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MANIFEST: reimaginar memórias do passado para construir o futuro

A exposição reúne obras de 22 artistas de várias nacionalidades, que refletem múltiplas abordagens sobre o impacto cultural, social e político do colonialismo, convidando-nos a reconsiderar como as cicatrizes do passado permanecem presentes no tecido social contemporâneo.

Texto de Tiago Sigorelho

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A exposição MANIFEST: Afterimages and Perspectives of Colonial Enslavement, em exibição de 19 de setembro e 6 de outubro em Nantes, França, surge quando os debates sobre o colonialismo e os seus legados continuam a moldar a sociedade contemporânea. Num cenário político global marcado por tensões em torno do racismo sistémico, da desigualdade e da urgente descolonização das narrativas históricas, MANIFEST ocupa um lugar central na reflexão sobre a herança traumática do tráfico transatlântico de pessoas escravizadas, mostrando como esse passado ainda molda as nossas sociedades atuais.

A exposição não se limita a relembrar um passado sombrio, propõe, através da arte, novas perspetivas sobre essas memórias, usando tecnologia inovadora para criar uma experiência imersiva e multisensorial. Neste contexto, a exposição reúne obras de 22 artistas de várias nacionalidades, que refletem múltiplas abordagens sobre o impacto cultural, social e político do colonialismo, convidando-nos a reconsiderar como as cicatrizes do passado permanecem presentes no tecido social contemporâneo.

Artistas e parceiros do Projeto Manifest

Ao longo de dois anos, o projeto MANIFEST, co-financiado pelo programa Europa Criativa da União Europeia, resultou na criação de treze obras, todas elas abordando os legados culturais e sociais do tráfico de pessoas escravizadas. Através de residências artísticas na Hungria, Portugal e na Dinamarca, os artistas tiveram a oportunidade de explorar como a memória deste período histórico pode ser preservada e reinterpretada através da arte.

Atlas de Inês Costa e Thiago Liberdade investiga o passado colonial de Portugal, explora a construção da identidade portuguesa em torno dos mitos dos "descobrimentos"  através de uma abordagem crítica a  cinco símbolos associados a este período. Assim, o projeto propõe um diálogo entre o passado e o presente, desafiando as convenções normativas e opressivas que ainda moldam a identidade nacional.

Black Atlantic Space-Time, de Unity, é uma instalação audiovisual e infográfica que explora a herança rítmica da diáspora africana através da dança e da música. A obra sugere que os ritmos corporais transmitidos ao longo de gerações encapsulam um conhecimento ancestral que liga o passado, o presente e o futuro da identidade afrodiaspórica.

Explain me what you know, if it doesn’t bother you?, de Magalie Mobetie, é uma experiência de realidade virtual que convida o público a entrar num jardim simbólico, onde uma neta conta à avó histórias sobre o cultivo de plantas pelos escravizados nas Caraíbas. Esta obra intimista explora a herança cultural e agrícola, enfatizando a resiliência das práticas ancestrais.

Golden Nectar, de Daniela Jakrlova’ Riva, é uma instalação de realidade virtual que leva o público a um futuro distópico onde a natureza foi devastada pela exploração colonial. A obra reflete sobre a ligação entre a arquitetura colonial e as atuais crises ambientais, sugerindo que a subjugação da terra e das pessoas no passado continua a moldar os desafios ecológicos contemporâneos.

Kalunga XR, de Bianca Turner e Luanda Carneiro Jacoel, é uma instalação performativa imersiva inspirada nas simbologias de Kalunga, que está presente no cosmograma "Dikenga dia Kôngo" da África subsariana. Kalunga representa a membrana líquida horizontal da cruz dentro do cosmograma, o mar, funcionando como a fronteira entre o mundo dos vivos e o mundo onde as almas dos antepassados se encontram.Através de uma experiência audiovisual e corporal, as artistas aprofundam questões de ancestralidade e diáspora africana, criando uma ponte multissensorial entre o passado e o presente.

My Ray of Sunshine, de Laís Andrade, é uma instalação de vídeo e som onde uma mãe e filha, separadas pelo Atlântico, comunicam através de ondas sonoras. Utilizando o conceito de "espiral do tempo", a obra narra sobre as mensagens que uma mãe escravizada poderia ter enviado à sua filha, explorando a temporalidade não linear e o poder da voz para ultrapassar barreiras de tempo e espaço.

Sonic Boom, do coletivo The Acoustic Heritage, explora a conexão entre o som de um chicote e a exploração. Através de uma escultura sonora, o projeto destaca como o crescimento económico catalão no século XIX esteve diretamente ligado ao envolvimento da sua oligarquia no comércio transatlântico de pessoas escravizadas, sublinhando como o silêncio sobre este passado ainda persiste nos símbolos arquitetónicos que hoje são celebrados.

Sonjé, de David Gumbs, é uma experiência de realidade virtual que denuncia a contaminação ambiental das Índias Ocidentais Francesas pelo uso do inseticida clordecone. Através de uma imersão num futuro sombrio, onde as plantações de banana se transformaram irreversivelmente, Sonjé reflete sobre o impacto duradouro da poluição colonial e a luta pela justiça ambiental.

The Doors, de On A Slamé Sur La Lune, é uma instalação de realidade aumentada que convida o público a atravessar as "portas de não-retorno", um símbolo dos horrores da escravidão. O projeto questiona a desumanização e a criação da identidade negra como entidade fixa, incentivando uma reflexão profunda sobre o impacto histórico e social da escravidão nas nossas sociedades.

The Private Portrait, de Gombo, é um filme animado em realidade virtual que permite ao público interagir com retratos históricos de figuras afrodescendentes. Cada retrato conta a sua história pessoal, levando-nos a refletir sobre a representação de pessoas negras na história europeia e a importância da preservação dessas memórias.

The Words of Negroes, de Sylvaine Dampierre, combina vídeo, fotografia e som para criar uma instalação que reconecta o público à memória das populações escravizadas nas plantações de açúcar de Guadalupe. O trabalho baseia-se em arquivos históricos, aos quais trabalhadores de uma fábrica de açúcar dão voz, trazendo à tona os testemunhos esquecidos de pessoas escravizadas que depuseram em um julgamento contra o seu senhor.

The Words of Negroes, de Sylvaine Dampierre

Tyari Grani, de Stichting SKLNE, é uma instalação de realidade virtual subaquática que transporta o público para um mundo mágico e espiritual, onde as memórias ancestrais da diáspora africana são celebradas através de rituais cerimoniais de perdão e reconexão com os antepassados.

Unarmed Mariners: Port-lamento, de Alecia McKenzie, é um projeto multidisciplinar que inclui poesia, vídeo e pintura, refletindo sobre os portos envolvidos no tráfico de pessoas escravizadas. Através de poesia em várias línguas (inglês e português/francês), acompanhada por, McKenzie examina o papel simbólico dos "portos de escravos" e reinterpreta as viagens forçadas de milhões de africanos.

O projeto MANIFEST é resultado de uma colaboração transnacional entre cinco parceiros europeus de destaque. Entre eles estão o Gerador, trabalhando ao lado da Cumediae (Bélgica), Khora (Dinamarca), Pro Progressione (Hungria) e Les Anneaux de la Mémoire (França). Juntos, estes parceiros desenvolveram uma exposição que não só reflete sobre o passado, mas também explora como a arte pode ser um veículo poderoso para a mudança social, ajudando-nos a repensar as estruturas de poder e desigualdade que ainda persistem.

A relevância desta exposição vai além da memória histórica. Ela convoca-nos a olhar para o futuro, incentivando o diálogo intercultural e a resiliência social. Ao utilizar tecnologias como o vídeo e a realidade virtual, MANIFEST não só atrai um público mais jovem e diverso, mas também torna acessível a reflexão sobre o legado da escravidão e do colonialismo a comunidades marginalizadas, muitas vezes excluídas das atividades culturais tradicionais.

Num momento em que os grandes museus internacionais e encontros de arte, como a Bienal de Veneza, têm dedicado uma parte significativa da sua programação a uma agenda política relevante, a exposição MANIFEST surge como um exemplo de como a arte pode e deve intervir em debates essenciais sobre o colonialismo e as suas implicações na sociedade contemporânea. Através da inovação tecnológica e de narrativas desafiadoras, MANIFEST demonstra que os discursos sobre as memórias do colonialismo e a descolonização das instituições culturais não podem ser meramente periféricos. Precisam de ocupar um lugar central nas exposições e programações de arte pelo mundo, como um convite urgente para que se repensem  as formas como continuamos a contar, preservar e projetar o nosso futuro comum. 

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