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Opinião de Noa Brighenti

Noa Brighenti, aos 22 anos, navega entre o seu percurso académico no mundo jurídico e o seu envolvimento em várias equipas e projectos artísticos e culturais. Aluna finalista na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e pós-graduada em Direito da Igualdade, dedica-se a explorar a influência recíproca entre estas duas dimensões e o seu impacto coletivo na sociedade.

Segurança Humana, um pouco de esperança

Nas gargantas soltas de hoje, Noa Brighenti fala-nos sobre esperança (e falta dela) e apresenta a Segurança Humana como uma teoria que é hoje implementada e que nos pode servir como exemplo para ajudar a reencontrar força nos momentos em que parece difícil acreditar na mudança.

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Há um ano, iniciei um mestrado em direito internacional, e desde aí que me tenho dedicado ao estudo dos conflitos armados — os seus sujeitos, as suas geopolíticas e as leis que os governam, os previnem e os supostamente terminam. Hoje, passado um ano, é-me mais difícil do que nunca ter esperança no impacto individual que temos para promover a mudança — não tanto a nível nacional, mas sobretudo a nível internacional. O que é estranho. Esperava que acontecesse o contrário; de aprender quais as ferramentas para exigir a mudança, o fim das guerras. No entanto, ao conhecer de tão perto as falhas do sistema e o superpoder dos Estados para a manipulação e mentira (e, sejamos honestos, para fazerem o que bem lhes apetecer) a luz ao fundo do turno tornou-se uma luzinha. 

Escrevo isto com tristeza e com muita dúvida também. Por favor, duvidem de mim. 

Estou agora a fazer o exercício de reencontrar a esperança. Neste processo, tenho pensado muito na disciplina de Segurança Humana que tive no semestre passado e numa colega. Penso nela pela pergunta que fez ao nosso professor, Iavor Rangelov, sobre qual é o objetivo de teorizar novos modos de responder a conflitos armados quando, na prática, os Estados — como Israel — desrespeitam qualquer teoria, lei ou ideia que seja contrária aos seus objetivos militares. No fundo, ela estava a passar pelo mesmo que eu.

A resposta do professor foi a seguinte: a teoria tem de existir para que, nos momentos em que há uma abertura por parte do sistema para mudar o seu modo de operar, novos modos estejam já preparados para ser implementados. Assim, por mais pequena que a abertura seja, sabemos que a iremos aproveitar. Por vezes a mudança é casual e ocorre lentamente, mas isso não quer dizer que não ocorra. Melhor, que vidas (mesmo que só uma) não estejam a ser salvas.

Aproveito então esta crónica para falar de novos modos de operar capazes de criar esperança naqueles que, como eu, a estão a tentar recuperar. Nomeadamente, para falar de Segurança Humana.

Começamos pelos básicos: o que é a Segurança Humana? A Segurança Humana é um novo modo de pensar a segurança e a quem esta se destina. Tradicionalmente, a segurança centrava-se nos Estados: estes eram os sujeitos, os quais deviam ser protegidos sob a presunção de que, se os Estados estivessem seguros, os seus cidadãos também estariam. Porém, esta presunção foi contestada no período pós-Guerra Fria, quando se reconheceu que os indivíduos sofrem de vários tipos de insegurança que não se limitam à guerra, como catástrofes naturais, doenças e pobreza.

Neste contexto, a Segurança Humana centra-se nas fontes de insegurança dos seres humanos e não dos Estados. Esta mudança de foco trouxe consigo muitas mudanças no modo como a segurança é feita. De facto, até na forma como devem ser conduzidas as operações militares em contexto de guerra, ao serem mudados os sujeitos no centro destas operações: dos Estados para os indivíduos. 

Ao privilegiar a proteção dos direitos humanos em detrimento do domínio militar, a Segurança Humana adota uma abordagem defensiva em relação à guerra, em vez de ofensiva. Por exemplo, nas operações de segurança humana, o uso da força é permitido apenas em legítima defesa ou para proteger terceiros, esperando-se que os militares detenham os inimigos, em vez de os eliminarem. 

Além disso, mesmo no que diz respeito às armas usadas, estas devem ser defensivas.  De facto, é incentivado o aumento de despesas em sistemas defensivos, como a cibersegurança ou drones que consigam repelir ataques ou eliminar armas inimigas, em vez de se investir em armas nucleares e outros sistemas ofensivos. Por vezes, até a mera presença militar num território é a estratégia usada para dissuadir futuros ataques. Mais importante ainda, neste cenário, as operações militares são lideradas por civis, cabendo às forças armadas um papel de apoio e não de comando, como o de criar zonas protegidas, ou manter corredores humanitários. 

Contradizendo por completo as masculinidades características da guerra — o ataque, o poder, o abuso — esta teoria pode facilmente parecer isso mesmo: uma mera teoria. Contudo, a Segurança Humana não é um mero desejo para o futuro, mas uma teoria que hoje já é, em alguns lugares, prática. Nomeadamente, faz parte da política estratégica da NATO desde o início da guerra na Ucrânia, quando foi percebido que a competição militar com a Rússia apenas alimentaria uma mentalidade paranóica, fornecendo uma justificação para mais e mais severos ataques. 

A adoção da Segurança Humana representa assim uma mudança significativa em relação às operações ofensivas anteriores da NATO, como as realizadas no Afeganistão e na Líbia, e indica uma mudança na perceção do papel das forças armadas nos conflitos contemporâneos e nas causas da insegurança. Mostra, assim, como é possível ter esperança. 

Talvez a esperança resida precisamente aí: não na fé cega na bondade dos Estados ou na eficácia absoluta do direito internacional, mas na persistência de alternativas já pensadas e na crença na luta constante daqueles que as pensam. Ao reconhecermos que a mudança estrutural é lenta e quase sempre imperfeita, talvez o mais honesto seja não desistir do pensamento crítico, da criação de alternativas e da defesa teimosa da dignidade humana. É necessário conhecer o sistema e atacá-lo por dentro. Se houver sequer uma pequena abertura no sistema, que estejamos prontos para a ocupar com ideias melhores, com práticas mais justas, com esperança (ainda que frágil), vidas poderão ser salvas. Essa possibilidade é o que nos deve fazer continuar.

É verdade que escrevo sempre com dúvidas, mais ainda agora, mas também escrevo sempre na esperança de um dia melhor. 

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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