalísticos que tenham capacidade de, todos os dias, surpreender as pessoas com boas histórias. [Projetos] que consigam ir ao encontro daquilo que são temas deste tempo, que teoricamente não vendem.

Estamos quase com o mundo a acabar, com alterações climáticas que são brutais e os jornais não têm espaço para este tema. Agora, se não vende, nós temos de arranjar forma de vender. E isso não se vê nos jornais.

Neste momento, as empresas no mundo todo estão a pensar quais são os empregos que vão acabar, quais são os que vão nascer, quais são as novas profissões – porque a transição tecnológica vai levar a que isso aconteça –, e ninguém fala sobre isso. Parece que vivemos numa bolha, em que a comunicação [social] fala de um mundo que é aquele que está nas notícias, mas há um mundo verdadeiramente importante que existe e que não é tratado.

G. – A abordagem é redutora? Talvez mais por parte das televisões...

L. O. – É muito burocrática. Os projetos são muito burocráticos, todos. Mesmo aqueles que nascem com um grande ímpeto de transformação, ao fim de mês já estão burocráticos também, já se reduzem. Até porque o país também é muito pequeno, com as mesmas personagens de sempre. Mas temos medo... temos medo, temos falta de criatividade. Há pouca. Há pouco risco e há pouca hipótese de que, quem tem verdadeiramente talento, possa expressá-lo.

Fotografia de Bárbara Monteiro
G. – Isso terá também que ver com as condições laborais inerentes à área? Sabemos que há muita instabilidade, muita precariedade, muitas pessoas abandonam a área e mudam para assessorias por causa dos baixos salários... isso não terá também um pouco a ver?

L. O. – Claro que tem influência. Não julgo que seja a raiz, porque a raiz fundamental é que não há mercado em Portugal para o jornalismo. Isto é: existem compradores de jornais, existem ouvintes dos noticiários da rádio, existe audiência na informação das televisões, mas nenhum dos projetos de informação tem redações que sejam alimentadas pelos seus leitores, ou pelos seus ouvintes ou pelos seus telespetadores.

Os jornais que existem não conseguem sobreviver apenas com as vendas. Ora, se não conseguem sobreviver, dependem sempre de outros interesses que não sejam os interesses estritamente jornalísticos. Isso eu acho que é importante. Não existem projetos capazes de ser livres o suficiente, que não dependam de nada. Isso é complicado, porque depois não podes pagar ordenados em condições. E as redações, como precisam de gente... eles precisam de alimentar as redações com pessoas que ganham muito pouco, e isso é impensável. É impossível, porque as pessoas que são verdadeiramente boas procuram, em primeiro lugar, encontrar o seu próprio espaço, mas isso às vezes não é linear.

Podes ser extremamente talentosa e fazeres tudo para estares à hora certa na estação, mas não tens a certeza de que o comboio pára para ti. Pode parar, pode não parar, mas há uma coisa que tu sabes: tens de lá estar se queres mesmo entrar. Mas o entrares é um outro filme e acho que isso provoca uma grande instabilidade em cada uma das pessoas.

Hoje, uma parte importante das pessoas têm 20, 22 anos, quando acabam o curso, e tu olhas para elas e vês muito pouca coisa. Com certeza de que têm vidas muito interessantes fora dali, terão as suas ambições... mas ali não [revelam] ter uma merda de uma ambição. Como é que alguém com 22 ou 23 anos não quer “comer” o mundo? Não quer rebentar com tudo? E não manda o diretor à merda porque se vai embora?

G. – Talvez porque é tão difícil...

L. O. – Mas não pode ser. Sobretudo, não pode ser nos bons [profissionais]. Porque se tu és boa e acreditas que és boa, tens de pagar um preço até ao momento em que conseguires encontrar um caminho.

O Guterres dizia uma coisa – um bocadinho por causa da beatice dele, que é muito obcecado pela parábola bíblica dos talentos –, mas ele tem razão: é preciso nós respeitarmos o talento que temos.

G. – Mesmo que isso implique ficar numa situação...?

L. O. – Eu já passei muitas dificuldades. E não só naquela liturgia das dificuldades em criança. Isso vale muito pouco. Vale muito na minha vida enquanto memória e enquanto construção, mas, quer dizer... já é uma reencarnação, já é de outra vida. Mas passei muita coisa com as opções que fiz. A minha vida não foi nada um mar de rosas, por isso mesmo, porque achava que devia encontrar um caminho, que devia fazê-lo, mas paguei um preço muito alto.

Eu consegui entrar no quadro [da empresa] pela primeira vez quando fui diretor de um jornal. Não conseguia entrar no quadro em lado nenhum. Estive no semanário O Jornal e na Visão cinco anos a recibos verdes e a ganhar miseravelmente. Depois saía, ia procurar oportunidades... durante vinte anos, vivi em grandes dificuldades, mas porque eu acreditava de uma maneira louca que era capaz de deixar uma marca. Se calhar não vou deixar marca nenhuma, mas acreditava.

G. – Acha que ainda não deixou?

L. O. – Não sei. Não sei mesmo. Há coisas... fui o mais jovem diretor de sempre, mas isso não vale nada. Nem tem de valer. Os programas que fiz de televisão – os tais que falávamos há pouco, o Portugalmente e o Zapping – foram muito premiados, foram muito marcantes na altura, lançaram pessoas que hoje são estrelas, mas... acho que já ninguém se lembra de que eu fiz televisão sequer. Nem eu próprio. Fiz uns livros e esses livros vão ficar. Sim, mas logo se verá o que vai ser. Acho mais importante os livros que eu vou escrever depois. Não sei. Seria hipócrita dizer que não penso nisso, na marca que deixo. Alguém que é tão obsessivo [como eu], há um momento em que pensa, em determinadas alturas: “Será que vou deixar a marca?”

Por exemplo, nas redes sociais há momentos em que eu penso “porque é que escrevi isto? Porque quero ser amado?” Se calhar, quero. Se calhar, há momentos em que isso acontece. Na maior parte deles, não [acontece], mas, se calhar, sim.

Fotografia de Bárbara Monteiro
G. – Acha que é inevitável ser-se contagiado por essa vontade, nas redes sociais?

L. O. – Não. Há pessoas que não. Eu fiz isso por sobrevivência. As redes sociais, para mim, foram uma sobrevivência. Hoje já não são. Hoje é outra coisa. Mas quando começo no Facebook – que é o único lugar onde estou...

G. – Não tem mais nenhuma conta?

L. O. – Não... talvez agora também no Instagram, mas já não é uma coisa [igual]. Acho que é pouco inteligente da minha parte entrar sem pensar naquilo que vou fazer. Porque a minha página de Facebook não é uma página pessoal em que eu mando umas coisas para os meus amigos. Já não é isso. São 80 mil seguidores. Quando escrevo alguma coisa isso tem mesmo impacto, mais do que se eu escrevesse em alguns jornais (não todos, mas em alguns).

Quando, há dez anos, comecei a pensar nas redes sociais foi porque percebi duas coisas: uma foi que não tinha espaço na comunicação [social]. As minhas opções levaram a que eu tivesse fechado portas. Repare: é tudo tão pequeno que ninguém me vai convidar para editor de política ou para editor de sociedade. Isso já não existe, o que é uma coisa muito estúpida.

G. – Por ter feito coisas fora da área?

L. O. – Não. Por ter sido diretor, por ter dirigido. Quem é diretor não é convidado para outros [cargos].

G. – Porque isso significaria um retrocesso.

L. O. – Não é da minha parte. Eu aceitaria (ou não).

G. – Estou a perceber. Ninguém lhe faria esse convite porque isso seria um retrocesso.

L. O. – Porque há duas coisas: por um lado, passei pela direção de estações de rádio, passei pela direção do [jornal] I, fui diretor executivo do Sol... depois sou demasiadamente novo ainda, não sendo. Serei sempre uma ameaça para muita gente. Ou tu tens alguém que tem uma personalidade muito forte, ou então colocarmo-nos num patamar que é visto por algumas pessoas sempre como uma ameaça.

[Pensa-se] num momento qualquer, que há aqui uma boa reserva, que me vai pôr o lugar em causa. Portanto, eu acho que isto tem muito que ver com esta lógica muito pequena e de sobrevivência. Como o mercado é pequeno, há poucos lugares para distribuir e as pessoas agarram-se aos lugares. De uma maneira muito forte tudo é uma ameaça.

Eu percebi isso há dez, doze anos e achei que me apetecia manter uma ligação com algumas das pessoas que me liam e que me iam deixar de ler e eu iria desaparecer. Foi uma forma de sobreviver, que se tornou, ela própria, numa forma de comunicar alternativa e que ganhou uma dimensão que é engraçada – muito fruto do tempo – e que me surpreendeu muito.

G. – Nunca pensou em criar o seu próprio espaço? Um jornal, uma rádio...

L. O. – Pensei, claro, pensei e acho que se quisesse muito já teria acontecido. Cheguei a ter há pouco tempo – dois anos talvez – reuniões com possíveis investidores. Não posso dizer o que era, mas havia interesse nisso. Depois eu desisti por achar que isso iria cortar-me... vi os meus filhos pequenos e...

G. – Iria retirar-lhe tempo e espaço pessoal.

L. O. – Dirigir projetos no jornalismo não nos mostra aquilo que somos só no bom sentido. Mostra, mas mostra também aquilo que somos de sombra. E o jornalismo e a experiência no jornalismo mostraram-me que há coisas que não me apetece voltar a fazer. Não me apetece voltar a despedir pessoas. Não me apetece dizer às pessoas e confrontá-las com a sua falta de ambição, com a sua falta de talento. Eu conheço-me e vou fazê-lo. Sou muito agressivo e acho que agressivo no bom sentido. Gosto muito das pessoas, gosto muito de fazer com que as pessoas sejam melhores. O que acontece depois é que isso não vai agradar a toda a gente e vou entrar em conflitos. Não me apetece. Foi isso que me levou a travar.


G. – Há uma outra pergunta que lhe queria fazer e que tem a ver com as críticas que recebeu devido à entrevista que fez à ex-ministra da Cultura, Graça Fonseca, para o podcast do Partido Socialista, o Política com Palavra. Tendo em conta tudo o que sucedeu, teria feito essa entrevista hoje?

L. O. – Claro que teria, mas eu cometi um erro nessa entrevista. Gera-se uma série de críticas sobretudo pelo [facto de um excerto da entrevista ter sido alvo de sátira por parte] do Ricardo Araújo Pereira, que o coloca no programa [Isto é Gozar Com Quem Trabalha] e que teve impacto, claro. Estamos a falar de um programa que é visto por três milhões de pessoas, portanto, claro que tem um impacto.

Na altura, foi muito complicado... tenho dois filhos mais velhos, e tudo isto tem implicações. Depois, fui atingido numa coisa que nunca tinha sido atingido, e isso dói. E achei que foi desproporcional, tendo em conta que eu não era uma figura... 80 % da audiência não sabia quem era o Luís Osório, e ele dedicou-me uma boa parte do programa.

Posto isso, o que é que eu não teria feito igual? Aquilo foi a primeira entrevista do podcast do Partido Socialista, [publicada] no epicentro de um combate das pessoas da cultura com o Governo, em que a ministra inabilmente cria ali anticorpos fortíssimos. Aquela entrevista acontece uns dias depois daquela declaração [da ministra, em que dizia]: “não querem vir beber um...

G. – “Drink de fim de tarde?”

L. O. – Onde é que eu cometo um erro – que, por acaso, é um erro totalmente estúpido da minha parte, e que não é nada habitual (repara, se eu cometesse muitas vezes esse tipo de erros não existiria durante trinta anos).

G. – Mas qual foi esse erro?

L. O. – O erro foi fazer uma entrevista que não era de política, mas uma entrevista de vida, a falar de emoções. Eu não podia perguntar-lhe aquelas coisas. Não me podia dar ao luxo, naquele espaço, que, ainda por cima, era partidário, de lhe fazer perguntas sobre o seu estado de espírito ou dizer que “por muito que faça vai sempre existir conflito”, porque estamos a falar de cultura e cultura faz-se de conflito... Não podia fazer aquela entrevista naquele momento.

G. – Naquele contexto.

L. O. – Foi inábil da minha parte e foi estúpido. Tudo o resto, eh, pá... Aquilo do Ricardo Araújo Pereira teve impacto, tudo o resto vem por arrasto e as pessoas são inclementes, mas nós sabemos isso. As pessoas são capazes de dizer coisas incríveis, são capazes de te ameaçar de morte.

Fotografia de Bárbara Monteiro
G. – Recebeu esse tipo de ameaças?

L. O. – Nesse contexto, não, mas recebi coisas piores. Ameaças de morte recebo muitas vezes. Todas as semanas, recebo ameaças. Tanto à esquerda como à direita, tanto [devido] às minhas críticas ao Partido Comunista como à extrema-direita, estou sempre muito exposto. Mas acho que quem quer matar não ameaça, a não ser que seja um maluco qualquer (e há muitos). Guardo todas as ameaças, para o caso de acontecer alguma coisa, mas não me preocupo muito com isso.

Ali, algumas pessoas que eu conhecia dizem coisas que são mais desagradáveis... enfim. Foi um período de alguma desilusão. Primeiro comigo próprio, porque cometi um erro, mas depois por alguma tristeza. Quando uma pessoa está aqui vinte e tal anos é capaz de fazer coisas muito boas. Há pessoas que gostam de ti, que te reconhecem como uma boa pessoa e, de repente, tu fazes uma merda e é como se nada tivesse...

G. – Ou seja, todo o seu percurso de décadas desaparece com base num erro.

L. O. – Com base num erro e com base numa coisa... O Ricardo [Araújo Pereira] fez uma coisa. Ele é uma pessoa extraordinária. Inteligente e muito perspicaz, muito rápido. Aquilo que muitas pessoas vêm da entrevista foi aquilo que o Ricardo mostrou e aquilo são partes truncadas para criar um efeito. Aquilo não foi tão mau como parece ali, mas o que custa é que – com base num erro, certo –, mas com base numa montagem, fazem juízos de valor incríveis, que foram também um bocadinho ao encontro daquilo que eu já pensava sobre isto, mas... pá... estás sempre sozinha. [...]

O nosso percurso tem de ser feito em função das nossas convicções e não em função daquilo que as pessoas pensam que é o melhor para nós. Porque, no final de contas, estamos por nossa conta.

Fotografia de Bárbara Monteiro
G. – Voltamos à questão de o jornalista ter a personalidade própria e vontade própria, sem que tenha de se moldar ao meio onde trabalha ou...

L. O. – Sim... tem de se moldar, mas sem perder a essência. Até porque essa essência – se quem dirige tiver essa perspicácia – é muito boa para o projeto. São pessoas diferentes que dão essências diferentes, que fazem com que o projeto seja mais completo. Claro que se tiveres de ir para o Correio da Manhã da mesma forma que estás no GERADOR... não é possível.


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