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Desejar: como os desejos de uma cidade se transformaram em festival

Durante cinco dias, artistas, coletivos e cidadãos bracarenses transformaram desejos individuais e coletivos em momentos performativos cocriados com artistas convidados.
Integrado na programação da Braga 25, o Desejar – Movimento de Artes e Lugares Comuns, convocou desejos, mas também aprendizagens e reflexões individuais e coletivas. O “festival que não é um festival” terminou a 14 de junho, após mais de um ano de preparação e cinco dias de programação.

Texto de Redação

Fotografia de Joana Jorge

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Texto de Cátia Vilaça

O último dia de programação do Desejar arrancava às 11h30, com a Parada do Desejar, mas ainda não eram 10h30 e os grupos de percussão já treinavam acordes na entrada do Mercado Municipal de Braga, quartel-general da organização. À volta, os cartazes, bandeiras e demais adereços que haviam de colorir os cerca de 700 metros que separam o mercado do Largo de São João do Souto, o ponto de chegada. Os cartazes exprimiam os desejos individuais e coletivos, as vontades que se atearam durante o processo que levou à concretização do festival.

Um processo, também ele, partilhado pela organização, voluntários, coletivos da cidade ou alunos de Artes que participaram na elaboração dos cartazes. 

Marília Ferreira, 59 anos, faz parte do conjunto de voluntários que ajudou a que o Desejar se concretizasse. Já tem por hábito participar em ações de voluntariado promovidas pela Câmara Municipal, e a Braga 25 foi mais um desses contextos, onde já tinha acompanhado outros momentos de programação antes do Desejar, conforme conta ao Gerador. Das suas funções faz parte a distribuição de cartazes, a orientação de público nas salas e a prestação de informações a quem o solicitar.

Parada do Desejar. Fotografia de Lais Pereira

Às 11h30, Marília arranca com os restantes participantes na Parada, que contou com a direção musical e artística de António Serginho, membro nuclear dos daguida e líder do coletivo Retimbrar, e Ricardo Baptista, músico especializado em conceber e desenvolver trabalho com comunidades. Em época de santos populares, não faltaram os gigantones, numa espécie de antecipação às festas sanjoaninas que daí a pouco mais de uma semana animariam a cidade. Pelo caminho, três paragens para momentos performativos antes da chegada ao Largo de São João do Souto. Quem assiste não se junta ao desfile, como a organização gostaria, mas não faltaram olhares (e telemóveis) curiosos de transeuntes e lojistas.

O que guarda este rio?

O rio Este nasce em São Mamede de Este, nas imediações de Braga, e estende-se por 45 km, atravessando a malha urbana da cidade, para além de áreas industriais e agrícolas. No passado, este rio que desagua no Ave foi alvo de descargas de poluentes industriais. Mais recentemente, foi alvo de intervenções de recuperação e valorização, incluindo uma via pedonal e ciclável. Foi no Complexo Desportivo da Rodovia, não muito longe do ponto de partida deste percurso, que o coletivo Guarda-Rios marcou encontro com os inscritos na performance em percurso Este Rio, mais um momento de programação do Desejar. Desde 2019 que este coletivo se dedica à investigação e criação em torno de territórios ribeirinhos por todo o país. Desta vez, o artista visual Francisco Pinheiro, um dos coordenadores do projeto, juntou-se à pintora Virgínia Mota numa proposta que juntou co-aprendizagem e sensibilização, com muita exploração sensorial. O percurso teve momentos de silêncio, durante os quais os participantes eram convidados a escutar os sons à sua volta, viessem eles do rio ou fossem amplificados pelas estruturas que o rodeiam - como o trepidar dos automóveis ao passar sobre um dos viadutos que o encimam. 

A ideia de fazer algo em torno do rio Este nasceu, como não podia deixar de ser, de um desejo, manifestado numa das Assembleias do Desejar, o processo participativo que serviu de base à conceção deste “festival que não é um festival”, por não haver uma relação unilateral entre produtor e consumidor de produto cultural. Da ideia de “fazer algo” à volta do rio Este passou-se ao convite ao coletivo Guarda-Rios e ao início do trabalho de campo, com exploração do leito do rio e também escuta dos saberes de quem o conhece há uma vida. Uma parte desse trabalho foi diretamente incorporado no percurso, explorando, também aqui, a vertente auditiva: foram dados a ouvir testemunhos de quem recorda Braga como “um meio muito pequeno”, onde se lavava o folhelho (a camisa do milho outrora usada no enchimento de colchões) no rio e onde uma parte da zona ribeirinha era ainda conhecida pelo antigo topónimo “Pelames”, nome que designava os oficiais encarregues do tratamento do couro, feito em tanques junto do rio.

Cátia Azevedo Prysyazhnyuk, 17 anos, participou nessa e em praticamente todas as assembleias, e junta-se agora ao percurso. Filha de mãe transmontana e pai ucraniano, apresenta-se como tendo “três corações”, um por cada geografia. Mas é à de Braga, onde vive e estuda, que tem dedicado o último ano de participação cívica. Na verdade, o seu envolvimento neste projeto não começou com as assembleias. Ainda durante o processo de candidatura de Braga a Capital Europeia da Cultura 2027, participou no projeto Geração B27, um órgão consultivo exclusivamente formado por jovens. A ideia transitou para a Braga25, e o projeto passou a denominar-se Geração B25+, e continuou a funcionar como grupo de auscultação com quem a organização debate ideias para o programa. Só que Cátia não queria apenas ser ouvida, mas levar a participação mais longe, e encontrou na assembleia um formato sem barreiras. “Vim porque não havia restrição de idade”, conta ao Gerador, embora acabasse por ser a participante mais jovem. Descreve um ambiente inicial algo formatado, onde as pessoas se descreviam em função das suas atividades e os “desejos” ainda não tinham espontaneidade, mas com o tempo, tudo se tornou mais fluido e com mais espaço para a expressão de desejos individuais. 

O percurso guiado por Francisco e Virgínia vai contando com paragens. Numa delas, são entregues recortes com nomes de plantas que ladeiam o rio, enquanto os participantes são desafiados a encontrá-las (e, de caminho, a discutir a sua morfologia e adaptação ao meio hídrico). Todos são também incentivados a pensar quais são os elementos que definem um rio. Peixes, pedras, sedimentos, margens são algumas das respostas.

Mais à frente, Francisco desafia os participantes a imaginar que espécies teriam cruzado aquele rio nos seus percursos migratórios. É o ponto de partida para conhecer o ciclo de vida da enguia e a forma como os ecossistemas são afetados pela intervenção humana. No apoio de som, passa-se a leitura de um texto de 1997 sobre o percurso do rio Este, mas também sobre promessas eleitorais de despoluição por cumprir. E também sobre enguias, uma das espécies mais migradoras, cujo ciclo de vida se divide entre o rio e o mar, e simultaneamente mais ameaçadas (o seu estado de conservação é avaliado como “perigo crítico” pela União Internacional para a Conservação da Natureza, por razões como a atividade piscatória insustentável e a existência de barreiras, como barragens ou açudes, que constituem um obstáculo à migração dos peixes). À falta de enguias no rio, recria-se o seu movimento com uma performance.

O percurso termina na Rua dos Galos, um pequeno núcleo de antigas casas de pedra, que resiste entre a malha urbana, a uma cota mais baixa e próxima do rio, e que já foi lugar de moagem. Numa das pequenas passagens que atravessam o rio, os participantes são convidados a parar e contemplar o passado: Virgínia vai passando visualizadores com fotografias de Manoel Carneiro, do início do século XX, onde é possível revisitar aquele mesmo lugar e as gentes que o habitavam à época. 

Desejos de futuro

A Escola Básica 2,3 de Nogueira fica distante do circuito cultural de Braga e já próximo de uma das saídas da cidade. Essa característica periférica era algo que a organização procurava para concretizar um momento de programação com crianças. “A visão das crianças também era uma dimensão que nos interessava”, conta ao Gerador Ana Bragança, Diretora de Participação e Comunidades do Desejar. A ideia fermentou nas assembleias e acabou por se concretizar no Bloom&Doom - Manifestações Poéticas, uma performance guiada por um grupo de crianças e pré-adolescentes da escola de Nogueira. Cada membro do público era convidado a deixar-se orientar, mão na mão, pelo seu guia, num percurso silencioso onde as crianças partilhavam, através de atividades e momentos de interação com a natureza e o espaço urbano, ideias de adaptação e construção de comunidade. Este exercício de escuta e confiança terminava com a entrega do Jornal do Futuro, previamente produzido pelas crianças com notícias do futuro, a registar ideias - umas mais otimistas do que outras - sobre o mundo em 2050.

Bloom&Doom - Fotografia de Joana Jorge

O projeto foi coordenado por Caterina Moroni, artista italiana interdisciplinar e independente, com foco na arte em espaços públicos e não convencionais. 

Caterina tinha um período limitado de permanência no território, mas o trabalho com a escola foi feito com antecedência e contou, segundo Ana Bragança, com o forte empenho dos docentes. A artista partilhou com a equipa do Desejar os conteúdos que se propunha trabalhar, e a preparação fez-se com várias deslocações à escola e um workshop para trabalhar o Jornal do Futuro, a que se seguiram outros workshops e ensaios já com a presença de Caterina Moroni. 

Antes de a comitiva do Desejar regressar ao ponto de partida, no mercado, para a festa de encerramento, o público rumou à mais emblemática sala de espetáculos da cidade: o Theatro Circo. Sala cheia para assistir a Golpe de Asa, espetáculo de Sílvio Vieira com intérpretes queer de Braga. O espetáculo parte da leitura de Frei Luís de Sousa, reinventada por intérpretes drag queen, que fazem a ponte entre a tragédia original e os seus próprios dramas pessoais, de identidade e invisibilidade, num espetáculo que deu corpo a inquietações partilhadas durante as assembleias.

Golpe de Asa - Fotografias de Lais Pereira

“Não deixar de desejar”

Quando perguntámos a Hugo Cruz o que esperava que o Desejar deixasse para o futuro, o diretor artístico preferiu concentrar-se no presente, deixando para outras ponderações e análises a eventual continuidade do formato. Mas quando repetimos a pergunta a Cátia Azevedo Prysyazhnyuk, participante desde a primeira hora, a jovem diz esperar que o Desejar leve “essa centelha para onde for”. Uma centelha de presença e participação, de que Cátia destaca o processo, mais do que o evento, e o convite a “pensar os festivais não como vitrines, mas como rituais de pertença e experimentação”. 

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