À medida que vou crescendo, Julho e Agosto vão-se tornando meses mais agridoces.
E não o são — como dantes — por o final das férias significar o início de um novo ano escolar com gramática e matemática e demais matérias que tendem a colocar os nervos de uma criança em franja.
Antes, o agridoce deve-se ao crescente número de amigos que decidem passar a fronteira portuguesa e vingar a vida num outro lugar; amigos que chegam com Julho e se vão com Agosto rumo a um desses países frios lá no longínquo norte da Europa. Como se lê nos jornais, destino predileto dos jovens emigrantes portugueses.
As razões para emigrar são várias e facilmente as encontramos num qualquer relatório universitário coberto de gráficos: melhores sistemas de ensino, melhores infraestruturas, melhores empregos, melhores salários, melhores perspectivas de carreira. Muitos “melhores” que, na balança, acabam por pesar mais que o bom tempo, a praia e a proximidade da família e amigos. Mas por mais predileto que o destino seja, a partida continua a ser custosa e muitas vezes, até, indesejada.
O final do verão vai assim ficando marcado por muitos abraços, festas de despedida e promessas de visitas, e os almoços entre amigos passam a lanches, os lanches a jantares, os jantares a dormidas, as dormidas a pequenos-almoços e os pequenos-almoços a almoços num ciclo repetido de quem não se quer nunca separar, na constante tentativa de nos tornarmos — no escasso tempo disponível, o máximo possível — adultos uns com os outros, mesmo que tal implique grandes “pulos” de uma só vez, como as crianças que durante o verão passam do número 9-10 para o 13-14 e a quem familiares distantes dizem Cresceste tanto! Estás tão grande!. No fundo, ao limitarmos o período de crescimento a Julho e Agosto, evitamos sermos nós a dizer tais frases uns aos outros.
Mas se há “pulos” que são inevitáveis, deixar Portugal parece estar a tornar-se um deles.
Com o quarto coberto de malas e caixas, uso Agosto para me juntar a esse grupo que faz de Portugal pouso para o natal, páscoa e meses de verão, e à medida que vou empacotando vou pensando nas relações das quais me desprendo e na vilanização que se faz dos jovens que partem, sabendo que para quem — como eu — as relações humanas são tudo, é brutal o exercício de escolher entre o eu (a carreira, a ambição) e o nós (os coletivos dos quais faço parte).
Ainda que tenha nascido com um coração andarilho, mais brutal ainda é pensar na vida fora como a única forma possível de emancipação e início da vida adulta. E digo-o ciente que o que mais me custa, no meio disto tudo, é pensar nestes meses como os últimos em que vivi com os meus pais e irmã. Saindo de Portugal, não me vejo a voltar. Aos vinte e dois anos, frente às opções, sou obrigada a admitir que cá me formar e cá trabalhar não faz mais sentido.
Para escapar ao fatalismo jovem do qual padeço, adiciono: “pelos menos por agora”.
Mentiria se dissesse que a ideia de viver fora não é entusiasmante e mentiria se dissesse que nunca a desejei ou planejei para mim — não pretendo passar pela figura de coitadinha.
O que aqui quero escrever é que, apesar das muitas notícias sobre a imensa vontade de emigrar dos jovens e o dinheiro desperdiçado, gasto pelo Estado na sua educação, e apesar também de em tais notícias a ida para o estrangeiro parecer ser algo relativamente “leve” (até, óbvio), não o é, e prova disso é que, com tantos amigos fora, não conheço um que não queira construir família, envelhecer, em Portugal. Tratamos Portugal como a terra prometida, a que um dia regressaremos.
Na espera por esse dia, hoje, com o quarto coberto de malas e caixas, penso assim nos amores que aqui deixo e nos amores que me permitem partir (quer porque me servem de rede de apoio onde quer que esteja quer porque financiam a partida) e desejo egoistamente que ninguém cresça durante a minha ausência, para que nos reencontremos no natal iguais ao que somos hoje e possamos ver-nos crescer durante as duas semanas em que cá estiver.
Com o coração andarilho, vou rumo à Escócia e de lá trarei notícias.