A exposição está inserida na terceira edição do projeto de curadoria participativa “O Poder da Palavra”, que procura novas leituras para o material exposto permanentemente na Galeria do Oriente Islâmico. “Onde estão as mulheres nesta galeria e sob que formas aqui existem?” foi a pergunta de partida para a análise das histórias das mulheres que habitam o museu.
Realizada anualmente com habitantes de Lisboa que se expressam nas línguas da galeria – árabe, persa, turco e português – e que estudam a coleção com a conservadora Jessica Hallett, a iniciativa convida diferentes curadores para construir a intervenção juntamente ao Departamento da Educação do Museu Calouste Gulbenkian.
Shahd Wadi é investigadora em Estudos Feministas e, após integrar a equipa dos dois últimos anos, entrou como co-curadora em 2021. Ao Gerador, conta que o convite foi uma consequência do facto de estar sempre atenta, nas versões anteriores do projeto, às representações das mulheres, como num manuscrito no qual as personagens femininas eram punidas pelos seus desejos sexuais.
Rompendo com a ideia de que, para criar uma exposição feminista, é preciso começar do zero, com uma arte que se assuma como tal, o trabalho arrancou com uma call aberta para colaboração no processo de pesquisa, à qual apenas mulheres responderam. Num espaço ligado às suas identidades, o grupo foi então convidado a refletir sobre como se reviam naquela coleção pré-existente, evidenciando as obras que lhes diziam algo. Após as visitas à galeria, as participantes reuniram-se em workshops com as curadoras, onde partilharam as suas interpretações dos objetos expostos.
Shahd destaca a leitura, ligada ao ecofeminismo, de Joana Simões Piedade sobre um prato com desenhos de pássaros. O material que lhe chamou a atenção a incentivou a uma pesquisa, na qual encontrou um artigo científico acerca da crença de que apenas os pássaros machos cantam, ultrapassada após a entrada de mulheres na ciência.
Num exercício académico, mas também pessoal e introspetivo, realiza-se ainda um cruzamento de histórias ao olhar as peças como ferramentas autobiográficas das mulheres presentes nos objetos, propondo um diálogo entre as pesquisadoras e as obras – uma relação igualmente desenvolvida na tese da curadora. A exposição, inspirada no conceito speak nearby de Trinh Minh-Ha, pretende ultrapassar um discurso centrado apenas nos materiais, falando “ao lado deles e das nossas vidas” e permitindo a ocupação de lugares de fala e as várias interpretações do público, explica Shahd.
A pergunta que serviu de mote para o trabalho, apesar de parecer simples, levanta a questão de compatibilidade entre os museus e os feminismos, afirma a investigadora. “Todos os objetos dos museus, se não forem lidos de uma perspetiva crítica feminista, vão conduzir, consciente ou inconscientemente, a uma representação sexista dominante”, diz. O processo participativo de curadoria, sem hierarquias, é outra característica que Shahd salienta como essencial: “Toda a gente põe luvas, toda a gente participa e toca nos objetos. O feminismo também é, na minha opinião, não haver assimetrias de poder”.
Reconhecida pelos museólogos portugueses como inovadora, a mostra também questiona a noção de arte, destacando produções muitas vezes consideradas como irrelevantes para as coleções, como os bordados – símbolos de resistência das mulheres em várias culturas orientais. “Espero que este prémio incentive outros museus a trabalhar desta forma”, manifesta a curadora.
“Mulheres: Navegando entre a Presença e a Ausência” está patente até ao dia 25 de julho na Galeria do Oriente Islâmico do Museu Calouste Gulbenkian e também pode ser explorada online.