Crescemos coletivamente todos sob a alçada de uma pergunta que nos acompanha e que, ao longo da vida, vai ganhando novos contornos. Primeiramente surge um “o que queres ser quando fores grande?” que, aliás, é prontamente respondido com uma ingenuidade característica da nossa infantilidade que enuncia uma profissão qualquer, à vontade dos 7 ventos. Conforme os anos passam, a pergunta altera-se e passa a ser algo como “qual é o teu projeto de futuro”, ou mesmo, “qual é o teu sonho?”. Aí, a resposta parece não ser tão fácil: há toda uma ansiedade que nos assola e parece que perdemos toda a capacidade de gerar uma frase com qualquer tipo de sentido ou significado para uma pergunta que tentamos sempre evitar.
Parece abrir-se um precedente de não-réplica nunca antes vista. Que nos tentam obrigar a herdar dos nossos antepassados a narrativa de que não há uma alternativa, não é novidade. Mas teremos o privilégio de poder desistir do ato de sonhar? Há quem nos acuse de falta de ambição, no entanto, como ter ambição quando crescemos em crise, vivemos em crise e só conseguimos imaginar crises?
Temos a nossa linha de imaginação de um potencial futuro completamente condicionada pelo passado que nos acorrentou. Mais facilmente imaginamos viver num universo, que noutras circunstâncias seria definido como um universo paralelo, onde tetos de cantinas caem do que num universo onde temos um Ensino Superior devidamente financiado e onde a propina se encontra abolida. É me mais fácil imaginar um futuro com uma paisagem da Serra da Estrela completamente minada do que imaginar um futuro onde a lógica extrativista do território não venceu a luta social.
A desistência profunda social deste ato acaba por ser um grito político sistémico. Vivemos num marasmo de não-respostas que acentuam o desespero de toda uma vivência sofrida por falta de soluções a desigualdades gritantes. É a desistência de imaginar outro mundo e de como podemos ultrapassar os bloqueios do nosso horizonte histórico.
Constatar que estamos a criar uma geração-sem-sonhos pode ser catastrófico e desanimador, como se isso fosse o fim da história. Mas afirmo que não o é. Porque quem não sonha, lá no fundo, quer sonhar. Porque acima de tudo quer vislumbrar um novo cenário onde uma em cada 10 pessoas portuguesas empregadas não seja pobre. Quer vislumbrar uma sociedade onde a habitação acessível não é uma tarefa impossível e é uma realidade. Quer que os rendimentos a nível mundial não sejam concentrados na mão de uma pequena elite, mas que o seu valor digno de trabalho seja devidamente remunerado. Quer acima de tudo que não haja nada que o impeça de ter um sonho e esses impedimentos são precisamente não conhecer uma conjuntura socioeconómica de estabilidade e felicidade, que não seja pautada por crises cíclicas.
Numa altura onde há quem responda à falta de um sonho unificador e de esperança com ódio e fragmentação social, temos que saber interpretar os anseios de quem quer sonhar e ter coragem de idealizar juntamente com essas pessoas um mundo novo. Não será a bufonaria ensurdecedora e destruidora da nossa democracia a fazer esse processo porque quem produz nevoeiro, nunca conseguirá trazer a primavera. Temos que idealizar uma vida justa e produzir a beleza tão única de uma vida boa, os nossos pontos de partida para a emancipação que coletivamente imaginamos.
Eduardo Galeano dizia-nos que no dia em que tivermos coragem de delirar, ninguém viverá para trabalhar mas todos trabalharemos para viver, que os economistas não chamarão mais de nível de vida o nível de consumo e nem chamaram a qualidade de vida a quantidade de coisas, fazendo a morte e o dinheiro perder os seus mágicos poderes e que nem por falecimento e nem por fortuna se tornará o canalha em virtuoso cavalheiro. Haverão por certo muitos mais pontos a acrescentar a essa idealização, e ainda bem que assim o é. Que não nos faltem pontos pras utopias de vida que queremos tornar uma realidade.
-Sobre Rodrigo Sousa-
Carinhosamente apelidado de serrano inquieto, apaixonado pelos vales da Beira Alta que o viram nascer e crescer. Do e para o interior, orgulhosamente educado pela escola pública. Neste momento a continuar a aventura pelas Beiras, desta vez na cidade de Coimbra onde estuda Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.