O Musex – Museu Pedagógico do Sexo, que ainda não tem um espaço físico, foi idealizado por Marta Crawford, desde 2010, como um museu que pudesse ser visitado por todas as pessoas, de todas as idades e inaugura-se com uma primeira exposição, acolhida pelo município de Oeiras no Palácio Anjos, a que se deu o nome de “Amor Veneris”, focando-se na temática do prazer sexual feminino. Marta frisa que, nesta exposição, “não estamos a falar de um modelo único de mulher, mas sim dos vários corpos – andróginos, intersexo”, entre outros.
“Amor Veneris, vel Dulcedo Appelletur” foi o termo utilizado pelo anatomista Matteo Realdo Colombo, em 1579, para classificar o clitóris, fazendo notar o seu papel no prazer sexual feminino. Sendo este o “órgão de excelência do prazer sexual feminino”, para mulheres com vulva, e o “único órgão sexual feminino que tem como função única dar prazer sexual”, apesar de ainda hoje os livros terem pouca informação sobre o mesmo, como explicou Marta Crawford na conferência de imprensa sobre a exposição no passado dia 23 de junho, a proposta da mesma é enaltecer o tema Amor Veneris através duma perspetiva artística e científica. Desta forma, a exposição visa questionar e mobilizar para a importância do prazer sexual feminino e do seu entendimento, recorrendo a temas como o consentimento e o não consentimento, a violência sexual sobre as mulheres, a resposta sexual feminina, entre outros.


Ao entrar na exposição, a pessoa que a visita é, desde logo, convidada a fazer uma escolha: entrar na exposição com consentimento ou sem consentimento – uma provocação que alerta, desde logo, para a “importância de os encontros sexuais serem feitos com consentimento”, explica Marta. Escolhido o percurso do Sem Consentimento, tem-se acesso a uma área que reporta a violência exercida contra as mulheres, como a violação, o assédio, a mutilação genital feminina, o tráfico de mulheres ou a escravatura sexual em situações de guerra. Neste núcleo, encontramos obras de artistas como Paula Rego ou Ana Rocha de Sousa.


No núcleo do Com Consentimento, seguimos uma viagem ao prazer sexual feminino que se percorre através de três órgãos: o cérebro, a pele e o clitóris. O primeiro, por ser o órgão que nos permite ter memórias, fantasia, sentidos e que revela a nossa educação e contexto familiar, que podem influenciar a forma como se vive a sexualidade. A pele, por ser “o maior órgão sexual com cerca de dois metros quadrados”. O clitóris, anteriormente referido, conta nomeadamente com a presença de um clitóris ativista de Julia Pietri – Gang du clito, e uma sala dedicada à cliteracia [literacia sobre o clitóris]. O percurso da exposição com consentimento termina com uma “experiência orgásmica”, criada pelos Error-43, que recria o que acontece fisicamente no momento do orgasmo.


A idealização e concretização do espaço da exposição ficou a cargo d’Os Espacialistas que desenvolveram a ideia de um “corpo que é visitável, habitável e percorrível”, trazendo a consciência acerca de binómios como o eu e o outro, o corpo e o espaço, o público e o privado.
Para além das e dos artistas já mencionados, encontramos ainda obras de Alice Geirinhas, Álvaro Leite Siza, Ana Mendieta, Ana Rito, Annete Messager, Clara Menéres, Ernesto de Sousa, Fátima Mendonça, Fernanda Fragateiro, Inês Norton, Isabel Baraona, Jamie McCartney, Janine Antoni, Julião Sarmento, Laure Prouvost, Louise Bourgeois, Lourdes Castro, Maria Beatriz, Maria Souto de Moura, Marta María Perez, Noé Sendas, Polly Nor, Sara Maia, Sophia Wallace, Sue Williams, Susana Mendes da Silva, Teresa Crawford Cabral, Ana Pérez-Quiroga e Cláudia Camacho. Existem ainda conteúdos audiovisuais de autoras e autores como Lori Malépart-Traversy, Rachel E. Gross, Rankin & Trisha Ward, Daphné Leblond & Lisa Billuart e Erika Lust. “Estou em crer que, com a escolha destes artistas nacionais e internacionais, estamos com um conjunto de nomes que me fazem estar bastante confortável com todo o cariz internacional onde se pode levar este tema, abraçando a arte contemporânea”, avança a curadora Fabrícia Valente, na mesma conferência de imprensa.
Dentro do palácio estará ainda a Associação para o Planeamento da Família (APF), permitindo a qualquer pessoa ter uma consulta de sexologia e/ou planeamento familiar. A par da exposição fixa, existirá ainda uma programação paralela, a cargo da Associação Cultural Gerador e das curadoras, que conta com oficinas do prazer, performances ao final da tarde, conversas e domingos para as famílias, cujos detalhes estão ainda por anunciar.
Dias antes da inauguração da exposição, fomos até ao Palácio Anjos falar com Marta Crawford e Fabrícia Valente, tendo tido ainda a oportunidade de acompanhar o processo de montagem da exposição. Poucos dias depois, voltámos até ao Palácio para assistir à conferência de imprensa sobre a mesma, na qual Isaltino Morais, presidente da Câmara Municipal de Oeiras, partilhou que a decisão de acolher esta exposição foi um risco “perante os preconceitos da sociedade” e, também por isso, embora a proposta inicial de Marta Crawford fosse a construção de um museu pedagógico do sexo, decidiu-se avançar com uma exposição, e que, mediante os resultados da mesma, será avaliada a possibilidade de concretizar um espaço físico para o Musex. Tivemos também a oportunidade de fazermos uma visita guiada à exposição, acompanhados pelas curadoras e por algumas e alguns artistas cujas obras integram a exposição.
Gerador (G.) – Marta, em 2010, tiveste a ideia de construir, em Portugal, um museu pedagógico do sexo, a que chamaste Musex e que, finalmente, se inicia com esta primeira exposição no Palácio Anjos, em Algés, dedicada ao prazer sexual feminino. A tua ideia para este museu é algo bem diferente dos museus do sexo que vemos noutros países. Podes explicar-nos o que imaginas para este espaço?
Marta Crawford (M. C.) – Em 2010, surge esta ideia de fazer o museu, na sequência de uma TED Talk no Porto. Vim de lá inspirada, acordei e disse – "OK, vou fazer um museu". Nunca tinha pensado muito nisso, mas a ideia era criar um museu que tivesse este contexto de crianças, jovens e adultos no mesmo espaço. Depois de ter esta ideia, comecei a ver mais museus e, de facto, confirmavam a ideia que tinha deles: eram um depósito de artefactos, a maior parte deles cheios de pénis, e com muito pouco sentido museológico. Era uma coisa nada entusiasmante, para mim, não tinha nada que ver com o que eu queria. A ideia seria ter um conceito de crescimento. [Construir] um museu que tratasse da educação sexual ao longo da vida remete para a minha experiência profissional e para aquilo que acho ser um défice em Portugal – a falta de educação sexual a vários níveis, nos vários segmentos etários. Falamos muito na educação sexual para as crianças e jovens, mas aquilo que vejo é que a educação sexual é uma coisa fundamental ao longo de toda a vida. As pessoas entram na idade adulta e não sabem quase nada. Têm as suas primeiras questões relacionadas com a maternidade, com o crescimento, com os pares que vão ter, entre outras, e há uma série de equívocos de má informação, de ignorância, associada ao contexto em que a pessoa viveu, ao tipo de educação que teve, que faz com que as pessoas não consigam ter um sentimento, relacionado com a sexualidade, bom. A ideia era que pudéssemos ter um espaço em que, através da arte contemporânea, conseguíssemos passar uma mensagem diferente em relação à sexualidade. Tirá-la deste lado mais bafon, mais kinky, que tem o seu espaço, mas não era o contexto que eu pretendia, mas sim pôr a sexualidade a ser falada ao nível de outro tipo de arte. Pô-la a brilhar para todos e todas, de todas as idades. Portanto, é tirar a sexualidade desse sítio em que ela está colocada – para maiores de 18, com bolinha vermelha, proibitivo. A ideia é que agregado a este museu houvesse sempre um espírito de missão, causas que acontecessem associadas às exposições e que houvesse um lado clínico no próprio museu. Ou seja, ter uma parte em que o próprio museu pudesse disponibilizar [serviços] em termos de clínica. E não seria para eu ter lá o meu consultório, porque já tenho um, mas sim possibilitar que as pessoas, num espaço de museu, [possam ter acompanhamento clínico].
Esta ideia foi evoluindo, numa história muito longa, até que o projeto foi apresentado à câmara de Oeiras, enquanto museu, não enquanto exposição, e o entusiasmo da câmara foi “bora lá criar um museu”. Nas primeiras conversações a ideia seria, num espaço da câmara, construir um edifício museológico e, depois, o presidente [Isaltino Morais] decidiu avançar com uma exposição. Foi aí que se desenhou esta exposição, Amor Veneris – Viagem ao Prazer Sexual Feminino, exatamente porque acho que, para ser a primeira exposição, teria de ser esta a temática, sobre a sexualidade e prazer sexual femininos, porque esse tema está em défice na nossa sociedade. Sempre falámos do prazer sexual masculino e, efetivamente, o prazer sexual feminino está sempre lá escondido ou é alvo de interpretações que não nos interessam muito. É um tema atual, necessário, libertador que tinha de estar nesta primeira apresentação do museu, que não é um edifício, é um conceito, mas que está a apresentar a sua primeira exposição. Esta primeira exposição só se faz com uma equipa construída pela Fabrícia Valente, como curadora juntamente comigo, e depois com o convite que é feito aos Os Espacialistas para fazerem toda a cenografia deste conceito. Portanto, a ideia de que tinha de ser o interior de um corpo. Como é que entramos nesta exposição? Por um lado, tens consentimento, pelo outro não tens consentimento, e essa escolha é feita pelo público. Escolhendo um lado, vais ter uma experiência, escolhendo o outro, outra. Há um primeiro ponto pedagógico desta exposição a funcionar desta maneira, que faz com que as pessoas se posicionem e tenham a consciência de que, ao entrarem neste edifício que representa simbolicamente o corpo feminino, que és convidado a escolher e, consoante a tua escolha, vais ter duas experiências diferentes.


“O desafio que nos foi inicialmente lançado consistia no habitar de um corpo feminino. Como se desenvolveria uma espacialização anatómica dentro de um corpo através de estratégias arquitetónicas? Então, estramos pela cabeça, com o cérebro, onde, de repente, temos um labirinto com vários temas ligados à exposição. Tentámos encontrar uma espacialidade que fosse ao encontro de materiais anatómicos, como é o caso do tecido que está sempre presente. O tema das cores também foi muito importante. Estudámos a relação das cores com o corpo humano, portanto as cores que vão encontrar são cores espaciais, cores objeto.”, Luís Maria Baptista d’Os Espacialistas


G. – Como se consegue conceber uma exposição, nomeadamente ao nível da linguagem, que visa informar e receber pessoas de todas as idades?
Fabrícia Valente (F. V.) – Na pedagogia, em relação à arte contemporânea, a tendência é a de não haver a ideia de balizar as idades. Portanto, mesmo quando há aviso, não há proibição, tendencialmente. Aqui, não estamos num espaço hardcore, não estamos a colocar a sexualidade num lugar de acesso restrito com bolinha vermelha, e nesse sentido há toda uma escolha de obras que criam possibilidades de narrativas, não uma narrativa única, que criam uma inquietude, que podem proporcionar o questionamento do que é a nossa relação com o corpo, a relação com o corpo feminino, seja com o nosso ou com o do outro, o que é essa viagem para o prazer, mas o teu entendimento enquanto adulta ou o entendimento de uma criança desta exposição será claramente diferente. Fora uma obra ou outra, não me parece que haja nunca o problema, dentro deste contexto museográfico, de ser acessível para todos em termos de linguagem. Em termos de uma pedagogia museológica associada diretamente a crianças, esta existe, depois, na programação, mais do que propriamente no conteúdo da exposição. Um conteúdo expositivo pode ser trabalhado a muitas camadas, a muitos níveis, podem ser criadas atividades que abordam esta exposição de formas muito distintas. E a consciência do corpo, quando somos miúdos, até pode ser [tida] através de uma questão de tato e cor, por exemplo. E, aí, vamos trabalhando em níveis de ensino em que a consciência sobre o corpo também, muitas vezes, está em défice. Apesar de ser uma exposição que trabalha o tema da sexualidade, não é uma exposição em que todos os seus conteúdos trabalham uma sexualidade explícita. Em muitas das obras, pelo seu sentido metafórico, lúdico, poético, o que nos interessa é o questionamento que elas podem trazer, muito mais do que esta imagem de nos remeter diretamente para a sexualidade. Interessou-nos mais entender esta viagem do cérebro, da pele e duma zona mais íntima, de entender o que é, ou não, um clima de prazer, ou o que é um clima de terror em relação ao não consentimento e ver como é que vários artistas da contemporaneidade trabalham essas questões. Alguns deles, biograficamente, têm toda uma questão muito mais ativista e estão direcionados, ao longo de toda a sua obra, para a questão da sexualidade, mas outros não. Outros estão aqui escolhidos pela forma como trabalham com o corpo, a relação entre corpo e espaço, como abordam o próprio questionamento do eu. Portanto, é uma exposição que, em termos artísticos, trabalha sobre muitas camadas. A mesma obra, fora do contexto desta exposição, não teria necessariamente de estar a falar sobre este tema. Fazer uma curadoria é também criar uma história, uma possibilidade de muitas histórias. Quer na escolha de obras, quer na escolha de uma linguagem, não há uma decisão de ela estar direcionada para um só público, mas sim de ela ser o mais plural possível, chamando, à mesma, as coisas pelos nomes. Ainda para mais, com a intenção da Marta de este museu ser, por si, um manifesto, em que há causas associadas a ele. Não podemos só trabalhar com pezinhos de lã, havendo também uma chamada de atenção para a realidade.
Até na escolha das cores, a exposição está pensada para ser o mais plural possível. Por exemplo, a abordagem ao rosa, que se encontra logo no início [da exposição], e que se pode associar ao feminino, historicamente, ele começa por ser masculino. Portanto, há a possibilidade de que aquilo que é a palavra, ou imagem, que nos leva logo ao preconceito, nos levar a esbarrarmos com os nossos próprios preconceitos e ir sacudindo o pó.


“Toda a sua obra está intrincada num complexo novelo sobre o que é a sexualidade, trabalhando sempre nas fronteiras entre o feminino e o masculino e o questionamento do que pode representar, ou não, essa fronteira. Aqui, mostra-nos um corpo andrógino, um corpo que é feminino, mas que, na verdade, todos vocês podem ver que há também aqui uma leitura masculina”, explica Fabrícia Valente na visita guiada


“Esta obra é muito interessante, porque temos aqui corpos que não são estereotipados, como podem ver. A obra tem estes vários corpos femininos, mutilados, andróginos, representando todos os tipos de corpos femininos, que pode ser uma mulher transgénera, uma mulher mutilada, uma mulher com cicatrizes, enfim, pode ser todas as mulheres”, explica Marta Crawford na visita guiada
M. C. – Esta linguagem direta é necessária. Durante muito tempo, complicou-se com conceitos demasiado académicos para os comuns mortais ou para as crianças. Na exposição, o discurso é direto, acho que não pode ser de outra maneira. Se falamos que [o clitóris] é o principal órgão sexual, não vamos complexificar isto e fazer uma teoria sobre a pele com termos médicos. Aqui, não estamos a dizer que é assim o caminho. Estamos a dizer que o cérebro é o principal órgão sexual, que a pele é o maior órgão sexual e que o clitóris tem como função dar prazer e estamos a enaltecer o clitóris, acima de todas as outras partes do corpo, não repudiando as outras, não dizendo que só quem tem clitóris é que é do sexo feminino – por exemplo, todas as mulheres que não têm clitóris ou vulva, todas as mulheres que foram vítimas de mutilação genital, os intersexos não estão excluídos aqui – mas estamos, de facto, a falar de coisas que quase são básicas. Por isso é que falava há pouco da educação sexual, porque ao dizermos que o cérebro é o principal, que a pele é importante, estamos a dizer coisas que, supostamente, toda a gente aprendeu e seríamos todos mais felizes com essa informação. Ou seja, perceber que o sexo não é agarrar as mamas e os genitais, não é penetração. Nesta exposição estamos a falar do corpo feminino e não estamos a mostrar um corpo feminino que seja aquele que idealizamos — um corpo cisgénero com determinadas características. As imagens que vamos ver em toda a exposição são de corpos femininos, partes do corpo feminino, de formas de ver as coisas no feminino. Não temos, de facto, pénis, a não ser numa das obras do Jamie McCartney em que se apresenta uma vulva com um micropénis, portanto é um intersexo. É a única obra que tem explicitamente um pequeno falo. Depois, temos algumas obras que são andróginas.


“This is my Great Wall of Vagina, it’s 400 different casts from different women’s vulvas and it took me five years to complete it. I started this in 2006. The purpose is to show vulva variations, diversity. When I was working on another piece, I discovered how many women have anxiety about the way their vulvas look, the same way men have anxiety. And then I heard how many women were having surgeries to shape their lady area to be somehow more acceptable. I felt this was crazy. I didn’t believe women were defective and I surely didn’t believe they needed to be fixed, so I started this one man and 400 women campaign to produce a library of what is normal. So, it is not possible now for anybody to say that whatever you have is not acceptable and it doesn’t need to be changed. [Este é o meu Grande Mural das Vaginas, composto por 400 peças com base em diferentes vulvas de mulheres e levei cinco anos a completá-lo. Comecei em 2006. O propósito é mostrar variações e a diversidade de vulvas que existem. Quando estava a trabalhar noutra peça, descobri que existem muitas mulheres com ansiedade devido ao aspeto das suas vulvas, da mesma forma que os homens têm essa ansiedade (relativa aos seus genitais). Depois, soube que muitas mulheres estão a recorrer a cirurgias para modelar a sua zona íntima de forma a que se torne, de algum modo, mais aceitável. Achei que isto era uma loucura. Não acreditei que as mulheres fossem defeituosas e ainda menos acreditei que elas precisassem de ser aperfeiçoadas, por isso comecei uma campanha de um homem e 400 mulheres para produzir uma biblioteca que nos mostra o que é normal. Por isso, agora já não é possível alguém dizer, independentemente da vulva que tenha, que a mesma não é aceitável e ela não precisa de ser mudada.] – tradução livre”, Jamie McCartney




Esta obra do Jamie McCartney é muito interessante porque temos 400 vulvas, todas diferentes, todas elas a remeterem para esta ideia de diversidade que é tão importante, porque as vulvas nunca são exibidas como os pénis. As mulheres não têm uma relação com o seu próprio corpo, nem através da masturbação desde pequenas como os rapazes, muito por causa da sua autoestima, da forma como se entendem enquanto corpo, tendo uma relação com o corpo completamente diferenciada da dos homens. Então, esta experiência de ver uma série de vulvas é um painel da diversidade, ainda que a obra tenha um nome que, no meu entender, não deveria ter, que é: o Grande Mural das Vaginas. Ou seja, à data da obra, o Jamie McCartney ainda chamava vagina à vulva, que é um dos grandes erros.
G. – Portanto, a inexistência de um pénis na exposição não é uma forma de afirmarem que uma mulher não pode ter um pénis [por exemplo, uma mulher trans], mas sim uma forma de afirmarem que os pénis já foram muito vistos e, agora, querem dar espaço às vulvas?
M. C. – Não é só o pénis, a vagina também. Se pensarmos, estamos numa sociedade em que valorizamos o coito, e o sexo, na cabeça da maior parte das pessoas é penetração. Portanto, o pénis está sempre presente no imaginário de todas as pessoas. Quando numa experiência sexual se diz que não foram até ao fim, é porque o fim, para elas, é a penetração. Portanto, na cabeça das pessoas, mesmo que não tenham sido ensinadas na escola, ou pelos pais, existe a ideia muito presente de que a sexualidade tem uma série de comportamentos sexuais que terminam no coito e que a vagina é o principal meio do prazer sexual feminino, o que é um grande equívoco, como sabemos. A vagina não tem o mesmo tipo de terminações nervosas que tem um clitóris, que tem cerca de oito mil [terminações nervosas], é 10 vezes maior do que aquilo que imaginávamos – pensávamos que era uma pequena ervilha no cimo dos pequenos lábios e é toda uma estrutura erétil que, com o fluxo de sangue, se mexe e dá imenso prazer às mulheres – e todo ele é o órgão principal [para o prazer sexual feminino, para pessoas que o têm], com mais do dobro de terminações nervosas que um pénis tem, dando para perceber a diferença e importância que este clitóris tem para o prazer sexual feminino e que sempre foi posto como uma coisa alternativa. O pénis, preguiçoso, gosta de penetrar uma vagina e não ter mais trabalho com isso. Tocar, estimular uma mulher no seu corpo, no seu clitóris, dá imenso trabalho. Nem as mulheres, muitas vezes, queriam ser tocadas por acharem que era uma sexualidade de segunda. Muitas mulheres, quando se pergunta se têm orgasmos, dizem que não, mas têm. Porém, quando se masturbam, não valorizam esse orgasmo porque acham que o sítio certo deveria ser dentro da vagina. É uma coisa curiosa elas próprias rejeitarem um sentimento de prazer tão grande porque “não é no sítio certo”. E este sítio certo é [determinado por] esta sociedade que nos remete para entendermos a sexualidade dentro de umas grades e, no fundo, aqui, ao valorizarmos o clitóris, acima de tudo, não é dizer que o pénis não existe, que a vagina não existe, que outras partes do corpo não existem, mas sim que tem de se dar atenção ao prazer e o prazer passa por saber que existe este órgão no corpo e que ele é extremamente importante para a satisfação sexual feminina.
G. – Como já mencionaram anteriormente, a educação sexual nas escolas portuguesas continua a ser lecionada, muitas vezes, com vários obstáculos, privilegiando conteúdos biomédicos que levam a continuados relatos de uma visão limitada, preconceituosa ou pouco inclusiva, nestas aulas. Almejam que o museu e esta exposição possa ser o início da reviravolta neste paradigma?
F. V. – Sem dúvida. O museu tem, desde logo, no seu nome, a pedagogia – o museu pedagógico do sexo. Um museu tem sempre dois propósitos: conservar obras de arte e expor obras de arte. Hoje em dia, olha-se cada vez mais para o museu como um espaço de conhecimento. Há o ensino formal, que é dado na escola e na academia, e o informal que, muitas vezes, vem do lugar do museu. Quando falamos que a bengala é a arte contemporânea, o espaço triplica-se no sentido em que, na verdade, já não estamos a remeter para uma escolha de corpos por uma vertente simbólica, religiosa, clássica, de encomenda, ou mesmo até meados do século XX por uma questão estereotipada, mas cada vez mais a escolha das obras, ou o efetivar das obras, está muito mais associada a essa consciência da pluralidade de que falava há pouco. Neste sentido, vais ter a possibilidade de, no percurso da exposição, encontrares desde um corpo que está associado a artistas mais revolucionários como o Ernesto de Sousa ou a Clara Menéres, e de artistas que estão completamente consagradas na ideia de trabalharem este tema como acontece com a Sophia Wallace [com a sala Cliteracy] e o próprio clitóris ativista [de Julia Pietri – Gang du clito]. Também temos nomes de uma “nova geração” como os desenhos da Isabel Baraona que trabalha a consciência do corpo e da sexualidade, mas não duma forma tão explícita. Isso tudo é fundamental que seja, depois, também canalizado para aquilo que é o trabalho com as escolas e com os diferentes públicos. Esta exposição vai acontecer num município [Oeiras] que aposta também muito na relação com as escolas e há um peso muito grande entre a exposição e a divulgação para as escolas virem e se associarem ao museu, mas a ideia é que ela chegue ao público de todo o país. Estamos a iniciar a exposição num período que vai ser o de férias, apanhando todos os públicos num sentido mais geral, mas, depois, a exposição vai acabar por estar presente naquele que é o primeiro período escolar e a ideia é realmente trabalhar com atividades distintas para todas as faixas etárias e até com projetos mais continuados, em que, entre aquilo que se dá na academia e o que pode acontecer no museu, seja possível haver um diálogo e uma possibilidade de se criar trabalho fora daqui. Ou seja, que haja resultados de trabalho continuado pedagógico, feito a partir do museu, e que depois possa ser mostrado já fora do museu e que tenha todo um feedback que sirva de ponto de partida para novas experiências educativas e expositivas.




M. C. – A exposição tem seis meses. Esta é uma primeira exposição que tenta ir buscar os princípios associados àquilo que é o conceito Musex e aplicá-los a esta exposição, por ser a primeira, e para que as pessoas tenham a consciência do que é este conceito. Daí também este trabalho com as escolas, o trabalho com esta programação para todos os públicos, com esta ideia de fazer clínica dentro da própria exposição – a APF vai estar dentro deste edifício a dar consultas, portanto durante a exposição, as pessoas podem recorrer e marcar consultas tendo o consultório “dentro do museu” e sendo acompanhadas por esta equipa da APF. Para além disso, pretendemos fazer um estudo, porque vemos a ciência como uma parte muito importante para validar tudo o que são os conteúdos, por um lado, e, por outro, produzir ciência através de uma experiência de museu. Vamos criar um grande estudo nacional, em que o Gerador vai estar, assim como a Sociedade Portuguesa de Sexologia, o mestrado de Sexologia, aproveitando este buzz em volta da sexualidade feminina para as pessoas poderem responder a questionários que serão feitos online. Isto permite que a exposição termine e daí derivarem muitos conteúdos científicos para revistas da especialidade, o que será uma coisa extremamente importante. Usamos esta primeira exposição como pretexto para produzir ciência.
G. – O que entendem por prazer sexual feminino?
M. C. – O prazer sexual é uma medida pessoal. Não podemos dizer, por exemplo, que prazer sexual são todas as mulheres que têm um orgasmo. Até o próprio conceito de orgasmo é um conceito que tem muito que se lhe diga. Podes ter um orgasmo e não ter qualquer satisfação associada, pode ser um orgasmo mecânico. Até podes estar num contexto de agressividade e teres um orgasmo e isso não significa que tiveste uma experiência sexual com prazer. A excitação sexual é fundamental para conseguirmos ter prazer sexual. É possível estar numa experiência sexual, que muitos entenderiam como sendo positiva e não o ser, porque, por exemplo, a mulher não teve qualquer tipo de satisfação sexual física. Mas ela também pode entender que não precisa, não só porque nunca teve essa experiência anteriormente, como também porque não valoriza, porque sente que o mais importante é a afetividade daquele momento. Portanto, esta ideia de prazer é, de facto, muito complexa. Aqui, não estamos a dizer que, apesar de termos um orgasmo no fim da linha, é isso o mais importante. Estamos a dizer que isso também é uma experiência que se pode ter. Não há uma linha que diga: o prazer sexual é isto. Pode ser várias coisas para pessoas diferentes.
Podemos é alertar para alguns conceitos. Por exemplo, para que se tenha algum tipo de prazer sexual, a [relação sexual] tem de acontecer com consentimento. E não é o consentimento de quem está a ser pressionada e lá aceita. O consentimento tem uma série de itens sobre os quais é preciso pensar para se perceber que estou mesmo a consentir porque quero. Esse também é um princípio básico desta exposição. Se não dás consentimento, a experiência é de desprazer. [No prazer não se inclui] nada que seja feito contra a tua vontade, que seja um abuso, um crime – mesmo que possas ter uma experiência de resposta sexual positiva no sentido de te sentires excitada ou de teres um orgasmo, isso não interessa, porque não foi com consentimento. Isso foi uma agressão e é crime. Portanto, o princípio básico do prazer, para começar a história, é ser consentido.
F. V. – Penso que a viagem ao prazer sexual feminino acontece também numa subjetividade. Todos devemos ter um lado masculino e um feminino, quase de certeza, portanto não acredito que esta exposição vá criar, na cabeça das pessoas, um percurso linear do que é essa viagem, nem tampouco a consciência exata se estão num plano completamente feminino, ou não. Porventura, até haverá homens que sentem de uma forma mais intensa, esta exposição, do que algumas mulheres e isso é curioso, porque quando pensámos n’Os Espacialistas para criarem toda a cenografia do espaço, e que metaforicamente trabalhassem este edifício enquanto corpo, não é um corpo literal. Não viajo no sentido de perceber que agora estou a andar numa perna, ou numa cabeça, mas sim entre cores, texturas. Experiências que nos levam até à ideia de temperatura, intensidade, ser mais labiríntico ou ser um percurso mais linear. Que isso, sim, nos possa remeter para a questão do que é o corpo feminino ou o que é o prazer feminino, mas não há nunca a tentativa de haver um balizamento de tudo isso, nem nos conceitos, nem numa afirmação muito explícita de que o masculino e o feminino não se intersetam constantemente. E ao falar em intersecção não estou a falar de uma relação heterossexual, mas sim que se intersetam em cada um de nós. E a escolha das obras de arte está também relacionada com isso – a ideia de não haver esse universo feminino no sentido de ser só feminino. Ou seja, é um universo que, à partida, trabalha a relação com a mulher, com o corpo da mulher, quer a partir de artistas maioritariamente mulheres, mas também de alguns homens, mas que pode chegar a qualquer um de nós. Não existe, para mim, a necessidade de haver essa fronteira, o que se relaciona também com a ausência de estigma.


“O olfato, apesar de ser um dos sentidos mais importantes, é o sentido mais desprezado. Aqui, propus trabalhar quatro aromas, quatro perfumes, de quatro momentos na história: Kamasutra, Cleópatra, Josefina Bonaparte e a Imperatriz Viúva da China, Cixi. Estamos aqui com três mulheres com personalidades fortíssimas. Temos a imperatriz chinesa que precisou de matar filhos para se manter no poder, a Cleópatra que seduziu os dois imperadores da altura, Júlio César e Marco António e a Josefina de quem ouvimos falar de uma história bonita com Napoleão, o que não é verdade. Napoleão deixa Josefina, porque ela não lhe consegue dar um filho, havendo muita infelicidade nessa história. Fui buscar elementos que estão historicamente documentados. Por exemplo, no caso de Josefina, quando Napoleão vinha das suas conquistas dizia a Josefina para não se lavar porque o que lhe interessava era o cheiro natural. Então, fui trabalhar com glândulas anais do castor. A Josefina adorava violetas, tanto é que Napoleão, depois, cobre o seu túmulo com violetas e quando é morto é encontrado com uma medalha com violetas, pelo que tem violetas também. Era maluco por jasmim, gastava milhares de dinheiro nisso. Portanto, há uma construção olfativa. A imperatriz chinesa utilizava gengibre na boca para manter o hálito seco e tinha um fetiche tremendo pelo cheiro das maçãs apodrecidas. Portanto, aí, vão sentir o cheiro da maçã, da pera e do gengibre. Gostava ainda de salientar que o olfato é o único sentido que está diretamente ligado ao cérebro, portanto, ao sistema límbico, e no sistema límbico temos o hipocampo, que é o que nos remete automaticamente para questões de memória. Por exemplo, quando passa por nós o perfume do primeiro namorado ou da primeira namorada, que já não vemos há três décadas, lembramo-nos [dessa pessoa].”, Cláudia Camacho


M. C. – Esta exposição está dividida em cérebro, pele e a zona mais íntima e isto assenta numa ideia de resposta sexual, mas também não é linear. Podíamos pensar que o cérebro é desejo, que a pele é excitação e que o clitóris seria o orgasmo, mas não é assim. Tudo se confunde. Aliás, todo este veludo que acompanha a exposição, esta pele, remete para esse corpo. A experiência da excitação sexual é a mais importante para a sexualidade, independentemente do número de orgasmos ou da frequência com que se tem relações sexuais, que são dois parâmetros em que, tendencialmente, as pessoas se focam mais. A principal história desta experiência [da exposição] começa à porta com o momento em que defines que, ao entrar neste corpo feminino, que é este edifício, estás a escolher [entre o caminho do sem consentimento e o do com consentimento].


“I made this piece for my second exhibition in London. They are made of latex. The piece explores the different roles the society puts on women’s bodies and how they urge to escape that by ripping up the skin and living without the compliance of the body. [Fiz esta peça para a minha secunda exposição em Londres. (As peles) são feitas de latex. A peça explora os diferentes papéis que a sociedade imprime nos corpos das mulheres e como elas almejam escapar-lhes, rasgando essa pele e vivendo sem a submissão à imagem que têm do seu corpo. – tradução livre]”, Polly Nor


G. – Como acabaram de referir, logo à entrada da exposição, as pessoas serão convidadas a fazer uma escolha: seguir pelo caminho do núcleo com consentimento ou o núcleo sem consentimento. O que vos levou a, numa exposição sobre prazer sexual, incluir o núcleo sem consentimento?


M. C. – O tema da exposição é o prazer sexual feminino, mas há sempre o reverso da medalha. Portanto, a construção foi, desde o início, perceber-se que havia dois caminhos. Um caminho que remete para uma experiência negativa, que tu não queres ter, e outra que te dá imensas possibilidades. Esta parte é claramente pedagógica. Quando entras [na exposição], és agente sobre a tua própria escolha, mesmo que não saibas bem o que quer dizer entrar com consentimento e entrar sem consentimento, porque não tem lá nada a explicar.
F. V. – A arte contemporânea é cada vez mais participativa, por isso também me parece interessante haver uma ideia de escolha na exposição. Perceberes que as tuas escolhas, enquanto espectadora, também te vão levar a experiências diferentes. Há outro lado que também leva à importância do núcleo sem consentimento: para tomares consciência sobre uma determinada realidade, normalmente, fá-lo pelo contrário dela. Ou seja, para eu perceber o que é amor, preciso de ter a experiência do que é o desamor. Para ter consciência do que é o eu, tenho de fazer uma reflexão sobre o que é o outro. Para entender o que é o privado, vou entender o que é público. Portanto, à partida, tomar consciência sobre o que é o estar sem consentimento, a violência sobre a mulher, os diferentes abusos que podem existir, leva a uma possibilidade de consciência do que pode ser o prazer, exatamente pela questão do inverso.


“Esta é uma peça que fiz com 16 anos. Acho que ela é tão atual, para mim, como algo que faço agora, mas fala de questões que, talvez, na altura, para mim, fossem bastante invisíveis, pelo menos por palavras. Hoje em dia, com outra maturidade, sou capaz de transformar [a obra] em palavras. Esta peça fala das relações que são turvas, ou seja, em que há, por vezes, relações que são, por exemplo, associadas à síndrome de Estocolmo, ou seja, há relações tóxicas, mas que são difíceis de quebrar. Apesar de serem turvas, são difíceis de quebrar porque nelas existe o afeto. Ou seja, existe um sentimento para além do abuso. Também fala muito das linhas vermelhas que se ultrapassam. Quando há relações sem consentimento estão a ultrapassar-se linhas que são difíceis, depois, de recuar.”, Sara Maia
M. C. – A consciência de que determinada ação é um ato de violência contra mim não é óbvia para toda a gente. Por isso, há pessoas que aceitam inúmeros abusos achando que é assim, não tendo o reverso da medalha para perceber que isso não é assim. Não tem de ser assim, não pode, não deve. Vai contra os direitos humanos e sexuais. Nesta exposição, falamos de tráfico de mulheres, mutilação [genital feminina], violação, abusos, uma série de contextos sobre a mulher e que estão representados também na obra da Ana Rocha de Sousa, em que o que ela quer é, dentro daquele vídeo, remeter para a agressividade que acontece sobre o corpo feminino. Conseguimos ver, na neblina do seu vídeo, um corpo com toda uma experiência de sangue, palavras e sons que nos remetem para um ambiente muito agressivo de várias violências sobre a mulher. A ideia é, de facto, as pessoas saírem angustiadas do lado do não consentimento, porque, muitas vezes, as pessoas assistem a essas situações e não fazem nada.


“Preparei esta obra especificamente para aqui, é uma obra site specific, e centra-se em diversas formas de violência sexual. Uma delas conheço bem e todos os outros tipos de violência foram um exercício de colocação no lugar do outro. Portanto, é uma obra que, como várias vezes trabalho, está sempre no limiar da pura realidade e da ficção. Neste caso, a ficção trata-se de que todas as imagens que vão ver não são reais, foram fabricadas, mas o som é de pessoas que passaram, efetivamente, pelas situações. Fiz também uma obra chamada Cluedo que levanta questões, como um manifesto, sobre a investigação ou não investigação dos crimes sexuais de acordo com o tempo que passou depois de um crime ter ocorrido. No jogo do Cluedo ocorre o crime e é preciso investigar quem, como e onde, e gostava que todos os crimes sexuais pudessem ser investigados e que se chegasse à conclusão de quem, como e onde.”, Ana Rocha de Sousa.


G. – A par da exposição fixa, existirá uma programação paralela que conta com oficinas do prazer, performances ao final da tarde, conversas e domingos para as famílias. Inclusive, durante o tempo da exposição, irá celebrar-se o Dia Nacional da Saúde Sexual, a 4 de setembro. Podem desvendar um pouco mais do que poderemos usufruir nestes espaços/momentos?
F. V. – A programação que está a ser pensada não está ainda fechada, até porque ela está a ser feita em conjunto connosco e a Associação Cultural Gerador. Há uma grande vontade de dar voz aos artistas que estão aqui presentes para que o seu discurso não se encerre na sua obra e possa ir além disso, criando ateliês, oficinas ou criando um momento de discussão. Alargar este discurso que dizemos ser científico e artístico em debates, mesas redondas, ciclos de cinema, faz com que o discurso da exposição possa ser ainda mais alargado. Aí, a ideia é que os convites se estendam a mais pessoas do que aquelas que estão a participar diretamente enquanto representantes de obras na exposição. O programa está em construção, mas a ideia é que seja feita para todas as idades – crianças, pessoas mais velhas, a escola, não serão excluídas. É toda uma diversidade que, de mês a mês, tem de ir sendo pensada de acordo com aquilo que está a ser a interação das pessoas com a exposição.
M. C. – Para o dia Nacional da Saúde Sexual, que é um dia muito importante, a ideia é também fazer uma parceria com a Sociedade Portuguesa de Sexologia e fazer um convite a todas as organizações, associações e entidades que representam todo o trabalho que tem sido feito em relação à saúde sexual, aos direitos sexuais, às questões LGBTQI+. [Queremos que] todas as associações possam estar representadas no jardim do Palácio Anjos nesse dia e que elas próprias possam criar a sua programação, perfazendo um dia de partilha como forma de festejar este dia tão importante e que só desde o ano passado se comemora, e Portugal é o único país que celebra este dia a nível nacional. Esta exposição é de todos, em que todos podem falar, é agregadora.


G. – Para este projeto, que se inaugura com a exposição Amor Veneris, quais os principais desafios que identificam para o futuro?
M. C. – Essa pergunta remete-nos para o início da história, em que a ideia era criar um museu físico, com a possibilidade de, num mesmo espaço, teres várias exposições em simultâneo, para várias idades. Este percurso, desde 2010, permitiu-me pensar no museu de formas muito distintas. O museu pode ser muitas coisas e, por isso, também estou confortável por este museu fazer a sua primeira exposição não sendo um museu com a mesma realidade de outros museus que existem, mas sim a partir de um conceito. Portanto, a partir daqui, pode ser muitas coisas. Pode transformar-se, de facto, num museu-edifício/estrutura, pode ser um museu pop up, um museu itinerante, pode ser uma série de coisas. Esta é uma primeira experiência, em que, depois, teremos de avaliar o seu potencial. É um pensamento que será posterior a esta exposição. Portanto, a resposta é: pode ser tudo.
A exposição patente no Palácio Anjos, em Algés, abre portas de terça a quinta-feira e aos domingos, entre as 11h e as 19h, e às sextas, sábados e feriados entre as 11h e as 20h. Amor Veneris pode ser visitada até dia 30 de dezembro de 2022.