As artes sempre foram uma certeza para Dany. Em videochamada com o Gerador, recorda com afeto as aulas de pintura que frequentava após a escola, quando tinha apenas oito anos. “Desde novo, sinto uma necessidade de criar”, afirma. À liberdade de explorar a veia artística, no entanto, sobrepôs-se a pressão social de seguir uma profissão “convencional e considerada mais segura”. Escolheu a área de Humanidades no secundário e chegou a estudar Jornalismo, na tentativa de seguir o caminho desejado pelos outros. Depois de achar que o teatro era a sua grande paixão, percebeu que havia mais a descobrir.
Hoje, com 23 anos, vive em Viseu e é estudante de Artes Plásticas e Multimédia, na Escola Superior de Educação de Viseu. Apesar de já ter concluído o seu projeto final, cujo resultado foi premiado na MNJC, Dany continua, deliberadamente, a frequentar disciplinas da licenciatura, uma vez que considera ser um curso muito variado e deseja aprender tudo a fundo. Aprender e explorar são mesmo as palavras de ordem do jovem artista, que ainda não se quer limitar criativamente, mas tem a certeza de que deseja integrar-se no círculo dos artistas emergentes e investir o prémio de mil euros em novos ensinamentos.
Gerador (G.) – Depois de passares por diferentes áreas de estudo, sentes-te livre nas artes plásticas?
Dany Marques Fereira (D. M. F.) – Fico constantemente surpreendido comigo mesmo por mostrar interesse em determinadas áreas. Entrei no curso a pensar, com relação a multimédia, que não sou muito de tecnologia, mas acabei por começar a adorar design, fotografia e desenhar em formato digital. Não há nada que substitua mexer em materiais [físicos] e há muitos que ainda quero descobrir e misturar. Não quero decidir isso [uma área específica] já. Estou numa fase em que, mesmo que acabe licenciatura e mesmo que comece a trabalhar, quero continuar disponível e sem restrições.
G. – A pressão que sentiste para seguir uma carreira “mais segura” tem influência no teu trabalho atual?
D. M. – Sim. Se pensarmos num caminho convencional, espera-se que se acabe a licenciatura e já seja possível começar a trabalhar. No caso de quem estuda artes, uma licenciatura não quer dizer nada, depende muito. Se nós queremos ser criadores, pessoas formadas a nível cultural, capazes de produzir obras originais e artistas que se destaquem, não será em três anos. É preciso haver muito trabalho e espaço para experimentar. Portanto, não me sinto tão à vontade devido à pressão de ter de começar a trabalhar e ganhar dinheiro.
G. – Nesse sentido, como é ser um jovem artista fora dos grandes centros urbanos?
D. M. F. – Gostaria de ir viver para o Porto, por exemplo, mas, neste momento, como estou numa fase experimental, prefiro ficar no meu espaço. Acho que foi isso que me levou a ganhar o prémio que ganhei. O tempo que me dediquei conseguiu levar-me a algum lado e, portanto, também me levará a outros sítios.
G. – Como foi o processo de candidatura à MNJC? Já conhecias o concurso?
D. M. F. – Não conhecia. Antes de eu ir para jornalismo, estava a estudar teatro e candidatei-me num concurso de ilustração. Aí, comecei a perceber que havia muitos concursos que me podiam ajudar a lançar enquanto artista. Nos últimos três anos, não tenho parado de procurar concursos e iniciativas do género.
G. – É um incentivo para a tua produção?
D. M. F. – Exatamente. Sinto muito uma pressão para definir-me enquanto artista e os concursos acabam por limitar [o processo criativo]. É positivo, porque me ajuda a focar e, neste momento, estou a ter destaque a nível da arte digital – o que não significa que me queira focar só nisso. A oportunidade de me dar a conhecer também é incrível e o prémio monetário permite-me fazer o que eu quero, que é estudar e tirar cursos sem ter de estar a pedir outra vez aos meus pais. Quero muito continuar a aprender coisas.
G. – Como te sentiste durante o processo de candidatura e, depois, de seleção e premiação?
D. M. F. – Candidatei-me com o meu projeto de final de curso, porque estive meses a trabalhar nele e seria uma pena deixá-lo de lado. Quando fui selecionado, tinha a certeza de que não ia ganhar, mas fiquei contente de ter o meu trabalho exposto. Foi uma surpresa, porque arte digital é um meio em que eu ainda estou muito verde.
G. – Conta-nos um pouco sobre a obra que submeteste. Quando a criaste?
D. M. F. – A obra é do início deste ano. Ela esteve exposta durante um mês em junho, quando a turma teve a oportunidade de expor o trabalho em Viseu. Infelizmente, a cidade não dá o destaque devido aos seus museus. É pena, porque a Quinta da Cruz, por exemplo, é um espaço considerado como o museu de arte contemporânea daqui e a maioria das pessoas nem sequer o conhece, então [a obra] não teve o impacto que podia ter tido.
G. – O que tinhas em mente quando idealizaste a peça Plasticine?
D. M. F. – Trabalhei o tema da biodiversidade. Quando criança, tinha um carinho muito especial pelos animais e, atualmente, por toda a diversidade de espécies de plantas. Queria fazer um trabalho que tivesse impacto. Como era meu o primeiro projeto, eu sabia que tinha de sair de mim, mas nunca tive essa necessidade de fazer algo sobre mim. Decidi fazer algo que tinha importância para mim e que considero importante para toda a gente, independentemente de gostos, porque precisamos da biodiversidade. Cada ser necessita do outro, portanto, se nós perdermos uma espécie, isso influencia a todos. Se a preocupação não for, em primeiro lugar, as outras, que seja por nós. Para representar isso, queria um resultado realista e chamar a atenção com a estética.
G. – Segundo a sinopse, retratas uma realidade futurista. Podes detalhar a narrativa por detrás da tua criação?
D. M. F. – Simulo um museu de espécies artificiais. Concebi uma realidade em que o planeta já foi completamente sobrecarregado pelas alterações climáticas, o ser humano está extinto e as espécies que apresento só sobreviveram porque estão completamente alteradas a nível genético e preparadas para estar em ambientes com temperaturas muito elevadas ou radiações. Elas são uma mistura de natural com artificial e é aqui que eu chamo a atenção para a importância da preservação, porque, neste momento, podemos dar como garantido aquilo que temos, mas mais tarde podemos olhar à nossa volta e sentir falta de algo que não foi construído por nós.
No entanto, ao longo do processo, não me quis limitar a uma perspetiva trágica. Se tiverem de ser espécies alteradas geneticamente, que sejam atrativas. Tentei criar espécies bonitas, ainda que sem nenhuma função – elas limitam-se a sobreviver num planeta que já não gera vida, já não se irão reproduzir e, a determinada altura, entrarão em extinção também. Criei ainda uma imagem 360, em que o objetivo é a pessoa conseguir estar imersa naquilo. Há um vídeo disponível no Youtube, mas não é a mesma coisa do que com óculos de realidade virtual.
G. – Como caracterizas o teu processo criativo? Também é algo que ainda estás a explorar?
D. M. F. – Tento utilizar aquilo que os meus professores nos ensinaram, que é começar por uma ideia geral e ir fazendo esquemas, apontando tudo aquilo que nos vai surgindo. Não sei se isso é bom, pode resultar ou não, mas, muitas vezes, antes de começar a pensar ponto a ponto, começo logo com prática, a experimentar e a ver o que é que o meu computador consegue suportar, no caso da arte digital. Portanto, varia muito.
Com a Plasticine, eu tive medo do meu computador não conseguir suportar, mas felizmente conseguiu. Também utilizei uma aplicação no tablet para modelar em 3D, na qual uso uma caneta e é como se estivesse a esculpir barro. Também pensei, inspirado no trabalho de outros artistas aqui de Viseu, em fazer esculturas e inserir num ambiente real, numa floresta, e fotografar. Mas porque não tentar isso mais tarde?
G. – Além da biodiversidade, que outros temas gostavas de trabalhar?
D. M. F. – Para além de estar a experimentar técnicas e materiais, estou a tentar sair um bocado do meu espaço e conhecer coisas – viajar, criar mais o hábito de leitura, etc. O cinema é uma área de que gosto muito, porque nos estimula bastante visualmente e a nível de história, então também tenho tentado ver muitos filmes e ler, para conseguir ter conteúdo que realmente me interesse – não quero trabalhar num tema só porque é atual e pode ser relevante. Também não significa que sempre tem de haver um tema gigante por trás ou um conceito. Eu sinto mesmo necessidade de fazer coisas. Gosto muito de trabalhar com as mãos e adoro o processo de alterar as coisas a meio, ver e partilhar o resultado. Não me quero limitar a nada. É incrível, hoje em dia, os artistas não terem de se limitar, porque, antigamente, eram fotógrafos ou pintores, etc. Agora somos muitos artistas multimédia e isso é muito fixe.
G. – Já agora, que artistas te inspiram?
D. M. F. – Estou constantemente à procura e às vezes nem são artistas que são conhecidos, mas jovens, como eu. Recentemente, fui a um museu para ver o trabalho de um artista e havia a exposição do Sam Szafran, que eu achei incrível. Ele utiliza pastel de óleo e aguarela – fiquei impressionado.
G. – Por isso tens vontade de estar mais presente nesses espaços ocupados por jovens criadores?
D. M. F. – Sim, é positivo. Gostava de conhecer pessoas que me ensinassem coisas e com quem pudesse ter conversas para abrir mais a minha cabeça. Já que isso vai estar escrito, chamem-me para falar sobre coisas interessantes! Eu quero aprender (risos)!
G. – Que lições já podes tirar desse início de carreira?
D. M. F. – Primeiro, que temos de nos manter humildes e não achar que já sabemos tudo. Mesmo com este prémio, se daqui a um tempo eu não continuar a trabalhar, não chegarei a lado nenhum. Quero que a arte seja cada vez mais valorizada, porque a verdade é que as pessoas podem gostar muito de ver, mas não acham que vale a pena investir. Gostava que percebessem que consomem arte no dia a dia - o design, as embalagens de cereais, os móveis de casa, a disposição de um jardim, tudo é arte. Acho que nós já damos esse valor, porque sentimos falta quando não existe esse cuidado, mas não investimos tanto como noutras áreas, como o futebol, por exemplo.
G. – Por fim, que grandes sonhos queres realizar?
D. M. F. – Gostava muito de poder trabalhar só com arte, de poder estar presente numa equipa e contribuir com as minhas ideias – adoro criar conceitos – e que o meu trabalho enquanto artista independente pudesse vir a ser exposto. Neste momento, vou aproveitar o prémio para tirar cursos – quero começar a crescer como artista e não parar.