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A cultura deixou rasto em Guimarães, agora é tempo de descentralizar

Dizer que Guimarães mudou nas últimas décadas é afirmar o óbvio. À boleia da Capital Europeia da Cultura 2012 a cidade, que era marcada pela atividade industrial em declínio, assumiu o desígnio de se renovar e alterar o paradigma para uma economia diferente, mais dinâmica e assente na criatividade. Os impactos positivos desta aposta são notórios no espaço físico, na oferta cultural e na “exigência” que se tornou característica do público, mas agora é preciso descentralizar a oferta das estruturas municipais.

Texto de Sofia Craveiro

Evento Dias Cheios de Ideias, 2012. Fotografia cedida por A Oficina.

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Foram “centenas” os eventos em Guimarães abrangidos pelo programa da Capital Europeia da Cultura (CEC) 2012. Estiveram envolvidos 25 mil artistas e profissionais, que contaram ainda com o contributo de 15 mil cidadãos e 300 organizações. O certame impulsionou “mil novas criações e 700 artistas residentes”. “Foram produzidos 40 filmes e verificaram-se 60 novas publicações e 100 estreias internacionais”, segundo descrito no relatório divulgado em 2014 pela Comissão de Educação, Cidadania e Cultura, da Assembleia da República. 

O orçamento de 111 milhões de euros da CEC permitiu também requalificar as áreas mais centrais da cidade e dar outra vida a estruturas fabris abandonadas. 

As mudanças levadas a cabo foram desenhadas precisamente para transformar os espaços públicos, torná-los mais permeáveis ao público e mais democráticos. Isto mesmo é explicado por Maria Manuel Oliveira, arquiteta que teve a seu cargo os projetos de requalificação do centro histórico da cidade vimaranense, feitos no âmbito da CEC. “A ideia foi sempre esta: pegar no sentido urbano que [o espaço] tinha, respeitar, honrar, a tradição longuíssima que todo aquele contínuo tem, mas torná-lo contemporâneo”, explica, em entrevista ao Gerador. 

“[Hoje] temos camadas de pessoas muito diversificadas, grupos culturais bastante diversos, também. Portanto, pretendíamos que este desenho, de alguma forma, permitisse muitas atividades diferenciadas”, acrescenta. 

Dentro das mudanças provocadas pela CEC, a arquiteta e docente da Universidade do Minho destaca não só as alterações no espaço público, mas também o nascimento de novos equipamentos culturais, dedicados à exposição, fruição e criação artísticas. São exemplo o Centro de Criação de Candoso, Centro Avançado de Formação Pós-Graduada (da Universidade do Minho), o Centro para os Assuntos da Arte e da Arquitetura ou a Plataforma das Artes, onde está integrado o Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG), os Ateliers Emergentes e os Laboratórios Criativos.

“A cidade ganhou um ritmo e uma apetência, suponho eu, que, sendo verdade, que nunca é aquela que a gente espera, porque nós estamos sempre à espera que um ritmo se mantenha e não pode. Não é assim que acontece, mas a verdade é que se formam públicos com estas ações muito intensas.”

Não obstante, Maria Manuel Oliveira assume-se “profundamente convicta” que a CEC foi um marco muito importante neste sentido: “de aderência, de conhecimento de coisas diferentes, de abrir a cidade a perspectivas que não tinha antes”.

“Vazio” e “exemplificação”

A par com os equipamentos culturais já referidos, a Casa da Memória é outro exemplo de transformação, que salta à vista de quem atravessa a Avenida Conde de Margaride. Foi ali mesmo, à beira de um dos janelões que rodeiam o edifício, que Francisco Neves, diretor da Educação e Mediação Cultural d'A Oficina, nos falou sobre a metamorfose que a CEC provocou na cidade-berço. “Foi um grande boom de tudo, de várias áreas”, diz. 

Tal como a arquiteta Maria Manuel Oliveira, também o diretor acredita que a CEC gerou um “pico” de atividades e criação cultural que depois se seguiu de algum declínio, encarado como natural. “Acho que há sempre um vazio muito grande a seguir a uma Capital Europeia da Cultura”, explica. 

Isso não é o mesmo que dizer que todas as iniciativas criadas nessa altura tenham desaparecido ou que o seu impacto se tenha evaporado. Existem projetos que, mesmo tendo ficado sem financiamento - decorrente da extinção da Fundação Cidade de Guimarães, criada apenas para organizar e gerir a CEC, extinta posteriormente - encontraram outras formas de sobreviver, ganhando “vida própria”, segundo Francisco Neves.

“Eu acho que, em alguns casos, sim, a CEC serviu de alavanca para que instituições, associações, grupos, artistas que se fixaram na cidade, criaram um grupo e perceberam que aqui havia um bom pólo cultural”. 

Um dos grupos usados como exemplo disso é o coletivo A Outra Voz. 

Dedicado à expressão e exploração vocal experimental, trabalha a componente de comunidade, materializada em cada elemento do grupo, composto de pessoas de diferentes origens e gerações. A continuação da atividade é uma vitória importante, já que este é o único projeto do género que se mantém de pé após a CEC, conforme explica ao Gerador o diretor artístico, Carlos A. Correia. 

“Era completamente inconcebível que se mantivesse aquela dinâmica” numa cidade com a dimensão de Guimarães, começa por referir, explicando que nem sequer seria desejável, sob pena de a cidade ficar transformada numa espécie de “Disney”.

Atualmente, ainda que em menor escala, a oferta cultural continua a ser diversificada, um sinal de que ainda se “faz coisas” por aqui. “Acho que isso é, efetivamente, uma vitória da CEC: a exemplificação. Porque, no final desta história toda, nós todos ficámos a perceber que conseguíamos fazer”, diz Carlos A. Correia.

E explica: “Quando as pessoas [envolvidas na CEC] foram embora, a malta de fora, o pensamento, a capacidade de fazer, nós ficámos com a batata quente na mão e tínhamos duas coisas para fazer: era deixá-la cair ou descascá-la. No nosso caso, nós fomos atrás disso e conseguimos fazê-lo bem, tentando manter os pressupostos iniciais daquilo que fomos aprendendo”. 

De uma forma geral, Carlos A. Correia reconhece que há mais pontos de acesso à cultura e, por isso, mais vias por onde experimentar diferentes géneros e expressões. Acredita ter ficado em Guimarães “uma espécie de camada criativa e de produção artística”, que vai além das estruturas da autarquia. 

Westway Lab Festival 2012. Fotografia cedida por A Oficina.

Centralização(?)

Em Guimarães, a cultura é, em grande medida, suportada pelas estruturas municipais. 

Criada em 1989, A Oficina é a entidade que gere vários equipamentos culturais da cidade, tendo sob a sua alçada o Centro Cultural Vila Flor, o Centro de Criação de Candoso, o Espaço Oficina, o Centro Internacional das Artes José de Guimarães, o Palácio Vila Flor e a Casa da Memória. 

A par disso, o município apoia projetos culturais e artistas, numa lógica semelhante à Direção-Geral das Artes, através de um programa chamado IMPACTA, criado em 2020. Mais de 600 projetos de 450 artistas e entidades culturais do concelho foram apoiadas neste contexto, segundo dados do município. 

O Observatório de Políticas de Ciência, Comunicação e Cultura da Universidade do Minho divulgou, em 2022, um relatório com o Diagnóstico das Dinâmicas Culturais Municipais de Guimarães dez anos depois da CEC’12: Contributos para a elaboração do Plano Estratégico Municipal Cultura Guimarães 2032.

No documento são destacados como pontos fortes a “consistência e sustentabilidade das políticas culturais ao longo do tempo”, o “investimento em infraestruturas culturais”, o “aumento dos incentivos à criação artística e cultural” e o “reforço na formação”. É, no entanto, identificada como fragilidade a comunicação cultural, que acarreta “problemas transversais”. É ainda apontada como má prática a “centralização da programação cultural no Centro Cultural Vila Flor” e destacada a “articulação insuficiente entre os protagonistas, independentemente da escala (local, regional, nacional, internacional)”.

Questionámos Rui Torrinha, diretor artístico do Centro Cultural Vila Flor sobre estas fragilidades. O responsável considera a crítica da centralização “legítima”, pelo facto de “a face mais visível [ser] a dos programas artísticos feitos a partir d’A Oficina, quer das artes visuais, performativas ou tradicionais”. Apesar disso, acredita que está em curso “o início da descentralização do próprio município” em alguns programas culturais. 

“Eu diria o seguinte: essa centralização pode ser sempre uma perspectiva de que os festivais são internacionais e, portanto, há um instrumento e uma visibilidade que, de algum modo, pode levar a essa percepção. no nosso caso, o que tentamos fazer, é trabalhar e operar sobre isso.”

Como exemplo, Rui Torrinha refere o programa de artes performativas do Centro Cultural Vila Flor, que abrange quatro festivais de programação regular em co-produções, redes internacionais. “Comporta também uma dimensão de relação com o território, que se inscreve, por exemplo, em co-produções, em áreas com as quais nós temos parceiros”, como o CineClube de Guimarães, a ASMAV - Associação de Socorros Mútuos Artística Vimaranense], o festival Mucho Flow e a Orquestra de Guimarães.

O diretor artístico é, por isso, peremptório: “Acho que é indiscutível que hoje Guimarães está num plano superior em relação àquilo que estava antes da CEC.”

Gerou-se iniciativa na cidade que extrapola o ecossistema d’A Oficina, acredita. “[A cidade] tem, de facto, um ecossistema muito diverso, muito rico e muito multifacetado, quer do ponto de vista do número de festivais que existem, quer também dos núcleos associativos e de todas as condições que, neste momento Guimarães dá para os processos de criação”, frisa. 

As artes e a cultura são, assim, “uma vibração absolutamente inalienável neste momento, do ponto de vista da sua identidade”, diz Rui Torrinha.

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