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Enrique Matos: “A música brasileira pulsa dentro do baião”

Enrique Matos dá aulas de danças brasileiras, mais concretamente do género forró e baião. Nasceu no Brasil, em Conceição do Mato Dentro, no interior de Minas Gerais, mas emigrou para Portugal em 2008, com 23 anos. Numa entrevista ao Gerador, Enrique contou-nos que a dança e a música sempre estiveram presentes na sua vida, o que o levou, mais tarde, a criar a sua escola de dança, o Espaço Baião. Posteriormente, o nosso entrevistado decidiu organizar também um festival, o Baião in Lisboa. Este é agora conhecido como “o evento de forró mais prestigiado da Europa”.

Texto de Mariana Moniz

Enrique Matos. Fotografia da sua cortesia

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O Baião in Lisboa Festival celebra, este ano, a sua 11.ª edição. Tal como nos explicou Enrique Matos, este festival “tem como missão levar a cultura popular brasileira aos quatro cantos do mundo através do forró, o ritmo musical proveniente do Nordeste brasileiro, dançado a pares”. Este género de dança sempre esteve presente na vida do professor, não só através da sua família, mas também do Colégio Cidade dos Meninos, onde esteve institucionalizado durante dois anos.

Enrique relatou-nos as dificuldades que atravessou ao longo da sua infância e aquando da sua emigração para Portugal. Mas a música levou-o a lutar pela sua vontade de divulgar a cultura brasileira e trazê-la para o “país irmão”, acabando por criar a sua própria escola de dança. O Espaço Baião surgiu de forma ténue, com poucos participantes, que apenas tinham o gosto pela dança. Com o avançar dos anos, esta escola e o festival Baião in Lisboa transformaram-se numa marca nacional e internacional que procura salvaguardar o património cultural brasileiro e transmitir conhecimento acerca do forró.

Depois de dois anos sem poder organizar o seu festival devido à pandemia causada pela covid-19, Enrique Matos e a sua equipa voltam ao ativo, realizando o Baião in Lisboa nos dias 9, 10 e 11 de dezembro, o mês em que se celebra o Dia Internacional do Forró. O público poderá contar com as habituais aulas de dança, mas também com palestras, concertos, workshops e bailes.

Imagem da cortesia de Enrique Matos

Gerador (G.) – De onde vem este amor que tens pela dança?

Enrique Matos (E. M.) – Não me lembro de nenhum momento da minha vida em que não tenha tido dança ou música. O forró sempre esteve presente na região onde eu morava. A região do campo. Nós acordávamos a ouvir Luiz Gonzaga na rádio, ele era a voz sertaneja e talvez um dos artistas mais populares no Brasil. Lembro-me de ver os meus tios, todas as manhãs, a beberem o seu café, a preparem-se para subir a serra para trabalhar, sempre a ouvir música. Até costumo dizer aos meus alunos que, antes de dançar pela primeira vez, eu já sabia dançar [risos]! Lembro-me de ver os mais velhos a dançarem e isso sempre me despertou muita curiosidade. O meu avô materno era guarda de marujada, ou seja, participava em manifestações afro-mineiras em que se louvava a Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. A marujada era o grupo dos anciões que, durante os festejos, se vestiam de branco, se adornavam e dançavam nas ruas, tocando tambor. Na verdade, tudo isto era uma louvação às matrizes africanas. Sempre acompanhei o meu avô nesses festejos e isso também me fez apaixonar mais pela dança. A primeira vez que toquei um instrumento de percussão foi com ele, na cozinha da sua casa. Tinha uns cinco ou seis anos de idade. Mas também tivemos muitas dificuldades, faltou muita coisa e… faltou muito pouco para passarmos fome. Tendo isto em conta, acabei por me mudar para Belo Horizonte quando era adolescente. Fui para um colégio interno, uma instituição que ainda hoje existe. É a Instituição Cidade dos Meninos, que se dedica a ajudar crianças carenciadas. Fiquei lá dois anos. E foi precisamente nessa altura, no início dos anos 2000, que surgiu um movimento intitulado “Forró Universitário”. O forró já era ancestral, secular. Porém, nessa época, houve um ressurgimento da dança no Sudeste do Brasil. Criaram-se novas bandas que rapidamente ficaram famosas, pois trouxeram novas formas de dançar forró, mais atrativas. Eu já sabia dançar forró, mas foi na Cidade dos Meninos que aprendi a dançar o forró moderno.

G. – Como surgiu a ideia de criares uma escola de dança e porquê denominá-la “Espaço Baião”?

E. M. – No que toca ao ensino, penso que tenha sido a minha mãe a inspirar-me, pois ela era professora. Já no que diz respeito à dança em si… bem, tudo começou em 2010, quando já estava a morar em Portugal. Trabalhava numa pizzaria e, meu Deus, era horrível! Mal via a luz do sol. Era casa, trabalho, trabalho, casa. Mas eu nunca desisti da dança e sabia que não queria ficar naquele emprego para sempre. Para além disso, ainda estava em processo de adaptação, ou seja, estava a tentar conectar-me com as pessoas daqui, principalmente com músicos. Decidi então começar a promover uma noite de forró numa escola de dança em Santa Apolónia. Dava aulas todas as segundas-feiras à noite. Mas isso não era suficiente para me conseguir sustentar. Chegava a ter apenas 80 euros para o mês todo, porque nunca tinha um emprego fixo! Percebi que não podia continuar assim e decidi investir no forró a sério. Consegui ter mais espaços para dar aulas e comecei a lecionar quatro vezes por semana. A partir daí, as coisas só foram melhorando e evoluindo. Por exemplo, em 2011 realizei o primeiro “esboço” de um festival. Tinha apenas 40 pessoas, mas de vários lugares do mundo. Consegui que esse pequeno evento chegasse ao estrangeiro. Em relação ao nome “Baião”, escolhi-o porque o baião é o género mais ancestral do forró. A música brasileira pulsa dentro do baião, ou do samba, claro. O samba sempre foi mais mediático, mas, na minha opinião, o forró é muito mais popular no Brasil. O baião é o ritmo que Luiz Gonzaga difundiu, entendes? Digamos que esse ritmo é o pai de todos os géneros de dança que surgiram posteriormente. Desde agosto de 2021 que dou aulas em vários lugares, como por exemplo, na Casa do Brasil de Lisboa, na Fábrica Braço de Prata, no Mercado de Culturas, entre outros. Mas durante cinco anos tive um único espaço, uma sala no Ateneu Comercial com uma vista linda sobre Lisboa. Foi aí que criei o Espaço Baião, a minha escola. Tenho uma equipa bem constituída, com vários professores e conseguimos sempre dar cerca de 40 aulas por semana.

Imagem da cortesia de Enrique Matos

G. – Quando criaste esta escola já pretendias organizar festivais?

E. M. – Quando comecei a dar aulas, não. A grande maioria das pessoas não sabia o que era o forró, aliás, durante muito tempo era visto como algo pejorativo. Depois, ao ver que este movimento cultural estava a aumentar na Europa, percebi que tinha de divulgar ainda mais este género de dança. O nosso festival já vai para a 11.ª edição! Cerca de 600 participantes vêm de outros lugares do mundo. Pessoas da Sibéria, da Rússia, da Alemanha. São grupos de pessoas que vêm de propósito para o nosso festival. Na edição de 2016, chegámos a ter 1700 pessoas presentes e eu não conhecia quase ninguém [risos]! Por isso, não, não pensei em organizar festivais quando criei a escola, mas percebi, mais tarde, que seria uma boa maneira de fazer chegar o forró a mais pessoas e de difundir a cultura brasileira para o mundo.

G. – Quais são os valores e os objetivos do Baião in Lisboa Festival?

E. M. – Este ano é especial, pois vamos voltar a realizar o festival em dezembro, o mês em que se celebra o Dia Internacional do forró [13 de dezembro]. A nossa missão é sempre a mesma: difundir uma das verdadeiras correntes da cultura brasileira. O forró é algo que representa o povo brasileiro. Aliás, o festival não se dedica apenas à dança, também damos palestras, por exemplo. A Dominique Dreyfus, autora de várias biografias de músicos brasileiros, vem cá este ano dar uma palestra que se intitula “ABC do Baião”. Vai ser um grande momento de aprendizagem. Gostamos também de realizar oficinas de percussão, de exibir documentários, de criar momentos para debates. Ou seja, temos um grande intuito cultural, assim como uma responsabilidade muito grande. O Baião in Lisboa não é apenas uma festa, também queremos que haja momentos de reflexão para que possamos falar sobre a cultura brasileira e sobre o nosso posicionamento perante alguns momentos atuais. Mas, claro, o forró é o nosso manifesto.

G. – De que forma o Baião in Lisboa Festival contribui para a integração social e para a educação?

E. M. – Sendo honesto, não conheço outra dança onde exista mais inclusão do que o forró. Dentro de uma sala de aula de forró existem pessoas milionárias, existem pessoas muito pobres, mas, naquele momento, ninguém é diferente de ninguém. Ninguém tem privilégios. Já conheci tantas personalidades dentro destas aulas e dos bailes! Políticos, ingleses, italianos, pessoas que, inclusivamente, já ganharam o Nobel da Paz. Este festival é um fenómeno. Acho que os participantes percebem que este evento pulsa cultura. Temos relatos de alunos que sentiram que estas aulas mudaram a sua vida, sabes? Têm um certo poder terapêutico, digamos, devido ao convívio social e à liberdade que a dança possibilita. Penso que isso seja o mais importante: as conexões que se criam.

Imagem da cortesia de Enrique Matos

G. – Tecnicamente, como se caracteriza o forró?

E. M. – O Espaço Baião conta com aulas muito dinâmicas. Aulas de ritmo, de musicalidade, de dissociação corporal, entre outras. Fazemos muitos trabalhos de grupo, às vezes promovemos algumas brincadeiras, só para que se consiga criar o “espirito de comunidade”. O próprio ensinamento dos passos de dança acaba por passar para um nível mais secundário.

G. – Qual é a relevância do forró na divulgação da cultura brasileira em Portugal?

E. M. – Os jovens portugueses estão cada vez mais ligados ao estilo funk, é um facto. Mas o forró e o samba cresceram muito em Portugal, principalmente em Lisboa. É um género de dança que atrai várias faixas etárias, desde os mais novos aos mais velhos. Eu acho que o forró e o samba têm total responsabilidade na difusão da cultura brasileira em Portugal. Principalmente em Portugal! Existe uma grande ligação entre os dois países. O festival que organizamos é, sem dúvida, o maior evento de forró que se realiza na Europa. E não é pelo número de pessoas que estão presentes, mas sim pela diversidade cultural que existe e pelas várias vertentes que apresentamos. Por exemplo, desde 2012 que organizamos um pequeno baile que se chama “Forró da Liberdade” e que decorre na Avenida da Liberdade, todos os domingos. Aparecem centenas de pessoas que, ao verem a festa, decidem juntar-se. Eu sou mesmo apaixonado pelo forró, dediquei-me a esta dança e investiguei muito sobre ela. Quis trazer um bocadinho dessa paixão para Portugal. Nunca foi um negócio. O dinheiro foi apenas consequência de uma coisa bem feita.

Imagem da cortesia de Enrique Matos

G. – O que irá distinguir a edição do festival deste ano? Que momentos destacas na programação?

E. M. – Nos dias 9 e 10 de dezembro, vamos promover duas noites de baile na Voz do Operário. Também no dia 10, sábado, vamos realizar um concerto instrumental que vai incluir músicos de Lisboa. Tenho a certeza de que vai ser um momento muito bonito com o som dos clarinetes, dos violinos, do violão. Também vamos inaugurar uma sala no Mercado da Ribeira, no domingo, onde vai decorrer um concerto de forró magnético com música muito regional. Nesse dia vão estar presentes músicos que tocam pífaro, viola de dez cordas e rabeca [instrumento semelhante ao violino]. As aulas serão no Lisboa Ginásio Clube, como já é habitual há cincos anos, das 13h00 às 17h00. Mais tarde, as pessoas podem vir ao “Baião das Cinco”, o baile da tarde. Todos os momentos serão especiais, mas admito que estou mais ansioso pela palestra que a Dominique vai apresentar. Esse sim, vai ser um grande momento. Estamos a falar de uma jornalista que conhece pessoalmente a maioria dos grandes cantores da música popular brasileira, logo, de certeza que terá muito para contar.

G. – Qual é a importância do Baião in Lisboa Festival no contexto europeu e num país como Portugal, que recebe tantos migrantes brasileiros?

E. M. – Vamos pensar numa pessoa brasileira, emigrante, que está há anos longe de casa e que, de repente, se depara com um baile de forró na Avenida da Liberdade. Com certeza que se vai emocionar. Não imaginas a quantidade de pessoas que já se emocionaram nos nossos bailes por encontrarem um pouco do Brasil em Portugal. Relativamente à Europa, como referi há pouco, acredito que o forró se esteja a espalhar cada vez mais. Já posso apontar mais de 70 encontros, maratonas ou festivais de forró que aconteceram durante todo o ano na Europa. É impressionante! E Portugal é o berço do forró na Europa, sem sombra de dúvida. Ninguém sabe, mas é.

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