Agora é chegar a três dígitos
Esta revista, a quadragésima terceira que publicamos, tem algo de especial. Na verdade, todas são especiais, diz um dos progenitores orgulhoso. Mas esta chegou a um daqueles momentos em que a vaidade nos transborda. Apesar de esta edição ter sido lançada em março, é com ela que se festeja os 10 anos do Gerador, no dia 27 de maio de 2024.
Celebrar 10 anos de vida não é mais extraordinário do que comemorar 9 ou 11. É só um número certo. Nós, sociedade, temos tendência para números certos, para fugir aos ímpares, para enfatizar algarismos que acabam em zero. Gostamos das coisas arrumadas e de certa forma previsíveis. Dá-nos uma certa tranquilidade.
O Gerador tem tentado ser o contrário. Uma entidade desanrajada, disruptiva, adaptável. Que gosta de experimentar, de arriscar e de fazer pontes entre margens vertiginosas. Que valoriza o tempo quando a rapidez reina. Exalta a lentidão, porque dela necessitamos para escrutinar uma sociedade em transformação. Mas não deixamos de gostar de celebrar marcos. E a chegada a dois dígitos é mais do que um simples número certo.
Uma década disto é a convicção de que estamos a fazer algumas coisas bem. Continuamos a acreditar, desde o primeiro dia, que nos cabe a responsabilidade de abrir caminhos para que mais pessoas tenham acesso a jornalismo, cultura e educação de qualidade. Estamos iludidos sobre a importância destas três ferramentas para construirmos uma comunidade mais criativa, crítica e participativa. Não somos fãs do determinismo e confiamos na possibilidade das pessoas se reinventarem, para estarem mais preparadas para os desafios do futuro.
Nós próprios somos um símbolo dessa metamorfose. Fomos aprendendo a fazer jornalismo de forma mais consequente, reformulámos a nossa estrutura interna para dar mais tempo e espaço ao trabalho editorial, exploramos temas que outros órgãos de comunicação social têm dificuldade em abordar, pela pressão do instantâneo. Fomos aprendendo, também, com muitos parceiros, nacionais e internacionais, que nos ajudam a melhorar e, até, a encontrar novas formas de sustentabilidade financeira.
Talvez essa seja a única constante no nosso trabalho desde o dia em que nascemos. Hoje, como há 10 anos, temos de, continuamente, descobrir novos e intrincados formatos para financiarmos a nossa atividade. Infelizmente, temos a sensação de que cada vez é mais complexo. Há menos entidades, públicas e privadas, interessadas em apoiar jornalismo, cultura e educação. Por isso dependemos mais de ti, caro leitor.
Com esta revista iniciamos, também, uma nova fase. Passamos a centrar-nos essencialmente em grandes reportagens que demoram muitos meses a ser preparadas e que irão continuar no nosso site por outros meses a seguir. Estas investigações jornalísticas são profundas, detalhadas, amplas e, idealmente, consequentes, que possam contribuir para soluções. Serão poucas, mas boas, esperamos nós, sempre feitas por uma equipa multidisciplinar.
Arrancamos com um grande trabalho das jornalistas Flávia Brito e Sofia Craveiro sobre a pobreza em Portugal, maravilhosamente ilustrado pela Pri Ballarin e com a contribuição de mais 6 pessoas, entre edição, comunicação e digital. Este primeiro texto, de um conjunto de mais 5 que irão ser publicados nas próximas semanas no nosso site, explora a indefinição e variabilidade do conceito de pobreza, tornando difícil a procura de respostas efetivas.
A investigação que ocupa a capa vai, no entanto, para o trabalho feito pelas jornalistas Débora Cruz e Sofia Matos Silva sobre o abuso de poder no ensino superior, com igual contribuição de mais 7 pessoas. Há cerca de um ano, começámos a desenhar esta grande reportagem que se propõe aprofundar as razões deste problema estrutural que atinge estudantes, investigadores, docentes e quadros. Estaremos a preparar pessoas que se habituam a conviver com o abuso?
Destaco, também, as reportagens sobre as dificuldades da escola pública para integrar estudantes não nativos em português e a conclusão de que apenas 13 % dos sites da administração pública cumpre a lei em termos de acessibilidade web. Contamos, ainda, com a habitual qualidade opinativa dos nossos cronistas e três incríveis obras: uma gráfica, pela Marta Nunes, a fotográfica, da lente da Matilde Travassos, e a literária, do Roberto Saraiva.
Boas leituras geradoras!