O Jornalista Açoriano que Abraça Portugal Inteiro com Palavras
De sotaque micaelense e de livro por baixo do braço, Rui Paiva, o jornalista açoriano que atualmente integra a equipa da Agência Lusa, é, igualmente, o correspondente do Público nos Açores, mas que, um dia, quis ser jogador de futebol. Rui, talvez por modéstia, teima em achar que o seu percurso não é o mais entusiasmante de todos, no entanto continua a “dar cartas” a nível nacional nesta área e é já considerado uma inspiração para tantos açorianos que optam por seguir Comunicação e que não pretendem deixar os Açores. Rui decidiu abandonar o arquipélago após concluir a licenciatura em Comunicação Social e Cultura, na Universidade dos Açores, com um percurso invejável, onde conseguiu, em todos os momentos, conciliar os estudos com a vida académica e foi, ainda, capaz de assumir cargos de chefia, como o de presidente da Associação Académica. A busca incessante para conseguir viver do Jornalismo, e de prosseguir estudos nesta área, fizeram-lhe, de forma ponderada, apanhar o avião e ir, mesmo quando as pessoas à sua volta desconfiavam do sucesso da profissão e sugeriam opções mais simples. Encontrou, no Porto, as primeiras oportunidades profissionais, mas mesmo assim decidiu regressar a casa.
O jornalista, de apenas 26 anos, desde novinho agarra no lápis e no papel, escreve e lê sobre diversas temáticas. Os colegas de turma e amigos mais próximos sempre admiraram a facilidade com que Rui pegava num tema, à partida desinteressante e, rapidamente, o transformava, com as mais sublimes palavras, numa história, das que não queremos parar de ler.
Estivemos à conversa com o Rui Paiva e entre rabiscos e livros, ficamos a conhecer o percurso de um jornalista de coração grande e alma inquieta.
Gerador (G.) — A comunicação foi sempre a opção? O que respondias quando, em criança, te questionavam sobre o futuro?
Rui Paiva (R. P.) — A pergunta é curiosa. Eu, como todas as crianças da minha geração, tive uma fase inicial em que o sonho utópico passava por ser jogador de futebol. Olhando para trás, noto que nem era um sonho: era uma resposta automática que os rapazes davam em uníssono nas escolas para não se comprometerem. Eu não fugi à regra, até porque pratiquei futebol desde miúdo e era um desporto de que gostava muito. Bem, mas isso nem se pode considerar válido. O que é certo é que a ideia de ser jogador da bola não durou muito tempo porque depois apareceu o jornalismo. Era muito novo quando quis ser jornalista, nem sabia bem o que queria dizer. Lembro-me de ter lido uma entrevista ao Nuno Gomes que jogava no Benfica [risos] em que ele dizia que gostaria de ser jornalista desportivo caso não fosse futebolista. Esta ideia ficou-me. Devia ter uns nove anos. E foi a ideia que me acompanhou para o resto da vida.
G. — É neste momento que te apercebes de que o jornalismo era o que querias, efetivamente, fazer profissionalmente?
(R.P.) — Não há propriamente um momento porque foi algo que sempre me acompanhou. Nunca me lembro de realmente ter pretendido ser outra coisa que não jornalista. Até naquelas fases de transição na vida adolescentes (como a escolha da área no secundário ou a entrada na universidade) nunca tive dúvidas sobre o assunto. Recuando no tempo, noto a importância que teve o convívio desde cedo com os jornais. Os meus pais são fiéis assinantes do Açoriano Oriental e a primeira coisa que fazem na manhã, ainda hoje, é ir buscar o jornal à caixa do correio. E depois há a escrita, a leitura, o fascínio do texto, que também me influenciaram. O português sempre foi a minha disciplina preferida. Além das entrevistas simuladas que fazia lá em casa aos 10 anos, quando tinha 14 anos creio que há um passo importante nessa perceção de que a minha vida iria passar pelo jornalismo. Criei um blogue de desporto chamado Contra-Ataque. Escrevia notícias, fazia análises aos jogos, fazia uma série de conteúdos. Dava-me uma trabalheira. Cheguei a fazer, via email, várias entrevistas exclusivas a jogadores da primeira liga. Aquilo tinha alguma afluência, eram os tempos fortes da blogosfera. E pronto, aí diria que ficou arrumado que era isso que iria fazer como profissional. Tanto que, ao longo da vida, fui alterando os meus gostos e preferências (deixei de perder tanto tempo com o desporto para dar mais atenção à política e à cultura), mas o jornalismo ficou sempre.


G. — A opção de prosseguir estudos a nível superior nos Açores sempre foi uma opção válida?
R. P. — Nem sempre. Foi por fases. Não é fácil interpretar o que já está fechado. Entrei na Universidade dos Açores, na primeira opção, em Comunicação Social e Cultura. As outras duas opções que coloquei foi Jornalismo no Porto e em Coimbra, julgo. Era muito novinho, tinha 17 anos quando entrei na universidade. Talvez nessa altura não me sentisse preparado para dar o salto de ir estudar para o continente com tudo o que isso implica. Acabei por ficar nos Açores, o que também foi muito importante. Neste tipo de coisas, não há uma decisão certa ou errada, mas não me arrependo em nada do meu percurso. A Universidade dos Açores tornou-se a minha casa.
G. — Como tomaste a decisão, após o término da licenciatura, de abandonar a tua ilha, a tua casa, para procurar oportunidades em Portugal continental?
R. P. — Bom, deixa-me só fazer um parênteses. [risos] Quando recebi o convite para esta entrevista, com um misto de surpresa, orgulho e agradecimento, comecei a pensar no meu jovem percurso de vida e percebi que não é muito entusiasmante. Não tive grandes dúvidas existenciais sobre a profissão e praticamente todos os passos foram planeados. Não tive, digamos, grandes acidentes de percurso. Sair da região para tirar o mestrado foi um passo natural. Sabia que tal era importante. Eu sou muito desorganizado no quotidiano, mas gosto de planear tudo mentalmente. Assim foi. Não quer dizer que não custou, mas já estava mentalizado para tal. Entrei na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, no mestrado em Ciências da Comunicação, variante Estudos de Media e Jornalismo.
G. — Que balanço fazes da experiência fora dos Açores?
R. P. — Foi positiva, claro. A vários níveis. O Porto é uma cidade fascinante, que já conhecia em parte devido à circunstância de o meu irmão ter lá vivido durante mais de dez anos. Depois, claro, cheguei lá com outra maturidade. Fora isso, é sempre importante para um açoriano viver fora dos Açores, sobretudo quando se acaba a trabalhar, como eu trabalho, para um público nacional. Abre horizontes e, diria até, ajuda a dar nitidez à própria ilha. Portanto, não só cresci muito em termos pessoais, como não tenho dúvidas de que seria um profissional diferente caso não tivesse saído dos Açores.
G. — Como se lida com a saudade, que teima em fazer parte da rotina de um açoriano deslocado?
R. P. — Lida-se aproveitando as passagens baratas da Ryanair. [risos] Pelo menos foi o que procurei fazer… Bem, mais a sério, a saudade faz parte. A maneira de lidar com ela é encará-la e perceber que é algo natural e inevitável. É até bom que exista: quando deixa de existir saudade, é porque já não temos ligação à terra.
G. — O que te fez regressar à região? R. P. — A resposta não é fácil. Estas ilhas têm uma espécie de magnetismo que é difícil de explicar a quem nunca viveu aqui. Eu procuro manter o sentido crítico, até porque há muita coisa a falar menos bem. Existem inúmeros problemas em viver em pequenas ilhas ultraperiféricas a meio do Atlântico Norte. Há coisas que me irritam por aqui, e há uma complexa realidade social, económica e política. Mas, acima de tudo isto, há uma ligação a esta realidade insular, açoriana, que é muito forte. Não sei se é o mar, o clima, o fuso horário, a paisagem. Bem, mas já me estou a desviar da questão. Além de todos os motivos pessoais, há motivos de oportunidade. Eu sempre pensei em voltar aos Açores, mas até julgava que isso ia acontecer mais tarde na minha vida. Mas a oportunidade de continuar a colaborar com o Público (depois de ter feito lá estágio) e de integrar a equipa da Lusa nos Açores apareceu no final do mestrado. Portanto, apresentei a tese a 18 de julho e em agosto comecei a trabalhar já nos Açores.


G. — Quais as maiores diferenças que encontras entre os Açores e Portugal continental a nível profissional?
R. P. — Posso falar no caso do jornalismo. São, sobretudo, a dimensão e a respetiva escala. A situação do jornalismo, com uma crise relacionada com o modelo de negócio e o descrédito das instituições, é difícil em todo o lado. Mas, nos Açores, por se tratar de uma região pequena, com uma população dispersa por nove ilhas, cada uma com uma realidade muito própria, a situação é mais complicada. Isto faz com que as redações tenham ainda menos meios e que o jornalismo seja ainda mais difícil. Há, claro está, uma relação muito próxima entre o jornalista e os agentes políticos/culturais/económicos. Isto, no final, é um grande bairro onde nos conhecemos todos. Mas deixa-me fazer uma nota quanto ao objeto do jornalismo: há muito para escrever nos Açores. É como o slogan da TSF: “ir ao fim da rua e ao fim do mundo” por uma notícia. E esta noção de “fim da rua” é muito importante. É cada vez mais importante, diria. E, portanto, quando voltei para os Açores foi por perceber que havia muito potencial por explorar. Em termos jornalísticos, falo. Se há dinheiro para investir nisso, pois isso aí é outra coisa.
G. — Após este regresso, imaginas estabelecer a tua vida nos Açores ou sair é ainda uma hipótese?
R. P. — Para já, não prevejo sair. Estou nos Açores e a escrever para os órgãos de comunicação social que sempre quis. E consigo tirar rendimento da atividade, que também é importante. Agora, na vida, não gosto de fechar portas. Nunca se sabe que oportunidades vão aparecer.
G. — Qual o trabalho mais desafiante em que já colaboraste?
R. P. — Assim de repente, em termos mais abstratos, vem-me à cabeça o desafio que as minhas queridas chefinhas do P3 (que me abriram as portas do Público) me fizeram nas vésperas de eu voltar à ilha: pensar o jornal a partir dos Açores. É este o meu desafio diário: perceber o que tem dimensão nacional, perceber o que encaixa no Público, perceber o que é relevante na região para uma audiência nacional. O que é deveras desafiante porque, tendo eu a pasta Açores, tenho de olhar para todas as áreas. Por exemplo, no Público, já fiz análise política e já escrevi sobre uma árvore. Essa abrangência também é desafiante.
No caso da Lusa, o trabalho é, também, um desafio diário: pelas implicações do estilo, pela necessidade da rapidez e da responsabilidade de estar a escrever para diferentes órgãos de comunicação social.
Bem, não sei se com a pergunta tinhas em mente uma resposta mais objetiva, mas em termos de desafios profissionais, não posso deixar de referir a crise sismovulcânica de São Jorge. Estive lá. Não é fácil ver toda a gente a sair de um concelho por motivos de segurança, ver pais a deixarem os filhos no aeroporto, e, ao mesmo tempo, procurar que nada disso nos contamine porque temos de trabalhar. É preciso retrair o lado pessoal.


G. — O que te cativa a continuar numa área tão complexa e por vezes até ingrata?
R. P. — A paixão. Não há outro motivo. Quem se mete no jornalismo numa fase destas é por gosto.
G. — Qual consideras ser o maior desafio para quem trabalha nesta área?
(R.P) — São vários. O trabalho jornalístico está hoje mais complicado. Há spin doctors, há desinformação, há redes sociais e uma agenda mediática intensa. É difícil fazer com que o trabalho jornalístico não seja contaminado por uma série de interesses que podem ser mais ou menos declarados. A independência do jornalismo é o cerne da questão. Num mundo de tanto ruído mediático, o jornalismo nunca foi tão determinante para separar o trigo do joio. Este é o desafio.
G. — Sendo, atualmente, o Rui Paiva, uma inspiração para os açorianos que pretendem fazer da vida Comunicação nos Açores, que mensagem pretendes transmitir?
R. P. — Fico honrando só pela pergunta. Não sei se sou inspiração, nem se tenho algo a transmitir. Mas, já que tenho a oportunidade, apelo à ambição. Não tenham medo de sair da zona de conforto.
Não estou a dizer para irem para o outro lado do mundo fazer voluntariado. Às vezes, basta olhar de outra forma para o nosso bairro e questionar o que é tido como certo. A nossa geração tem de sonhar, apesar das dificuldades. O país cede muito à resignação e, nos Açores, isso é muito óbvio. No meu caso, eu passei a licenciatura e o mestrado todo a ouvir que mais valia escolher outra área porque no jornalismo ia passar fome. A situação é difícil, certo, mas até agora consegui fazer sempre todas as refeições. Os Açores têm enormes desafios pela frente. Ao nível social, político/autónomico e cultural. Precisamos de ambição e de gente capaz de levar isto para a frente.
G. — Que missão tem o Rui Paiva, como jovem jornalista açoriano, com destaque já a nível nacional?
R. P. — Poderia dizer que a missão é continuar a manter o sentido crítico e encontrar novas formas de escrutinar a nossa sociedade, mas, para já, é acabar o texto que tenho de entregar para sair amanhã. [risos]