Há um ano, iniciei um mestrado em direito internacional, e desde aí que me tenho dedicado ao estudo dos conflitos armados — os seus sujeitos, as suas geopolíticas e as leis que os governam, os previnem e os supostamente terminam. Hoje, passado um ano, é-me mais difícil do que nunca ter esperança no impacto individual que temos para promover a mudança — não tanto a nível nacional, mas sobretudo a nível internacional. O que é estranho. Esperava que acontecesse o contrário; de aprender quais as ferramentas para exigir a mudança, o fim das guerras. No entanto, ao conhecer de tão perto as falhas do sistema e o superpoder dos Estados para a manipulação e mentira (e, sejamos honestos, para fazerem o que bem lhes apetecer) a luz ao fundo do turno tornou-se uma luzinha.
Escrevo isto com tristeza e com muita dúvida também. Por favor, duvidem de mim.
Estou agora a fazer o exercício de reencontrar a esperança. Neste processo, tenho pensado muito na disciplina de Segurança Humana que tive no semestre passado e numa colega. Penso nela pela pergunta que fez ao nosso professor, Iavor Rangelov, sobre qual é o objetivo de teorizar novos modos de responder a conflitos armados quando, na prática, os Estados — como Israel — desrespeitam qualquer teoria, lei ou ideia que seja contrária aos seus objetivos militares. No fundo, ela estava a passar pelo mesmo que eu.
A resposta do professor foi a seguinte: a teoria tem de existir para que, nos momentos em que há uma abertura por parte do sistema para mudar o seu modo de operar, novos modos estejam já preparados para ser implementados. Assim, por mais pequena que a abertura seja, sabemos que a iremos aproveitar. Por vezes a mudança é casual e ocorre lentamente, mas isso não quer dizer que não ocorra. Melhor, que vidas (mesmo que só uma) não estejam a ser salvas.
Aproveito então esta crónica para falar de novos modos de operar capazes de criar esperança naqueles que, como eu, a estão a tentar recuperar. Nomeadamente, para falar de Segurança Humana.
Começamos pelos básicos: o que é a Segurança Humana? A Segurança Humana é um novo modo de pensar a segurança e a quem esta se destina. Tradicionalmente, a segurança centrava-se nos Estados: estes eram os sujeitos, os quais deviam ser protegidos sob a presunção de que, se os Estados estivessem seguros, os seus cidadãos também estariam. Porém, esta presunção foi contestada no período pós-Guerra Fria, quando se reconheceu que os indivíduos sofrem de vários tipos de insegurança que não se limitam à guerra, como catástrofes naturais, doenças e pobreza.
Neste contexto, a Segurança Humana centra-se nas fontes de insegurança dos seres humanos e não dos Estados. Esta mudança de foco trouxe consigo muitas mudanças no modo como a segurança é feita. De facto, até na forma como devem ser conduzidas as operações militares em contexto de guerra, ao serem mudados os sujeitos no centro destas operações: dos Estados para os indivíduos.
Ao privilegiar a proteção dos direitos humanos em detrimento do domínio militar, a Segurança Humana adota uma abordagem defensiva em relação à guerra, em vez de ofensiva. Por exemplo, nas operações de segurança humana, o uso da força é permitido apenas em legítima defesa ou para proteger terceiros, esperando-se que os militares detenham os inimigos, em vez de os eliminarem.
Além disso, mesmo no que diz respeito às armas usadas, estas devem ser defensivas. De facto, é incentivado o aumento de despesas em sistemas defensivos, como a cibersegurança ou drones que consigam repelir ataques ou eliminar armas inimigas, em vez de se investir em armas nucleares e outros sistemas ofensivos. Por vezes, até a mera presença militar num território é a estratégia usada para dissuadir futuros ataques. Mais importante ainda, neste cenário, as operações militares são lideradas por civis, cabendo às forças armadas um papel de apoio e não de comando, como o de criar zonas protegidas, ou manter corredores humanitários.
Contradizendo por completo as masculinidades características da guerra — o ataque, o poder, o abuso — esta teoria pode facilmente parecer isso mesmo: uma mera teoria. Contudo, a Segurança Humana não é um mero desejo para o futuro, mas uma teoria que hoje já é, em alguns lugares, prática. Nomeadamente, faz parte da política estratégica da NATO desde o início da guerra na Ucrânia, quando foi percebido que a competição militar com a Rússia apenas alimentaria uma mentalidade paranóica, fornecendo uma justificação para mais e mais severos ataques.
A adoção da Segurança Humana representa assim uma mudança significativa em relação às operações ofensivas anteriores da NATO, como as realizadas no Afeganistão e na Líbia, e indica uma mudança na perceção do papel das forças armadas nos conflitos contemporâneos e nas causas da insegurança. Mostra, assim, como é possível ter esperança.
Talvez a esperança resida precisamente aí: não na fé cega na bondade dos Estados ou na eficácia absoluta do direito internacional, mas na persistência de alternativas já pensadas e na crença na luta constante daqueles que as pensam. Ao reconhecermos que a mudança estrutural é lenta e quase sempre imperfeita, talvez o mais honesto seja não desistir do pensamento crítico, da criação de alternativas e da defesa teimosa da dignidade humana. É necessário conhecer o sistema e atacá-lo por dentro. Se houver sequer uma pequena abertura no sistema, que estejamos prontos para a ocupar com ideias melhores, com práticas mais justas, com esperança (ainda que frágil), vidas poderão ser salvas. Essa possibilidade é o que nos deve fazer continuar.
É verdade que escrevo sempre com dúvidas, mais ainda agora, mas também escrevo sempre na esperança de um dia melhor.