Alexandra Monteiro, presidente da direção, Jéssica Andrade, tesoureira, e Mariana Nogueira, presidente da mesa da Assembleia, são três dos seis membros fundadores da Guarda a Terra. Hoje contam com mais 10 associados voluntários, amigos de amigos que se juntaram à causa, e procuram, entre outros objetivos, promover práticas sustentáveis, impulsionar a cultura da região e combater o abandono das suas aldeias.
Depois de uma caminhada pelo concelho da Guarda no Dia Mundial do Ambiente (5 de junho), a associação organizou, entre agosto e dezembro, uma atividade voltada para a música, uma recolha de beatas de cigarro com as escolas secundárias e uma oficina de cogumelos, que reuniu, conta-nos Jéssica, uma maioria de participantes do Norte e do Litoral do país. Sendo a promoção do empreendedorismo e do movimento artístico jovem uma prioridade, o mais recente evento contou ainda com uma open call para a cobertura fotográfica.
Em videochamada com o Gerador, as integrantes, que se viram forçadas a trabalhar fora da Guarda, mas dedicam o seu tempo livre à cidade, ressaltam que desejam criar uma rede de associativismo a nível local, nacional e internacional e trazer mais jovens ou famílias que queiram viver no Interior – a solução para, um dia, realizarem o desejo de retornar à casa.
Gerador (G.) – Como surgiu a ideia de fundar a Guarda a Terra?
Alexandra Monteiro (A. M.) – A ideia surgiu entre um grupo de amigos. Na pandemia, encontrávamo-nos ao ar livre e deparávamo-nos com o completo desrespeito de quem passava naqueles locais e deixava aquilo completamente sujo. Começámos a apanhar o lixo desses sítios, a pensar porque é que não eram realizados encontros de voluntariado para essas recolhas e de que forma é que nós poderíamos contribuir [com a causa]. Ao pensarmos na problemática ambiental, chegámos à questão da falta de oportunidades e no facto de os jovens não terem como intervir e exercer o seu dever e direito cívico [na Guarda]. Pensámos em outras coisas que podíamos fazer, nomeadamente na cultura, nas artes e na valorização do Interior, para criar algo novo para a cidade.
G. – Como se estruturam?
Mariana Nogueira (M. N.) – Dividimo-nos consoante a área que mais gostamos.
A. M. – Os nossos órgãos sociais estão de acordo com as nossas áreas de intervenção. Temos o departamento Cultural e Recreativo; o de Multimédia, que faz a gestão de tudo o que é conteúdo de imagem; o de Marketing, para realizar as comunicações de parcerias; o de Voluntariado e Intercâmbios, porque ambicionamos fazer voluntariados em Erasmus+, ou seja, a nível internacional; e o da Ação Social.
G. – Antes da vossa, havia outras associações juvenis na cidade?
A. M. – O número é muito limitado, mas, em contexto de pandemia, houve mais grupos a ter ideias relativas à inovação da cidade e ao empreendedorismo dos jovens da Guarda. Temos conhecimento de duas que foram constituídas em 2020 e pretendemos, no futuro, organizar alguma coisa com elas e criar uma rede de associativismo, a começar pelo nosso berço.
G. – Qual seria, então, o vosso diferencial?
Jéssica Andrade (J. A.) – Não estamos focados numa só temática. De uma forma muito intuitiva, preenchemos o que falta e, conforme a nossa possibilidade, damos um pouco de brilho à nossa cidade. Ao longo dos anos, queremos tentar tocar em todas as vertentes, como a ambiental, o voluntariado, apoio animal, etc., porque estamos a atuar nas necessidades da comunidade, que são várias e multifacetadas.
A. M. – Para isso, precisamos de incidir em jovens, mas também em adultos – outra coisa que nos diferencia das outras associações. Apesar de sermos uma associação juvenil, para conseguirmos estimular a participação ativa, temos de incidir em todas as faixas etárias e grupos.
G. – Definem-se como um grupo de jovens guardenses que “compreendem e valorizam o património da região”. Sentem que o património local está em risco?
M. N. – A valorização, se calhar. A Guarda está esquecida, tal como tantas outras aldeias que fazem parte do distrito. A valorização do que era a cidade e o que é, hoje em dia, é bastante diferente. Antes, as pessoas pensavam mais em vir e hoje pensam mais em ir-se embora.
A. M. – Sim, [o valor] está-se a perder um bocadinho. Tal como nós, há muitos jovens que tiveram de sair da Guarda para entrar no mundo profissional e, portanto, muitos esquecem completamente a ideia de voltar. Partilhamos a vontade de um dia voltar à nossa cidade, mas, para isso, precisamos que ela esteja capacitada para acolher os jovens e as suas necessidades. É este o problema que agora temos, não só na aqui, mas no Interior.
G. – Tendo isso em conta, qual o impacto, na vossa opinião, de trabalhos como o vosso?
J. A. – Eu acho que nós somos a problemática, mas, ao mesmo tempo, somos a resposta, porque sabemos o que está em falta. Ao irmos para fora, estamos a dificultar a vida a quem representa o Interior, mas sabemos o que há no exterior e o que não há na Guarda. Lembramos o potencial que existe aqui e, vindos de fora, de outros países, através de Erasmus, estudos académicos ou trabalho, conseguimos trazer outras visões e atividades que não se encontram na nossa cidade.
G. – Já promoveram vários eventos, considerando que a associação ainda não completou um ano de fundação. A primeira atividade, Caminhar Pela Terra, contou com oito patrocinadores. Como decorreu a estreia?
J. A. – Foi o [evento] que mais marcou, foi muito bonito. Estávamos a perceber se íamos num bom caminho e preocupados se as entidades iam acreditar na nossa palavra, mas ficámos muito feliz porque a câmara e os negócios locais confiaram em nós, apesar de não termos praticamente substância. Tivemos cerca de 57 participantes, que nos deram motivação de continuar, mostraram que a nossa palavra realmente tem valor e que a Guarda tem potencial para desenvolver.
G. – Por norma, como planeiam um evento da Guarda a Terra? Atualmente, têm parcerias estabelecidas?
A. M. – Não. Tentamos variar um pouco nas parcerias, para conseguir divulgar o máximo de entidades possível. Agora já vamos com outra bagagem quando organizamos um evento e conseguimos programar melhor as coisas – estamos a aprender durante o processo. Basicamente, vemos o principal objetivo, a principal problemática [a abordar], escrevemos o projeto e pensamos no que precisamos. No caso da primeira atividade, vimos que havia a necessidade de oferecer um lanche aos participantes, então a maior parte dos patrocínios que angariámos foi com isso em mente. Também tivemos a sorte de ter, desde a constituição da associação, a Junta de Freguesia da Guarda ao nosso lado, que nos apoiou na logística desse evento e continua a ser parceira da Guarda a Terra.
G. – Nessa aprendizagem, defrontaram-se com algum desafio específico para dinamização do Interior? Que avaliação fazem desses meses de trabalho, no geral?
A. M. – Um ponto positivo do Interior é que as pessoas são muito unidas e apoiam-se umas às outras. Esta boa ligação é o pilar. [Entre os membros,] cada um vai dando o seu contributo conforme pode. Sabemos que nem sempre uma pessoa pode, mas se dá um bocadinho e outra pessoa dá outro bocadinho para conseguirmos construir as coisas. Estamos a reparar numa evolução positiva a nível da organização.
J. A. – A única coisa que nos impede de trabalhar mais é não existir teletransporte (risos). Tenho a certeza de que, se todos membros estivessem todos os dias na Guarda e no terreno, conseguíamos promover o dobro do produzimos. É isso que nos deixa um pouco tristes, mas também dá mais vontade de fazer o máximo de atividades que estiverem ao nosso alcance.
G. – De que forma as pessoas vos podem apoiar? Estão abertos para mais colaboradores, por exemplo?
J. A. – Nós estamos muito interessados em ter mais colaboradores e o objetivo da associação é crescer e ter mais apoiantes, não só do que fazemos, mas daquilo que aplicamos, que é a cidadania e dar valor ao que temos. Como ainda estamos nos primeiros meses, queremos criar um pilar bem estruturado antes de abrir as portas. Enquanto isso, as pessoas podem ajudar através da participação nos eventos e da divulgação.
A. M. – Mas estamos positivos de que este será o ano para abrimos as portas para novos associados.
G. – Será preciso ser natural da Guarda para entrar na equipa?
A. M. – Não, mas, para dar continuidade ao foco principal, que é manter os jovens na cidade, gostaríamos de tentar que a maioria dos membros com cargo num órgão social sejam residentes que tenham interesse em manter as tradições de cá.
G. – Em setembro de 2022, cinco meses após a vossa fundação, receberam o prémio #CidadaniaJovem. Contem-nos mais sobre esse momento.
J. A. – Vi a oportunidade através da associação Mais Cidadania e pensei que, apesar de só termos uma atividade e estarmos ainda no começo, importava mais o que pretendíamos fazer e os nossos valores morais. Sugeri a ideia [da candidatura] aos restantes membros, e eles concordaram que valia [a pena] tentar. Explicámos o nosso processo até à ideia da Guarda a Terra e como as pessoas que se juntaram a nós contribuíram para a fundação. Submetemos sem grande expectativa, porque sabemos que há muitas associações com mais atividades e não estávamos nada à espera de ter uma resposta positiva do concurso.
A. M. – Eu admito que fui muito cética (risos), mas é esta positividade entre os membros que realmente faz com que as coisas andem para frente.
J. A. – Foi muito bom, porque nos deu esperança e vontade de continuar sem nos deixar ir abaixo com os problemas iniciais de burocracia, papelada, angariação, patrocinadores, etc.
G. – O que mais podemos esperar da Guarda a Terra em 2023?
J. A. – Se tudo correr bem, teremos cerca de oito atividades para lançar à comunidade até dezembro.
A. M. – Todas inseridas em diferentes áreas.
*Esta entrevista foi inicialmente publicada a 2 de fevereiro de 2023.