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Ovar Expande: uma viagem da música ao cinema na 5.ª edição do festival

A música é apenas o ponto de partida de uma viagem maior, que passa por formações, conversas e masterclasses, e encontra no cinema mais um destino para expandir a arte ao público. Entre os dias 16 e 19 de outubro, o Festival Ovar Expande regressou em força com uma programação de 4 dias, onde as “artes e ofícios” continuam a expandir-se nas mais diversas facetas artísticas.

Texto de Redação

Laura Rui abriu o festival, no dia 17 de outubro, com temas dedicados ao feminismo e à mulher | ©AnaBarros

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Há um som tranquilo de uma ria e um passadiço até lá chegar. As luzes azuis cintilantes que adornam o edifício revelam que estamos de volta ao espaço que, nos últimos cinco anos, tem dado vida a um dos festivais mais promissores do distrito de Aveiro: o Festival Ovar Expande.

Nesta 5.ª edição, as portas da Escola de Artes e Ofícios, outrora uma antiga Fábrica de Papel, abrem mais cedo para um dia extra, inesperado e especial para os amantes do cinema. No palco, Tiago Alves, jornalista e programador do Shortcutz Ovar, modera uma Conversa Expande com o músico, autor e intérprete português, Miguel Araújo.

““Chama por Mim”, “Karma Kamikaze”, “Estou por Tudo”, “Talvez Se Eu Dançasse”, “Axl Rose” e “A Incrível História de Gabriel de Jesus”, são títulos de algumas canções emblemáticas de Miguel Araújo, cujas letras e histórias ganharam uma nova dimensão nos videoclipes. A Sala Galeria do edifício está ocupada, e lotada, por um público curioso que aproveita a presença do artista para fazer várias, e diversas, perguntas sobre a visão cinematográfica do cantautor. Em jeito de antevisão, a noite de quarta-feira, 16 de outubro, marcou o início de três dias de um festival memorável.

Ovar Expande(-se) ao mundo do cinema

É dia 17 de outubro, 18h30, estamos no primeiro dia do festival ovarense. Na Sala Expande, que agora se transforma em um ambiente imersivo, acontece uma conversa descontraída, conduzida pelo jornalista Joaquim Margarido, com o músico Mazgani e Bernardo Freire ao lado. A plateia mergulha no documentário "Estrada para Mazgani", do realizador Rui Pedro Tendinha, que relembra em 45 minutos, a primeira digressão internacional do artista, em 2012.

"Estamos rodeados de filmes. Naquela altura, tudo parecia cinema, bastava apontar a câmara e era uma roadmovie a acontecer em frente aos nossos olhos”, reflete Mazgani, revelando com saudades a energia do jovem músico do rock n’roll que era. “Tenho saudades de ser novo, com aquela energia, mas a estrada é para a frente, o caminho continua em frente”, disse.

“Estrada para Mazgani” foi um documentário que relatou a primeira digressão internacional do cantor| ©OvarExpande

De Espanha aos Países Baixos, encerrando no Teatro Aberto com um tremendo espetáculo em Lisboa, “Estrada para Mazgani”, dá-nos a conhecer o músico luso-iraniano e a “liberdade de quem faz aquilo que gosta”, independentemente de ter ou não uma câmara a captar. “É sobre escrever algo puro, direto e verdadeiro, essa é a verdadeira estética. Não é preciso manipular, apenas fazes o que tens de fazer”, reflete Mazgani, que confessou não ver o documentário há anos, sentindo que nada ali foi ensaiado. “Já estava escrito em 2012 que o que eu queria era ir para a frente fazer uma coisa não ensaiada, mas uma coisa que esteja a acontecer e seja real”, conclui o cantor.

É numa verdadeira viagem cinematográfica que o público é convidado a embarcar durante o festival Ovar Expande. Em entrevista ao Gerador, Alexandre Rosas, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Ovar, explica que a programação deste ano oferece ao espectador uma diversidade visual rica e envolvente. "A ligação entre música e cinema faz todo o sentido, porque nos permite essa viagem. Vamos passar pelas ilhas, pelo rock, por momentos de introspeção...", afirma. Alexandre Rosas destaca também o sucesso dos vídeos ShortCutz, que se tornaram uma atração mensal na cidade de Ovar, reunindo um público fiel. Além disso, os workshops, masterclasses e conversas ao vivo deste ano foram pensados para fortalecer essa relação entre a música e a narrativa cinematográfica.

A conversa Expande aconteceu ao mesmo tempo que o público visualizava o documentário | ©AnaBarros

Prestes a entrar nesta viagem com diversas facetas artísticas, está um avultado número de pessoas, que aguarda a abertura das portas da Sala Galeria. Com o primeiro dia completamente esgotado, a expectativa é palpável para ver Laura Rui, seguida por Mazgani. Entre os espectadores estão Ana, Filipa e Patrícia, três amigas, que vieram testemunhar ao vivo a voz marcante de Laura Rui. “A Laura é um dos grandes talentos de Ovar, com uma performance muito teatral, e é sempre uma experiência única ouvi-la”, comentam, em entrevista ao Gerador.

Um silêncio expectante envolve a sala enquanto as luzes se apagam. Pela primeira vez, Laura Rui não está sozinha. A acompanhar a sua poderosa voz está Sónia Sobral, no acordeão e Sofia Queiroz, que se destaca no contrabaixo. Juntas, criam uma sonoridade única e envolvente, com canções que fazem um forte tributo à mulher e ao feminismo. “Luísa sobe, sobe a calçada, sobe”, ecoa na sala enquanto Laura Rui canta em conjunto com o público. O espetáculo acaba com esse momento único de reflexão, onde a compositora homenageia o poema de António Gedeão, que reflete sobre as desigualdades de género nos anos 60.

“Pelo menos isso é o que eu pretendo, falar desta luta que, como mulheres, ainda temos. Obviamente que as coisas já não são tão más como, por exemplo, quando foi escrito o texto da Luísa, por um homem que conseguiu ter uma perspetiva tão feminista numa época de ditadura”, revela a artista, em entrevista ao Gerador, destacando que atualmente ainda “há muitas Luísas nesta luta”. “É nesta linha que componho as minhas letras: a mulher livre, sensual, com a sua vulnerabilidade e o seu à-vontade…”, refere.

Laura Rui atuou pela primeira vez em formato banda | ©AnaBarros

Da sala intimista passamos para a sala Expande, onde Mazgani e a sua banda preparam-se para dar um verdadeiro espetáculo de Rock n’Roll. Numa estreia inédita, o músico escolhe a língua materna e toca pela primeira vez o seu único álbum em português: “Cidade de Cinema”, com um cunho especial. “Este álbum surgiu por um telefonema do Pedro Gonçalves dos Dead Combo que me desafiou a cantar em português”, explica o artista, entre risos, dizendo que, na altura, pensou rapidamente que este álbum só poderia ser feito com o amigo. “Achei que se fizesse com ele não ia ser uma grande barraca. Infelizmente, não gravei o disco com ele porque o Pedro partiu, mas saiu, e ele acompanhou-me no processo”, comenta o compositor, em entrevista ao Gerador.

O público vive o concerto de pé, imerso no ritmo acelerado da bateria e na voz poderosa do cantor luso-iraniano. As letras portuguesas sobre amor e liberdade ecoam intensamente e proporcionam abraços entre o artista e a plateia. Mazgani fecha assim a primeira noite do festival Ovar Expande como se fosse a última, mostrando a todos os presentes a verdadeira essência do rock.

MAZGANI apresenta o novo álbum em português “Cidade de Cinema” | ©AnaBarros

“Um filme em tempo real: nos palcos”

É dia 18 de outubro, segundo dia do Ovar Expande, o relógio marca as 10h30. Na sala galeria começa mais uma experiência ligada ao universo cinematográfico, desta vez com um enfoque especial nos videoclipes. “Dou por mim a ver a vida em enquadramentos, como se fizesse um frame”, começa por dizer André Tentúgal, produtor e realizador português, antes de começar a primeira masterclass do festival sobre “A Música e o Cinema”. com participação gratuita.

O entusiasmo do realizador torna-se claro quando começa a revelar a origem da sua paixão pela imagem e pelo som, levando os participantes numa viagem pelo processo criativo de cada videoclipe. “No início, era tudo à Cowboy, fazia tudo sozinho. Via um cenário, usava-o e depois saia à socapa”, conta André Tentugal, entre risos, aconselhando os participantes a “pegarem em todas as ferramentas que estejam disponíveis”, entre elas pedirem a amigos para serem figurantes e usarem o youtube como um bom mestre de ajuda para a criação de vídeos. Depois de 2 horas e meia de partilha, aprendizagem e dúvidas esclarecidas, o realizador fala sobre um novo fenômeno no mundo da música: “o filme em tempo real nos palcos”. “É sobre tentar criar experiências diferentes para atrair o público, para as pessoas comprarem bilhetes, como é que isso se faz? É tentando criar uma espécie de filme dentro de um próprio espetáculo”, explica. Foi assim que André Tentugal criou um dos videoclipes com maior sucesso de Fernando Daniel, “Casa”, gravado debaixo de chuva.

As masterclasses fazem palco do ecossistema criativo do festival

A tarde do segundo dia do festival ovarense continuou a testar o mundo de André Tentúgal, mas desta vez os convidados são outros. Com a moderação de Gil Godinho, Técnico Especialista da Câmara Municipal de Ovar, os/as artistas Margarida Campelo, Sara Cruz e Rui Martins (Bardino) debruçam-se numa conversa que se expande ao vivo sobre a importância dos videoclipes para a expressão musical de cada um. “Tive a felicidade de poder ter feito dois videoclipes iniciais com esses visuais mais fortes. Ter imagens para a minha música era importante”, explica Margarida Campelo, que revela que ser músico atualmente acarreta muitas funções. “A música é tantas outras coisas que fogem do nosso imaginário. Um feliz acaso levou-me a encontrar a Joana Linda, que de forma criativa ajudou-me a criar o meu universo”.

Quem partilha desta opinião é a cantora e compositora Sara Cruz que traz ao seu público simplicidade e autenticidade, com vídeos produzidos e editados por si. “Ainda assim, tive sempre alguém que me deu a mão para me ajudar”, revela.  Embora sonhe com um projeto de maior investimento e produção no futuro, Sara Cruz admite que o que mais valoriza é ver-se “refletida na sua música e nos seus vídeos”. “Peguei na minha guitarra e fui eu própria. É o que gosto de fazer e é a minha praia”, finaliza.

Já a “praia” da banda Bardino é capturar a magia de um espetáculo ao vivo, gravado em tempo real. E é exatamente isso que estamos prestes a presenciar nos próximos minutos.

Um programa diversificado que dá palco a artistas emergentes

Uma fusão de jazz e electrónica ambiental, onde uma voz tímida surge entre o som eletrizante da bateria… tudo na mesma sala. Os culpados são Diogo Silva, Nuno Fulgêncio e Rui Martins, três amigos que juntos dão vida ao coletivo Bardino. O público vive em tempo real aquilo que é um live-acting, de uma banda que vive do cruzamento de estilos musicais e que desafia qualquer tentativa de categorização.

“A direção é pertencer a este meio de fusão, que não é jazz puro. Vem de muitos sítios e depois converge ali numa mistura de gêneros que têm algumas coisas em comum”, revelam os Bardino, em entrevista ao Gerador. O grupo admite ainda que nunca quis especificar um rótulo: “esses rótulos vêm sempre de fora. Para nós, o melhor elogio é justamente não termos uma definição clara, porque cada um de nós tem um passado musical diferente”, revela Diogo Silva, guitarrista da banda, que adora a definição “Jazz não Jazz”. “Nós gostamos da ideia de 'jazz não jazz'. Adoramos jazz, mas ao mesmo tempo não nos limitamos a isso. Estamos no meio, num território que não é apenas jazz, mas que também não é qualquer outra coisa definida”, termina.

Neste momento, o público é envolvido pelo som do último álbum da banda, “Pedra Mãe”, um trabalho que reflete a liberdade criativa dos Bardino. "Passámos uma semana na casa da nossa avó, que é a avó do Diogo, completamente dedicados a um processo exploratório. Tocamos muito, gravamos o que surgia no momento, e até comemos sandes de leitão", contam. É nesta sonoridade única que o público aplaude de pé o movimento muito próprio dos Bardino.

Rafael Gomes, no saxofone, foi um dos convidados da noite

Com um sorriso de orelha a orelha, guitarra nas mãos, Sara Cruz sobe ao palco para apresentar o seu primeiro disco, cuja estreia acontece hoje, 18 de outubro. Intitulado “Fourteen Forty-Five”, o nome responde à distância em quilómetros da sua cidade natal, Ponta Delgada, e Lisboa. “É um sonho tornado realidade. Lisboa é onde eu tenho estado a trabalhar, longe de casa. Sinto que isso é super representativo dos últimos tempos da minha vida e reflete-se no álbum”, partilha a compositora, transmitindo entusiasmo por esta nova fase.

Nascida no coração de uma ilha no meio Atlântico, Sara Cruz traz os acordes suaves que refletem a calma da sua origem. A distância de uma vida acelerada típica da cidade moldou a sua maneira de ver a música. “As pessoas normalmente dizem que o tempo passa mais devagar nas ilhas e talvez tenha tido mais espaço para ser criativa desde cedo, sem a correria da cidade”, revela a compositora, relembrando a tranquilidade da natureza nos Açores como um bom predicado “para desenvolver a sua arte sem pressa”.

De Portugal ao Reino Unido, passando por Espanha e os Estados Unidos, Sara Cruz é considerada uma das promessas mais vibrantes da música portuguesa, mas nem sempre foi fácil. “Quando ganhei o prémio FNAC Talentos em 2019, chegou a pandemia e vi 7 concertos a serem cancelados. Foi um tiro no peito”, desabafa a compositora açoriana, que apesar dos altos e baixos, expressa a gratidão pelo seu novo disco. “Apesar de tudo, aqui está, consegui! A recompensa é ainda maior!”

“Plot Holes”, “Grasse is greener”, “Faithful”, são títulos dos novos singles que Sara Cruz partilha com o público. A sua performance intimista é aplaudida pela plateia, repleta de sorrisos e admiração, pelo marco significativo na carreira da cantora açoriana.

Sara Cruz já pisou o palco com artistas de renome, entre eles Nuno Bettencourt e Maria Gadú

Preparamo-nos para a última atuação da noite na Escola de Artes e Ofícios. Há quem a conheça pelo seu talento inconfundível como multi-instrumentista noutros projetos musicais, hoje, conhecemo-la como uma verdadeira artista a solo, com uma voz surpreendente, mostrando-se, pela primeira vez, no papel principal.

“O desafio foi mesmo perder a vergonha de entender que as minhas influências musicais davam este resultado. Durante muito tempo estive confusa porque tinha muitas influências diferentes”, explica a cantora, em entrevista ao Gerador. “Era muito fácil adiar este sonho porque estava sempre rodeada de projetos musicais de outros artistas”, acrescenta, demonstrando o caminho até ter a coragem necessária para lançar-se numa carreira a solo com o novo álbum “Supermarket Joy”.

Margarida Campelo transforma assim o último concerto num momento inesquecível para o público. Alternando funções, a multi-instrumentista canta enquanto manipula o loop station para criar camadas sonoras e, ainda, arranja espaço para o piano. Questionada pelo Gerador sobre a sua preferência entre tocar e cantar, Margarida admite que “preferia cantar,” mas adora fazer as duas coisas. “Eu não sei como é que é fazer música de outra forma, mas para mim dá-me muito prazer poder ter estas funções diferentes. E se puder fazê-lo para sempre, serei muito feliz”, finaliza.

A “música de supermercado” de Margarida Campelo encerrou a segunda noite demonstrando que o Ovar Expande segue firme na valorização de novos talentos da música portuguesa.

Margarida Campelo toca em várias bandas no país, entre elas Real Combo Lisbonense, Cassete Pirata, Minta & the Brook Trout, etc | ©AnaBarros

“Um festival que se torna um exemplo para o resto do país”

Num período difícil para todos, nasceu um festival que prometeu ser um catalisador de esperança para todos os artistas e, para todos aqueles, que só sentiam a música através dos auriculares. “Foi um sinal de esperança que agora dá os seus frutos e tem, no fundo, o verso da medalha: ajudamos a promover bandas, alguns projetos não tão conhecidos, aquilo a que chamamos música alternativa”, revela Alexandre Rosas, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Ovar, acrescentando que no panorama musical português “há grandes projetos de qualidade, grandes cantautores, grandes cantores e até grandes poetas”. “Para nós, é muito importante valorizar o trabalho destas pessoas”, conta-nos.

E até os artistas convidados a viver este espetáculo o acham. “Já conhecia este festival através de amigos que já tiveram o prazer de vir cá tocar. Desde o espaço ao conceito, é sem dúvida um festival que se torna exemplo para o resto do país”, conta-nos, Emmy Curl, que nos concede uma entrevista antes de subir ao palco.

Com uma carreira de 17 anos, Emmy Curl, alter-ego de Catarina Miranda, regressa aos palcos com o seu novo álbum “Pastoral” - um tributo à música de tradição e ao folclore transmontano. “Este álbum representa uma parte mais consolidada da minha entidade, tanto como artista visual, como transmitir a mensagem do estilo musical Solar Punk”, conta-nos, a cantora e compositora transmontana. Toca em bandas de jazz, já participou como intérprete no Festival da Canção e, recentemente, está a produzir um documentário, mas é o projeto Emmy Curl que a faz continuar a sonhar. “Este projeto nasceu quando eu tinha 15 anos. Queria levar o mundo como uma fada de trás dos montes. Era como eu me sentia”, reflete.

E é com as vestes de uma fada guerreira que Emmy Curl sobe ao palco da Escola de Artes e Ofícios, com um público que se resguarda ao silêncio para dar protagonismo à sua voz única. A artista conduz a plateia a um estado mágico, com músicas inspiradas na tradição portuguesa e uma presença quase onírica. A artista finaliza o concerto revelando o que a música significa na sua vida: “A música é a arte de estarmos todos juntos… de não estarmos sós. A música já me salvou muitas vezes”.

Emmy Curl apresentou a música “Vem até mim” dedicada ao filho que nasceu prematuro no dia do estado de emergência | ©OvarExpande

Dum mundo onírico passamos para introspeção que se vive na sala Galeria. No labirinto de diversos acordes aparece uma voz rouca e meiga que define a “banda de um homem só”. Diogo Alves Pinto, que responde ao alter-ego Gobi Bear, começou a tocar guitarra na adolescência e nunca mais parou. Em palco, transforma-se num artista multi-instrumentista e desconstrói as suas canções em camadas de guitarra, pandeireta e omni-chord. A música é criada no momento, entre o live-looping e o indie folk e o público fixa em silêncio em cada acorde dado pelo cantor.

Gobi Bear já colaborou com cantores de renome como Matt Elliott, Surma, Emmy Curl ou Russian Red | ©OvarExpande

De um passou para quatro elementos, de quatro elementos passaram para dois. Há quem o conheça nos X-Wife ou nos GNR, mas hoje apresenta-se em palco no seu registo mais puro com a promessa de transformar a sala Expande numa pista de dança onde ninguém fica sentado. E foi exatamente isso que Mirror People, alter ego do músico, produtor e DJ Rui Maia, juntamente com a cantora Rö (nome artístico de Maria do Rosário) fez-nos viver até à madrugada de domingo.

“O projeto começou com algo mais eletrónico e mais experimental”, começa por dizer o DJ, enquanto reflete no seu caminho musical. “Chegou uma altura em que senti a necessidade de ter canções um bocadinho mais pop. Nessa fase convidei várias pessoas a gravarem canções”, explica revelando que, atualmente, sente a vontade de ser mais sincero na sua criação musical. “Estou a fazer mais músicas viradas para a pista de dança, mais house music, porque também tenho de ser sincero comigo e tenho de transpor isso”, esclarece.

Enquanto isso, Rui Maia mantém a sua agenda de concertos ao lado da cantora Rô, com quem lançou o álbum de sucesso “Heartbeats, etc.”. A relação profissional entre eles não é de agora: o DJ Rui já tinha convidado Rô para cantar na famosa música “I Need Your Love” e a admiração que sente pela artista é evidente. “Eu gosto imenso da Maria em palco. A Maria é bastante livre e tem uma capacidade de improvisação que eu adoro. Eu lanço a batida e ela improvisa por cima, tudo isto num espetáculo ao vivo”.

Juntos, Rui Maia e Maria do Rosário formam uma dupla vibrante no palco, onde a química entre ambos traduz-se num espetáculo memorável. Num concerto de electrónica contínua, com alguma música house pelo meio, o público dança sem sinais de cansaço ou desejo de que o concerto chegue ao fim.

Mirror People deram um concerto até às 2 da manhã na Escola de Artes e Ofícios de Ovar | ©AnaBarros

Uma marca em Ovar construída em conjunto

De Braga ao Porto, de Santa Maria da Feira até Oliveira de Azeméis, o público que vem de fora até à cidade do litoral prova-o: na 5.º edição do festival, Ovar Expande marca-se, em definitivo, como programação cultural de Ovar. “Já temos algumas marcas em Ovar, mas um dos meus objetivos quando aqui entrei era que Ovar tivesse também outras referências que não só o Grande Carnaval, que me diz muito, mas percebo que temos um território fantástico e há eventos como o Festival Ovar Expande, que não são eventos de massa, mas que fazem falta nas cidades”, explica-nos Alexandre Rosas.

O Gerador convidou vários artistas no cartaz a falarem sobre o que acham desta iniciativa.

Laura Rui é suspeita, como a mesma se intitula, uma vez que vive em Ovar, mas a atriz agradece à produção que torna este festival possível pela educação musical que é transmitida ao público. “Este festival dá espaço para artistas que não são mainstream, mas que no entanto há um público para eles, e é uma coisa que Ovar tem feito muito bem. Tem ensinado o público a ver outro tipo de coisas, a ouvir outro tipo de coisas, a ver outro tipo de programas”, esclarece a cantora e compositora Laura Rui. Já Diogo Silva, guitarrista dos Bardino, revela que apesar da concorrência ser muito forte, o Ovar Expande “conseguiu ter uma expressão enorme”. “Sou do Porto, que é a cerca de 1 hora daqui e que dizem ser a Lisboa do norte e, mesmo assim, uma cidade destas, do litoral, média dimensão, consegue ter uma expressão enorme. É um investimento a longo prazo na cultura”, confessa Diogo.

A Escola de Artes e Ofícios, outrora uma antiga Fábrica de Papel, dá vida a várias atividades culturais no município de Ovar | ©OvarExpande

Cinco anos depois, os bastidores do festival permanecem como um lar para artistas e público, que continuam a elogiar o trabalho que é feito. “A Emmy disse-nos na despedida que já há muitos anos que faz música e há muitos anos que não privava com a equipa de produção, nem técnica. Já há muitos anos que não dava abraços às equipas de produção de eventos. E aqui encontrou um ambiente em casa”, explica Gil Godinho, que enaltece a equipa com quem trabalha. “É a nossa maneira de trabalhar. Sendo que este festival é o único evento que a equipa é mais alargada. É também uma festa para nós”, revela.

O elogio estende-se por Alexandre Rosas, Vice-Presidente da CM de Ovar, que expressa um orgulho evidente pela equipa de produção do festival, realçando a sua “dinâmica e forma de celebrar a música". “É um trabalho que eu, no fundo, sou o representante máximo, mas eu dedico e tenho a noção de que é um trabalho das pessoas que comigo colaboram. Além de estarmos unidos, temos, de facto, uma filosofia de todos poderem contribuir”, afirma, desabafando que é esta equipa que transforma o festival numa marca inconfundível no município. “Todos nós estamos aqui e quem conhece este ambiente sabe que isto, de facto, é uma marca. A forma de receber, a forma de estarmos juntos, de celebrar a música…”, confessa.

“Já estão a preparar um Festival Ovar Expande 2025?”, questiona o Gerador. “Eu espero dar continuidade a este projeto porque acreditamos muito nisso. Queremos dar continuidade e melhorar”, responde, de sorriso no rosto, Alexandre Rosas. Já Gil Godinho, elogiado como o grande “motor do festival, de uma carruagem maior que segue”, revela-nos que até no tema já estão a pensar: “Para o ano outras artes e ofícios se juntarão ao Ovar Expande”.

O Gerador é parceiro formativo desta edição.
Reportagem por Ana Barros

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