Somos pessoas de esquerda (tomo a liberdade de assumir este plural que eventualmente incluirá a leitora). Descemos todos os anos a Avenida de cravo na mão e ficamos emocionadas ao rever as imagens de milhares e milhares nas ruas em tempos idos. Vemos os telejornais e franzimos o sobrolho irritadamente quando os jornalistas nos dizem que “a polícia foi obrigada a carregar nos manifestantes”. Organizamo-nos como podemos para melhorar o mundo na medida do tempo que nos resta entre as vidas precárias, as rendas a subir e a ansiedade que nos diz que é tudo culpa nossa. Talvez até levantemos a voz no almoço de família quando aqueles tios nos falam da grande substituição. Mas, de repente, e se fizéssemos uma brevíssima pausa nisto tudo e nos questionassemos: qual foi a última vez que tivemos esperança que isto tudo realmente fosse mudar? Não uma ideia de esperança difusa fundamentada em teorias políticas mas aquela que vem de um sítio dentro de nós que não sabemos localizar, que nos mareja os olhos de lágrimas e que nos faz gostar mais das pessoas à nossa volta.
Tenho uma teoria, infundada, é claro, que se propõe a responder a esta questão. Penso muitas vezes que todas nós (o plural das pessoas de esquerda, entenda-se, que querem deitar o capitalismo para o caixote do lixo da história) vivemos um momento em que sentimos essa esperança primária e absoluta a invadir-nos. Muitas vezes, ter-se-á seguido de uma desilusão. Não obstante, ficou em nós esse sabor cujo gosto nunca mais esquecemos e que garante que não largamos as nossas obstinadas ideias sobre o mundo. Eu posso começar: quando tinha 15 anos, julguei que a eleição do Syriza na Grécia significava que tudo ia mudar. Estava convencida que não haveria mais austeridade, pobreza, troika, direita e todas essas coisas. Enganei-me, é claro. Mas não me esqueço da pele de galinha, do entusiasmo, de um movimento frenético que senti dentro de mim. Vivemos na ânsia de nos sentirmos novamente assim: parte de uma comunidade que se estica além-fronteiras de milhões de pessoas que não aceitam mais uma meia vida, um quarto de vida ou vida nenhuma. Pessoas que querem uma vida inteira.
No dia 7 de julho, em França, uma coligação de esquerdas liderada pela França Insubmissa, venceu a segunda volta das eleições (sem maioria absoluta), empurrando a extrema-direita racista de Le Pen para terceiro lugar. Vimos os vídeos das multidões que festejam nas ruas, gritavam de alegria, dançavam pela noite. Ao mesmo tempo, com óbvia satisfação, vimos vídeos de fascistas zangados e frustrados, até em lágrimas. As possibilidades de um futuro governo de esquerda são ainda incertas e muito está por decidir. No entanto, nesta Europa do tempo dos monstros, como diria Gramsci, olhamos para esta França coberta de vermelho e vislumbramos um pouco desse mundo que tarda em nascer. Ponho-me a pensar. Terão sido estas eleições francesas o primeiro sabor de esperança para muitas de nós? O momento de que tantas guardarão o sabor para as apaziguar as derrotas mais amargas? Sem dúvida, na minha coleção de esperanças que nos fazem continuar, guardarei carinhosamente as imagens de uma França que se recusa à submissão.
Muitas vezes ouvimos que ser de esquerda é estar habituado a ser derrotado. Padecendo de um otimismo incurável, tendo a discordar. Às vezes avançamos desmesuradamente, outras somos obrigadas a recuos pesarosos. Na maior parte dos dias, parece que nada vai mudar mas, nestes dias especiais, lembramo-nos que somos muitas mais do que eles (utilizando a terceira pessoa do plural para designar os donos disto tudo). De acordo com o dizer popular, devíamos esperar sentadas pelo que queremos. Mas nós esperamos de pé. Absolutamente certas de que outro mundo está a caminho, mesmo que não o cheguemos a ver.