fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Mckenzie Wark: “Intensificar o presente é uma forma de gerir a nossa relação com o tempo”

Escritora e investigadora australiana esteve em Lisboa para lançar a edição portuguesa do seu mais recente livro, onde aborda a cultura raver.

Texto de Sofia Craveiro

Fotografia de Z. Walsh

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

A rave como forma de arte, como elemento da comunidade queer, espaço de identidade, de alienação e, ao mesmo tempo, conexão humana. Numa escrita detalhada e subjetiva que não deixa de lado a componente de análise sociológica (mas em tom bem humorado), a escritora e investigadora McKenzie Wark mostra como tudo se entrecruza a altas horas da madrugada, num continuum que se sobrepõe ao tempo cronológico.

No livro Raving, agora publicado em português pela Orfeu Negro, constrói um retrato pessoal mas também coletivo do que a cultura rave significa para quem nela participa. “Provavelmente parecemos ridículos para outros grupos, mas a comédia está nos desejos contraditórios que cada pessoa leva para a pista de dança”, explica, em entrevista ao Gerador.

Professora de Estudos Culturais e dos Media e diretora do programa de Estudos de Género na New School for Social Research, em Nova Iorque, Mckenzie Wark tem um percurso diverso onde cruza teoria crítica, estudos de media, cultura digital, marxismo e teoria trans. Alguns dos seus títulos mais célebres incluem A Hacker Manifesto, Capital Is Dead e Reverse Cowgirl. Nos últimos anos, tem-se dedicado à escrita autoficcional e à investigação sobre subculturas queer, bebendo da sua própria experiência enquanto mulher trans. 

Nesta conversa, tida a propósito do lançamento de Raving no festival MIL, em Lisboa, Mckenzie Wark afirma que esta é uma obra mais literária do que académica, já que parte da sua vivência para contextualizar movimentos sociais atuais e explicar arquétipos da comunidade raver. Com humor, franqueza e uma atenção profunda às intenções da comunidade, a autora recusa enquadramentos políticos simplistas e defende uma linguagem que nasça da prática, da pista de dança,da noite e do corpo em movimento.

No seu mais recente livro, Raving, aborda a experiência pessoal em raves contemporâneas. No entanto, este universo não lhe é estranho, pois já frequentava raves nas décadas de 80 e 90. Qual considera ser a principal diferença atualmente?

As diferenças manifestam-se em dois planos. Assumi a identidade trans há cerca de sete ou oito anos, o que implica uma nova forma de viver o corpo. Ainda assim, descobri que continuo a precisar da dança para me sentir presente fisicamente. É o que resulta para mim. Depois, há também uma mudança no outro lado. Sem o ter planeado, fiz muitos amigos ao regressar à cena atual, simplesmente por afirmar que, na verdade, é melhor [agora] do que era antigamente. Ninguém estava à espera disso.

Para muitas pessoas isso é surpreendente, certo?

Sim, porque há muita nostalgia envolvida e toda a gente diz: “tu perdeste aquilo”. Ninguém quer ouvir isso. Não foi algo pensado ou estratégico, foi mesmo o que senti. A sub-base sonora é mais rica hoje, e a dinâmica da comunidade inter-queer é muito mais sofisticada do que era há 20 anos. Portanto… sim. É diferente dos dois lados, como se fossem dois encontros distintos.

Acha que as pessoas se surpreendem porque têm uma visão romantizada dessas raves antigas, que, na verdade, não corresponde à realidade?

Hum… sim. Muita gente tem memórias meio difusas dessas experiências. E não é irrelevante construir uma lenda. As lendas podem ser inspiradoras e fazem parte do motivo pelo qual há quem tente criar uma nova cena agora. Houve coisas incríveis. As lendas têm esse lado motivador, mas esquecemo-nos que houve perdas pelo caminho. Nem toda a gente saiu inteira e nem tudo foi propriamente bonito… Há dimensões que se apagam. Por isso, não há nada de utópico na vida noturna, mesmo que ela seja necessária, especial e importante para muitos de nós. Mas… enfim. Nasci em 1961, por isso perdi os anos 60, e cresci rodeada de boomers a dizer: “Foi incrível! Perdeste tudo!” E eu só pensava: “Vão-se lixar! Vamos fazer dos anos 80 algo muito mais interessante!” E conseguimos! Por isso, não quero ser agora aquela pessoa do outro lado a dizer aos outros que não podem viver algo semelhante.

Não quer ser aquela pessoa que diz que antigamente é que era bom.

Não. Até porque também sou professora. Quero incentivar as pessoas a fazer acontecer agora, a criar algo no presente. O passado deve servir como recurso para isso, não ser um obstáculo.

Vi uma entrevista em que dizia que este livro, Raving, é o único com o qual ainda se sente satisfeita. Porquê?

Perguntam-me isso muitas vezes.

Talvez porque tem uma obra extensa, com trabalhos icónicos… Já não se sente ligada a eles?

Bem… é por isso que se continua a escrever, não é? Porque o último não acertou totalmente. Há sempre qualquer coisa  - e acho que isso acontece com muitos escritores - que se vê no fim e que já não nos agrada. Então tenta-se outra vez. Nenhum livro chega à perfeição e há um ponto em que continuar a trabalhar nele já não o melhora. 

Provavelmente, também vou ficar insatisfeita com este em breve e isso vai permitir que passe ao próximo. Mas… sim, acho que este está a aguentar-se bem. Algumas das frases de que mais gosto, que alguma vez escrevi, estão neste livro.

Raving não é o seu primeiro trabalho [de âmbito] pessoal, mas é claramente muito subjetivo. É por isso que se sente mais ligada a ele? Por não ser um livro académico?

De certa forma, também é… Se quiser, pode dizer-se que há ali estudos subculturais e sobre a vida noturna. Mas escrevi-o mesmo para ravers, e a parte académica ficou meio escondida nas notas de rodapé, lá no fim. A maioria dos meus livros tem esse lado britânico, académico, e já tinha feito alguns projetos paralelos na primeira pessoa. O livro com o título intraduzível Reverse Cowgirl - não faço ideia de como se diria isso em português [risos] - [já foi assim] e acho que neste consegui trabalhar melhor essa abordagem e tive o tema ideal no momento certo. Há uma expressão em inglês: catch lightning in a bottle. Não consigo fazer isso muitas vezes, por isso este livro continua a ser especial para mim. Tenho dois ou três livros que… sim, são dos melhores. Mas quero que as pessoas comprem todos os meus livros [risos].

Claro. No livro, diz que se interessou por pessoas para quem as raves são uma necessidade. Será seguro dizer que é também uma destas pessoas. Isso deve-se às mudanças porque passou nos últimos anos? Ou é outra coisa?

Sempre precisei de dançar, sabe? É mesmo… Como disse, gosto de libertar-me, preciso disso. E depois do meu coming out, essa necessidade intensificou-se. Muita gente dança, e o livro fala disso. Há muitos usos diferentes da dança e das pistas de dança, e muito do humor e da tensão vem desses desejos contraditórios que as pessoas projetam ali. Mas o raving baseia-se mesmo nessa necessidade de dançar durante longos períodos de tempo e eu já não consigo fazer a noite inteira. Tenho amigos que estão lá desde… Começam à meia-noite e ainda lá estão ao meio-dia. Aos 64 anos já não tenho isso em mim e não apareço até por volta das quatro. Mas a ideia é de uma prática intensiva, prolongada. Isso é ser raver.

O tempo também é um tema importante [no livro]. Fala de uma espécie de continuidade entre raves, algo que continua a prolongar-se. Pareceu-me haver um contraste pois também diz que, nas raves, sente que o tempo desaparece, que quer alienar-se, existir sem pensar no que a rodeia. 

Sim, e é um dos conceitos do livro. Cada experiência intensa de raving liga-se a um tempo paralelo, que chamo de rave continuum. Na memória, é como: “Não sei o que aconteceu em que festa, só me lembro dos momentos, da intensidade, da beleza”. “Foi naquela festa? Naquele fim de semana? Já não sei”, porque tudo se liga. Também é um truque narrativo, para poder juntar cenas que aconteceram em festas diferentes. A filosofia do tempo no livro gira à volta disso. Uma boa rave produz essa sensação de tempo lateral, que nos leva para o rave continuum. É uma temporalidade paralela, onde todos esses momentos se juntam. Essa é a teoria do tempo que atravessa o livro. E por que é que isso importa agora? Talvez porque já não há muitos futuros bons à vista, todos meio que sabemos isso e não sabemos bem como lidar com essa ideia, emocional ou intelectualmente. Por isso, intensificar o presente é, penso eu, uma necessidade estética. É uma forma de gerir a nossa relação com o tempo.

Mas trata-se de uma construção que faz, da mesma forma que descreve os lugares como situações construídas. O livro também foi elaborado assim, porque afirma que não é possível isolar as experiências vividas. Sabe-se que algo aconteceu algures, mas não exatamente em que festa portanto, de certa forma, também está a construir as suas memórias.

Interessa-me mais a situação do que a história, se é que isso existe em qualquer forma de arte narrativa. Passa-se muito tempo a contar histórias, mas menos tempo a observar a situação pela qual a história passa.

Por isso, em termos de estrutura literária, [este livro] acaba por se centrar mais na situação do que na história. As histórias são como pequenos elementos dentro da espécie de meta-situação, do “red continuum”, onde reuni situações separadas como se fossem continuações da mesma coisa. Encontrar essa solução formal é uma forma de criar uma narrativa de fundo. Há tanta merda de narrativa e é tudo igual. Cada série da Netflix é a mesma série, estamos completamente afogados em arte narrativa.

Na situação em que se assiste, é aborrecido. Estamos apenas sentados com o portátil mais uma vez. E se o foco estivesse na criação de situações como forma de arte? É isso que é uma rave. Não é o único exemplo, mas é isso que representa. Então, que forma de escrita poderia responder ao que o rave está a dizer que poderia ser?

Essa experiência.

Sim.

Tenho curiosidade sobre o seu processo de escrita. Uma questão muito específica: escrevia depois dos raves? Escrevia quando estava em casa, a lembrar-se desses dias de alguma forma? Como foi desenvolver isso? Porque há descrições tão detalhadas... parece mesmo que estamos lá consigo. Como fez isso?

Tinha uma vontade clara de não tirar notas durante a festa. Fiz isso durante um minuto, [mas depois pensei] “isto não tem mesmo pinta nenhuma” [risos]. Uma das coisas boas das raves é que as pessoas guardam os telemóveis durante horas. Isso é uma conquista enorme para qualquer forma de arte, conseguir que as pessoas larguem os telemóveis. Por isso, não queria estar a usá-lo para tirar notas.

Na verdade, tenho uma deficiência de memória, o que não ajuda neste processo. Tentava apenas memorizar algumas palavras-chave, e isso já era um desafio para mim. Depois, reconstruía normalmente na manhã seguinte. E com essas palavras preenchia os detalhes, fosse o que fosse… As pequenas histórias que me contavam, ou uma frase que queria atribuir a alguém. Portanto, sim… Havia a intenção de estar presente, e depois levar apenas alguns pequenos talismãs, por assim dizer, para reconstruir a história.

Não me interessam muito os rótulos de género [literário], mas nas primeiras três ou quatro páginas [do livro] aparece “auto-ficção”, embora isso não seja a verdade absoluta do que aconteceu, em parte porque quis preservar a privacidade das pessoas, evitar uma postura de turista, não expor a cena. Mas nem tudo é recordado, por isso há momentos criados, que são reconhecíveis como coisas que acontecem nesse mundo.

Relativamente às pessoas que menciona no livro. Não as nomeia, mas identifica-as com letras do alfabeto. Essas pessoas conseguem reconhecer-se nas situações, se lerem o livro?

É engraçado, muita gente vem falar comigo e diz: “então, eu estou no livro, não é?” Eu digo que sim, mas nem sempre é verdade [risos]. Algumas das cenas eu mostrei para as pessoas [antes de publicar], só pra ver se era OK usar, e acho que ninguém quis alterar nada, mas eu queria garantir que ninguém se sentiria exposto ou se reconheceria demais. O livro já saiu em inglês há alguns anos e agora está em outros idiomas, e acho que muita gente reconhece as experiências, os detalhes, as situações como uma versão do seu mundo. E isso tem sido muito, muito bonito, porque o livro foi um presente, uma carta de amor para esse mundo que me acolheu, foi uma forma de eu retribuir. Com certeza haverá haters, mas tudo bem [risos].

As pessoas que retrata como menos desejáveis nas raves, os “co-workers” e todas essas categorias… Isso é algo que quem participa nas raves também descreve com esses termos? Esse vocabulário é usado pelas próprias pessoas?

Sim, esses termos já fazem parte do vocabulário comum, não fui eu que os inventei. Todos chamamos aos ‘gay circuits’ os ‘circuits’, e os ‘club kids’ são mesmo os ‘club kids’, portanto… Há uma certa comédia leve associada a esses tipos [de pessoas], e não é para ser… A questão dos ‘punishers’ é que todos nós já fomos o ‘punisher’ numa festa, para alguém. Mesmo com as melhores intenções, acabamos por incomodar alguém, por isso há uma comédia leve sobre todos esses tipos que encontramos. Outras pessoas provavelmente acham os ravers ridículos, não é? Só o facto de se ir à festa com roupa de ginásio e sapatos confortáveis [risos]. Provavelmente parecemos ridículos para outros grupos, mas a comédia está nos desejos contraditórios que cada pessoa leva para a pista de dança.

Mas isso também é uma forma de caracterizar uma comunidade, certo? Com todos esses contrastes, com essa comédia, com esses termos engraçados, consegue-se distinguir as pessoas. Torna-se possível dizer que há uma diferença entre este tipo de pessoas e aquele, e que isso se baseia na experiência que procuram. Isso também reflete a gentrificação de que fala no livro.

As minhas pessoas, dentro dessa matriz enquanto ravers… Nova Iorque é uma cidade grande, mas acaba por se conhecer toda a gente, de certa forma. Reconhece-se quem faz parte deste mundo, porque é um mundo pequeno. Há pessoas que vejo há cinco anos e ainda não sei o nome, mas tenho um conhecimento íntimo do corpo delas, pela forma como dançam e elas têm do meu, se tiverem interesse nisso. Isso baralha um pouco o que entendemos por intimidade, nesse sentido. Pode saber-se algo sobre a fisicalidade de alguém sem saber a sua profissão ou como se chama, porque isso, na verdade, não é assim tão importante. 

Um dos temas do livro é a gentrificação e a vida noturna é um dos seus componentes, mas é paradoxal, porque a gentrificação também acaba por destruir essa vida noturna. É aquilo que atrai atenção, depois essa atenção acaba por sufocar tudo. Acho que a cena de Brooklyn está, neste momento, incrível, mas provavelmente tem um prazo de validade. Há uma zona industrial leve em Brooklyn onde se realizam praticamente todas as festas. Estão todas concentradas numa área de dez quarteirões por dez quarteirões. Não há zonas residenciais ali. É tudo indústria leve, mas quando é que a cidade vai decidir que aquilo é um projeto imobiliário de mil milhões de dólares? Vê-se isso como o futuro, por isso somos uns ratinhos das raves, que brincam até os verdadeiros donos da cidade - o setor imobiliário e a polícia - decidirem que vão tomar conta de tudo.

Sente que isso é algo que está prestes a acontecer?

Não de forma imediata. Isto aplica-se a outras cidades também. O setor imobiliário comercial está em apuros, porque agora muita gente trabalha a partir de casa e há todos esses blocos de escritórios multimilionários que já não se conseguem alugar. Portanto, a certa altura, tudo isso vai mudar. Será que o futuro de Nova Iorque é transformar-se em Berlim, que é basicamente um clube noturno gigante, com algumas outras indústrias à volta? Esse é um futuro possível, em que a cidade se orienta mais para o lazer e menos para o trabalho de escritório, mas isso também seria mau para a cena raver, curiosamente. Não é um futuro que nenhum de nós deseje particularmente. Vai fazer subir as rendas e vê-se a cidade a tornar-se mais suburbana. Pessoas que querem viver como se estivessem nos subúrbios, mas dentro da cidade, percebe? Infelizmente, é o que está a acontecer.

Isso também é uma declaração política? Participar numa rave, mas fazê-lo apenas dentro dessa dinâmica suburbana?

Bem… Não me interessa muito o que as pessoas que vêm para a cidade querem. É tão engraçado, há festas em que, depois [de acabarem], vai-se à procura de um café e pensa-se: “mas que raio de bairro é este onde eu vim parar?”, “toda a gente veste tons terra, há cães em carrinhos de bebé, o café custa oito dólares, tipo… o que é isto?” [risos] Eu apareço com a minha namorada, estamos cobertas de suor, vestidas com trapos pretos, e olham para nós como quem diz: “quem raio são vocês?”

Vê-se a cidade a ser tomada por um modelo diferente, que não é aquilo que nenhum de nós quer, mas Nova Iorque é uma cidade grande. Tem mais população do que Portugal inteiro, por isso acaba-se por encontrar um canto diferente onde se pode viver e brincar.

No livro também fala da alienação como parte da experiência da rave. Não como algo essencial, mas como um complemento. Isso também é um elemento político?

Humm… não. Porque - e incluo-me nisto - é que as pessoas da classe média insistem que tudo seja sobre política? Porque é que essa é sempre a última categoria para tudo?

A cultura é poder, o quotidiano é poder. Há outras formas de poder, por isso fico um pouco relutante em reduzir tudo a essa linguagem, porque a questão é: política para quem? O que é política para as mulheres trans, que não têm realmente um lugar que possam chamar casa, a não ser a vida noturna?

Resistência, talvez?

Já nem sei se isso é útil hoje em dia. Há sempre uma linguagem herdada para estas coisas, mas e se olhássemos para o que as pessoas fazem e criássemos uma linguagem que crescesse a partir daí, e pensássemos a partir disso? Para mim, é mesmo importante que estejamos a construir algo a partir da vida noturna. Ela cria redes de pessoas, formas de ligação, mas… será que temos mesmo de importar uma linguagem e aplicá-la? E se pensássemos a partir do que as pessoas realmente querem, precisam e fazem?

Prefere não fazer isso, talvez também porque diz que o uso de drogas é diferente para cada pessoa?

Não quero nem celebrar nem patologizar o uso de drogas. Há toda uma forma de pensar que diz que os psicadélicos vão libertar-nos, e é muito… não sei… há sempre um plano de negócios no fim e isso não me interessa. Não há atalhos para a iluminação, lamento. Tem mesmo de se ler todo o Platão [risos].

Então não é a solução para a iluminação [esclarecimento].

Não é solução para nada. É só uma coisa que eu e os meus amigos fazemos. É tratada como parte da vida quotidiana. E pode ser um problema. Tenho amigos que têm dificuldades com isso. A [ketamina] é viciante, mas é uma droga popular entre pessoas trans. Isto já é quase um cliché, porque deixa de se sentir tanto a disforia no corpo. Tem qualidades específicas como droga de pista de dança. Muda a textura da pista, muda a música de formas interessantes. Quis descrever isso, mas não é uma apologia. Tenho muitos amigos que estão sóbrios e precisam de estar, e eu respeito isso.

Nem toda a gente gosta de [ketamina], há quem tome outras coisas. Acho que o álcool está sobrevalorizado como droga, e é por isso que não vou às festas antes da madrugada. Nessa altura, os que bebem já foram embora. O álcool é depressivo. Vai-se para casa, não se fica a noite toda, e provavelmente está-se a incomodar os outros enquanto se está lá, por isso… espero que essa parte passe e apareço mais tarde. Se alguém quiser beber, tudo bem, só que eu escolho não o fazer.

Então normalmente não bebe quando vai a raves. Prefere outras experiências.

É também uma questão de idade. Acho que chega uma altura em que se tem de decidir se se vai deixar de beber ou se se vai beber profissionalmente [risos]. Eu escolhi deixar mesmo.

Fotografia de Z. Walsh

Acha que o raving está a ganhar força por causa do estado atual do mundo? Não quero dizer que está a ficar popular, mas que está a recuperar uma nova comunidade por causa de todos os preconceitos que estão a regressar…

Acho que há várias dimensões nisso, e uma delas é talvez a ideia de que há uma forma de arte que consegue expressar melhor uma determinada época. Houve um período em que o cinema era a coisa mais importante, talvez nos anos 50 ou 60. O cinema europeu estava em ebulição, e depois surgiram outros cinemas pelo mundo a fazer crítica a isso.

Houve um momento em que o romance realista parecia uma novidade entusiasmante, no século XIX, e explicava tudo. Talvez a pista de dança seja a forma de arte através da qual se pode ler este momento do século XXI. Essa seria a grande afirmação do livro: [raving] é a forma de arte agora. A dimensão mais simples disso é que não se quer estar ao telemóvel. Basta andar por aí e isto é verdade até aqui [em Lisboa]. Como é que se anda por estas ruas de calçada a olhar para o telemóvel? Não faço ideia! Está-se mesmo a pedir para cair [risos]. Por isso, a pista [de dança]  reorienta os sentidos para o cinestésico e o háptico, num momento em que estamos todos obcecados com o que chamo de “media fidget”, a brincar com um objeto estúpido na mão. Talvez seja importante que esta seja a forma de arte que torna o momento legível.

Então ajuda a entrar em sintonia consigo própria.

Sim. E outra coisa é que isto já leva muitas décadas de formação, por isso não é algo novo, mas há uma consolidação de versões de sociabilidade e cultura queer, incluindo a centralidade da cultura da dança, que não funcionam necessariamente só para o corpo masculino gay. E eu adoro a cultura noturna masculina gay, mas não tenho lugar nela. Por isso, trata-se de me afastar disso e procurar uma definição diferente dos vários tipos de sexualidade e experiência queer que possam encontrar-se, relacionar-se e conectar-se.

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

7 Novembro 2025

Tempos livres. Iniciativas culturais pelo país que vale a pena espreitar

6 Novembro 2025

Ovar Expande: ser cantautor para lá das convenções

5 Novembro 2025

Por trás da Burqa: o Feminacionalismo em ascensão

3 Novembro 2025

Miguel Carvalho: “O Chega conseguiu vender a todos a ideia de que os estava a defender”

31 Outubro 2025

Tempos livres. Iniciativas culturais pelo país que vale a pena espreitar

29 Outubro 2025

Catarina e a beleza de criar desconforto

27 Outubro 2025

Inseminação caseira: engravidar fora do sistema

24 Outubro 2025

Tempos livres. Iniciativas culturais pelo país que vale a pena espreitar

22 Outubro 2025

O que tem a imigração de tão extraordinário?

17 Outubro 2025

Tempos livres. Iniciativas culturais pelo país que vale a pena espreitar

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Criação e Manutenção de Associações Culturais

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Financiamento de Estruturas e Projetos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

27 outubro 2025

Inseminação caseira: engravidar fora do sistema

Perante as falhas do serviço público e os preços altos do privado, procuram-se alternativas. Com kits comprados pela Internet, a inseminação caseira é feita de forma improvisada e longe de qualquer vigilância médica. Redes sociais facilitam o encontro de dadores e tentantes, gerando um ambiente complexo, onde o risco convive com a boa vontade. Entidades de saúde alertam para o perigo de transmissão de doenças, lesões e até problemas legais de uma prática sem regulação.

29 SETEMBRO 2025

A Idade da incerteza: ser jovem é cada vez mais lidar com instabilidade futura

Ser jovem hoje é substancialmente diferente do que era há algumas décadas. O conceito de juventude não é estanque e está ligado à própria dinâmica social e cultural envolvente. Aspetos como a demografia, a geografia, a educação e o contexto familiar influenciam a vida atual e futura. Esta última tem vindo a ser cada vez mais condicionada pela crise da habitação e precariedade laboral, agravando as desigualdades, o que preocupa os especialistas.

Carrinho de compras0
There are no products in the cart!
Continuar na loja
0