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Ana Queirós: “Conservação marinha não é só um desafio ambiental, mas também social e económico”

Bióloga e ecologista especialista em alterações climáticas, Ana Queirós garante que ainda tem esperança de que é possível escolher um futuro diferente para o planeta. Mas não há tempo a perder, diz, apelando à proteção dos oceanos e das áreas mais resilientes às mudanças do clima, mas também à rápida descarbonização da economia.

Texto de Isabel Patrício

Fotografia de geoff trodd via Unsplash

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Gerir o espaço marinho não é tarefa fácil, já que exige um equilíbrio entre os objetivos ambientais, económicos, sociais e políticos, mas é fundamental na luta contra as alterações climáticas. Quem o diz é Ana Queirós, bióloga e ecologista portuguesa, que é reconhecida internacionalmente como especialista em carbono azul e cuja investigação nesse domínio foi recentemente premiada.

Em entrevista por escrito, a investigadora, que hoje trabalha no Plymouth Marine Laboratory, em Inglaterra, explica que importância podem ter os oceanos na retenção de dióxido de carbono (CO2), mas também deixa alertas. Por exemplo, avisa que uma parte considerável das áreas oceânicas protegidas não o são efetivamente, sendo urgente agir nesse sentido.

Gerador (G.) – Licenciou-se em Biologia pela Faculdade de Ciência de Lisboa, mas acabou por tirar um doutoramento no País de Gales. Quando é que o tema das alterações climáticas entrou na sua vida?

Ana Queirós (A. Q.) – Cresci em Lisboa e o interesse pelo mar foi uma constante. Desde cedo, as alterações climáticas tornaram-se também um foco de interesse. Lembro-me de receber um livro como prenda do meu pai, durante a minha adolescência, no qual eram descritas 100 maneiras como as nossas ações individuais contribuem para a proteção do ambiente. Perceber, ainda em adolescente, que as nossas ações têm valor coletivo rumo à sustentabilidade despertou em mim a paixão de aplicar a ciência com esse objetivo. Hoje, e nos últimos dez anos, tem sido esse o foco da minha investigação.

G. – Hoje trabalha no Plymouth Marine Laboratory e debruça-se especificamente sobre gestão dos habitats oceânicos através da compreensão da capacidade do carbono azul. Antes de mais, para quem não está familiarizado com o conceito, o que está em causa quando se fala de carbono azul?

A. Q. A mitigação das alterações climáticas passa pela redução das emissões [poluentes], cuja maior causa é o nosso estilo de vida industrial. Logo, a descarbonização da economia é o maior passo que podemos dar nesse sentido, mas temos também de procurar maneiras de gerir o meio ambiente, de modo a acelerar a redução das emissões. Na última década, houve um crescente interesse no carbono azul, termo que se refere aos reservatórios de carbono no oceano. O oceano absorve cerca de 30 % do CO2 que emitimos para a atmosfera. É o maior reservatório de carbono do planeta. Aumentar os reservatórios de carbono azul passa pela tarefa complexa de aumentar o fluxo de CO2 entre a atmosfera e o oceano. Essas trocas dão-se em toda a superfície do oceano, mas em determinados habitats o fluxo da atmosfera para o oceano é particularmente elevado, isto é, nos chamados habitats de carbono azul. Nestes habitats, o carbono fica fixado na biomassa viva das plantas e é, eventualmente, transferido para os sedimentos, onde pode permanecer a longo prazo (mais de 100 anos). A conservação destes habitats é essencial. O sedimento lodoso do fundo do mar é um dos maiores reservatórios de carbono do planeta. Proteger estes reservatórios de atividades extrativas é fundamental. Mais recentemente, começamos a perceber que outros habitats são também importantes, mas as estratégias para a conservação do seu carbono estão ainda em desenvolvimento. 

G. – Temos hoje a nível político uma consciência suficientemente forte relativamente ao potencial dos oceanos enquanto sumidouros de carbono? Ou ainda há muito desconhecimento nesta área?

A. Q. O reconhecimento do valor de habitats de carbono azul, como sapais, ervas marinhas e mangais, está relativamente bem estabelecido. No entanto, a implementação de práticas de gestão ambiental para a sua conservação nem sempre é assumida como prioridade. A gestão de espaço marinho é complexa, requerendo um equilíbrio entre objetivos ambientais, económicos, sociais e políticos. Portanto, diria que, muitas vezes, não é necessariamente a falta de conhecimento que nos impede [de fazer essa gestão], mas a escolha de prioridades diferentes.

G. – O que falta para termos uma consciência mais forte ao nível do potencial dos oceanos, assumindo a sua proteção como prioridade?

A. Q. É preciso trabalhar mais na tradução do conhecimento sobre o mundo natural para [uma linguagem que] aqueles que não são versados em ciência compreendam. Por exemplo, converter o que ganhamos em carbono azul quando protegemos um habitat de ervas marinhas [para o impacto na] economia local. E há também um trabalho transdisciplinar que ainda é preciso fazer.

G. – Sei que publicou recentemente uma investigação que destaca precisamente a necessidade de conservação conjunta de algas marinhas e habitats sedimentares. Consegue explicar-nos as principais conclusões dessa investigação?

A. Q. – As algas têm grande valor em termos de absorção de CO2, mas, assim como muitas árvores terrestres no outono, perdem grande parte da biomassa rica em carbono durante o ciclo das estações. Desta forma, a maior parte do carbono absorvido pelas algas durante o ano não fica onde as algas crescem, sendo transportado para o oceano aberto. Eventualmente, parte desse material chega ao fundo do mar, onde pode ficar sequestrado a longo prazo. Uma das grandes questões da ecologia moderna tem passado, por isso, pelo desenvolvimento de técnicas que nos permitam identificar as zonas do fundo do mar onde esse material se acumula e pode ser sequestrado. Passamos os últimos sete anos a desenvolver métodos para seguir o carbono, da alga ao fundo do mar. [O trabalho] publicado recentemente demonstrou [esses percursos] e isso vai permitir desenhar áreas protegidas.

G. – A propósito de áreas protegidas, que avaliação faz dos esforços que têm sido feitos, a nível global, para a conservação e proteção dos oceanos?

A. Q. – O esforço de conservação tem aumentado. No entanto, [reforçar esse trabalho] é difícil. Por um lado, aumentar a proteção dos oceanos implica deslocar e, muitas vezes, limitar as ações daqueles cuja atividade económica depende da extração marinha, e há casos em que estamos a falar de atividades de subsistência levadas a cabo por algumas das comunidades mais vulneráveis do mundo. Nesses casos, os recursos marinhos são a fonte principal de rendimento e de segurança alimentar. A conservação marinha não é só um desafio ambiental, mas também um desafio social e económico. Por outro lado, muitas vezes, as áreas protegidas não são propriamente protegidas. Ou seja, não há uma redução das atividades extrativas. Ainda que cerca de 9 % do oceano esteja protegido, menos de 3 % é, na verdade, protegido das atividades extrativas. Temos ainda um longo caminho a percorrer, mas penso que o interesse existe.

G. – E como é que podemos reforçar a capacidade dos ecossistemas oceânicos se adaptarem às alterações climáticas?

A. Q. Há bastante tempo que sabemos que as alterações climáticas não se desenvolvem ao mesmo ritmo em todo o lado. Há áreas que permanecem mais estáveis e são mais resilientes (são os refúgios climáticos), e outras que poderão mesmo mudar de maneira favorável (são os bright spots). Este tipo de análise baseada em modelação climática permite-nos determinar de que forma podemos [agir] para proteger refúgios climáticos e bright spots para espécies e habitats com valor de conservação. Isto vai permitir no futuro, esperamos nós, maximizar a capacidade de adaptação destes ecossistemas às alterações climáticas.

G. – Recebeu recentemente um prémio, o AXA IM Research Prize, que distinguiu a sua investigação por visar fornecer recomendações para estratégias de gestão dos oceanos que protejam a natureza ao mesmo tempo que são social e economicamente viáveis. Já disse que a conservação é um desafio multifacetado, mas é realmente possível combinar, com sucesso, todas essas dimensões?

A. Q. – É possível. A dificuldade é que, muitas vezes, a informação sobre essas três vertentes não é cruzada de forma adequada. Recentemente, tem sido usado, cada vez mais, o conceito de nature based solution, que se refere ao uso de métodos de gestão ambiental que favorecem os sistemas naturais (em particular, a sua biodiversidade) ao mesmo tempo que resolvem problemas sociais. Reconhecer o valor dos oceanos permite-nos fazer uma reinterpretação em que a conservação da natureza deixa de ser um objetivo oposto ao rendimento económico e ao desenvolvimento social. Temos apenas de usar os métodos adequados para apoiar esse diálogo.

G. – Mas que impacto têm tido, por exemplo, as crises recentes (a pandemia, primeiro, e a guerra, depois) na forma como olhamos para as alterações climáticas e as medidas que tomamos? Passaram para segundo plano?

A. Q. – Penso que não. Por um lado, a pandemia permitiu-nos fazer uma reavaliação da nossa relação com a natureza. Vários estudos demonstraram como a ligação com o meio ambiente permitiu melhorar a nossa saúde, incluindo a saúde mental durante a pandemia. A desaceleração económica que sofremos durante a pandemia também permitiu reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Isto dá-me esperança de que é possível fazer essa transição [verde]. Outra coisa que vimos como efeito da guerra na Ucrânia foi uma alteração acelerada do portfólio de energia em países como a Alemanha, que rapidamente reduziu o uso de gás natural da Rússia e substituiu-o em grande parte por energia renovável. Esse facto também me dá esperança de que ainda é possível escolher um caminho diferente para o nosso planeta. Mas não há tempo a perder.

G. – Falou em esperança. Olhando agora para o futuro, se pudesse escolher uma medida como prioridade máxima no que diz respeito aos oceanos, que medida destacaria?

A. Q. – Desenhar áreas protegidas que sejam resilientes às alterações climáticas, acelerar imediatamente a descarbonização global e parar o deep sea mining. São todas igualmente importantes e necessárias imediatamente.

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