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Opinião de Carmo Gê Pereira

E mais uma vez, a culpa é do Freud

Nas Gargantas Soltas de hoje, Carmo Gê Pereira fala-nos de bissexualidade e a forma como a mesma foi vista pela sociedade ao longo dos tempos.

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A 23 de Setembro celebra-se anualmente o Dia da Bi Visibilidade, um dia de celebração e visibilidade de uma orientação, guarda-chuva de muitas e, no entanto, tão pouco visível.

Robyn Ochs, anciã do movimento activista bissexual norte americano apresenta-nos a bissexualidade a partir da sua identidade da seguinte forma: “Considero-me bissexual porque reconheço que tenho em mim o potencial para sentir atração, romântica e/ou sexual - por pessoas de mais de um género, não necessariamente ao mesmo tempo, não necessariamente da mesma maneira, e não necessariamente na mesma medida”. Uma das muitas definições da bissexualidade que nos fala em desejo, permanência e fluidez e inclui pessoas alosexuais* e assexuada. 

A bissexualidade apresenta-se como um guarda chuva de orientações nas quais se incluem pansexualidade / omnisexualidade, onde a atração sexual ou romântica é por pessoas de todos os géneros, independentemente do género, a polissexualidade, atração por pessoas de muitos géneros (mas não todos), a fluidez, uma atração que muda ou pode mudar ao longo do tempo entre diferentes géneros, a homo e lesbiflexibilidade, que incorpora pessoas que normalmente se sentem atraídas por géneros semelhantes aos seus mas ocasionalmente se sentem atraídas por pessoas de géneros diferentes, a heteroflexibilidade, atração que comummente é por pessoas de género diferente e binária mas que ocasionalmente se sentem atraídas por pessoas do mesmo género ou outros que não o seu e a bi-curiosidade. Muito mais cabe debaixo deste guarda chuva como o birromântismo, a antrossexualidade, a multissexualidade e de forma política recusamos a taxonomização herdada dos doutores de finais do sec.XIX e início do século XX, o termo queer cabe também aqui ao descrever qualquer pessoa que não se insere na norma cisgénero, binária, baunilha, heterossexual e monogâmica.

Interessante pensar como a junção da recusa destas normas nos transporta para os vilões, as vilãs e es raras viles, clássicos dos filmes, séries e bandas desenhadas nos trouxeram enquanto lugar de bi-visibilidade. Depravação sem limites, promiscuidade sexual, vontade de ter sexo com quem se cruzam e principalmente nenhuma empatia.

A representação ficcional mais comum: sociopatas bissexuais.

Dados apontam que uma das minorias de orientação sexual mais odiadas são os homens bissexuais e que sofrem desproporcionalmente de violência. Um inquérito norte americano de 2013 situa a percentagem da população bissexual nos 40% do total de pessoas LGBT. O mesmo inquérito mostra que era a população com a percentagem mais baixa de pessoas importantes na sua vida com conhecimento da sua orientação e que pessoas bissexuais mais velhas estão comummente no armário. A isto agregam-se a altos índices de depressão assim como falta de resposta indicada nos cuidados de saúde especializados (que afeta todas as outras letras da sigla LGBTQIA).

Sabemos que os estigmas mais comuns são a consideração social que a bissexualidade é transitória (é apenas uma fase), a ideia que toda a gente é bissexual ou ninguém é (fazendo assim da bissexualidade uma escolha), que é característica de imaturidade e algo por decidir, uma interrupção num processo inacabado.

No final do século XIX, os papás (brancos, meia idade e europeus, como se imagina) da sexologia, Ellis, Krafft-Ebing e Hirschfeld localizam a capacidade de desejo como se de identidade sexual se trata-se, aproximando como características fixas psicológicas que indicam que alguém teria os dois sexos, uma versão psicológica e não corporal do que agora sabemos que se chama intersexo. Segue-se Freud, com as suas teorias do desenvolvimento sexual da criança. O famoso mito de Édipo é a ilustração do que é para Freud a bissexualidade, o desejo imaturo da criança por ambos os pais que para desenvolvimento correcto deve matar (o desejo pelo) o pai. Fala-nos na criança e neste seu desejo não mapeado ao género normativo como polimorficamente perverso.

Para Freud, todas as crianças seriam inerentemente bissexuais, conquistando a sua maturidade e pleno desenvolvimento através do ultrapassar desta fase, concluindo que ninguém é bissexual portanto, apenas perverso! Entendidas de onde parte das ideias fixas vêm?

E Kinsey, cientista bissexual, em 1948, traz-nos uma escala fixa de desejo, que demonstra como resultado do seu inquérito que apenas uma percentagem pequena da população é monossexual, também questionável e dado muitas vezes usado com um tom homofóbico e que nega a exclusividade e legitimidade do desejo e orientação homossexual e lésbico, assim como a experiência única da bissexualidade.

Pessoas, relações e práticas bissexuais, ou que assim agora lhes chamamos, sempre existiram e com a sua história também enquanto movimento activista. Um movimento que se desenvolve a par com o movimento de luta de direitos pelas pessoas trans e que partilhou de muitas dos preconceitos vindos inclusive de dentro da própria comunidade. Aliás, quer os falsos lugares de fase quer de artifício são partilhados.

Nos anos da epidemia de HIV/SIDA, os homens bissexuais são estigmatizados como sendo os responsáveis de trazer o que aos condenados deveria caber para a sagrada instituição da heterossexualidade. E interessante como para esta sociedade tão fetichizadora do falo, a negação da bissexualidade em pessoas binárias calha volta sempre ao homem cisgénero no centro, o preconceito é que homens bissexuais são gays no armário, enganadores, e mulheres bissexuais estão a passar uma fase, promíscuas, e rapidamente voltarão aos santos braços da heterossexualidade.

Pois bem, pessoas bissexuais existem, algumas são homens e mulheres, cis e trans, outras são pessoas não-binárias, algumas identificam-se como pansexuais por não trazer na definição presente a ideia de género, ou talvez pelas cores da bandeira, outras são biromânticas, queer ou lesbiflexivel. E muitas não estão fora do armário. Talvez por que se escusam de ouvir que é mais uma fase, ou um processo de sair do armário, ou que é um termo muito complicado o que para si adoptaram, bem que podia ser apenas bi, diz quem as ouve.

E se há papel de aliado é ouvir, aceitar e acolher e para quem produz conteúdos, sejam escritos, desenhados ou filmados, criar personagens diversas em que a bissexualidade não seja patologizada e tornada falha de caracter mas possam ser monogâmicas ou não, promiscuas ou policomprometidas e púdicas, boas e más e acima de tudo um pouco mais reais e plurais, como é a letra B desta comunidade.

-Sobre Carmo G. Pereira-

Carmo Gê Pereira é/tem um projeto português ligado à sexualidade com workshops, formações e tertúlias, sessões de cinema, ciclos de eventos e aconselhamento sexual. Atua de forma ativista paralelamente. Assumidamente LGBTQIA+, sex-positive de forma crítica tem-se destacado como: formadora de educação não formal, educadora sexual para adultos, na área do aconselhamento sexual não patologizante, expert em segurança, recomendação e utilização de tecnologias para a sexualidade. Formada em sexologia e doutoranda do Programa Doutoral de Sexualidade Humana da FCEUP, FMUP e ICBAS. Mais informação em www.carmogepereira.pt

Texto de Carmo G. Pereira
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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