Nuno Cabral subiu ao palco principal do Jardim Fest no segundo dia do festival. Consigo, levou uma guitarra e músicas originais em português e inglês. Vive nos Açores e estudou Geologia em Coimbra. A música entrou na sua vida “mais tarde, há uns 12 anos. Na altura, tinha 27”.
O açoriano, que começou a carreira a tocar covers, descobriu o mundo musical num workshop no Teatro Micaelense, em Ponta Delgada. Rapidamente percebeu que queria fazer mais e, então, começou a escrever e a compor à procura de novos desafios. Neste momento, está a gravar um EP e conta lançá-lo ainda este ano. Depois de anos a tocar, considera que é difícil entrar no mundo da música e que os jovens agora têm mais facilidade em aprender esta arte.
Gerador (G.) – Olhando para o passado e futuro sentes que, por estares nos Açores, existem menos oportunidades na música?
Nuno Cabral (N.C.) – Não sei se há menos oportunidades. Há sempre a questão da insularidade e não podemos fugir dela. É mais fácil alguém que esteja, por exemplo, em Beja apanhar um comboio e meter-se em Lisboa ou no Porto. Aqui é mais difícil, mas é a realidade que nós conhecemos e que tentamos contrariar. Há essas dificuldades, mas se calhar no continente há outras. Não penso tanto nisso.
G. – Já pensaste em ir para o continente por causa da música?
N.C. – Não, nesta fase não. Nesta fase, eu penso mais em divertir-me, em escrever e em compor. É uma coisa recente na minha vida, é algo dos últimos quatro/cinco anos e é um desafio muito interessante e desafiante. Às vezes, é assustador e angustiante porque parece que estamos embrulhados num nó de fios, mas depois tentamos destrinçar esses fios e, quando chegamos finalmente à música, é muito satisfatório.
G. – Em que te inspiras para escrever?
N.C. – As minhas inspirações são as coisas que vou vivendo e já vivi. Vai ser difícil eu escrever a história de alguém, ou seja, ou conheço muito bem a história, ou não saberei escrever sobre isso. Passa muito pelas vivências e experiências da minha vida.
G. – Consideras difícil entrar na indústria musical?
N.C. – Sim, eu acho que sim. Um dos exemplos é nós vermos a quantidade de programas de talentos que existem nas televisões e depois ver quem realmente consegue sair dali e fazer alguma coisa. E mesmo aqueles que conseguem, há sempre um período em que saem da televisão e têm de fazer um percurso. No mundo da música, é preciso muita sorte e a sorte também se procura. Eu foco-me mais em escrever, compor e divertir-me em palco e, depois, nunca sei se, no meio de um converto com cinco pessoas, haverá uma que será o fator de sorte. Nunca se sabe.
G. – Como avalias o mercado nacional da música? Estamos bem servidos?
N.C. – Eu acho que nós estamos muitíssimo bem servidos. Mas mesmo muito. Têm aparecido coisas incríveis nos últimos anos. Dos últimos artistas que apareceram e que eu gosto imenso temos, por exemplo, os Capitão Fausto, o Salvador Sobral, a Luísa Sobral… e é tão bom ver que há espaço para os Ornatos Violeta voltarem e serem recebidos de braços muito abertos. Continua também a haver espaço para o grande Jorge Palma… mas há muita coisa a surgir. O próprio fado ganhou um novo impulso nos últimos anos. A música portuguesa nesse aspeto está muito boa. Agora, se tem o devido reconhecimento? Isso é outra história. Mas em termos de existência de artistas e músicos, está fantástica.
G. – Quais são as maiores dificuldades em ser-se artista?
N.C. – A dificuldade maior, muitas vezes, é conseguir conciliar a vida pessoal com a vida profissional. No meu caso, que tenho uma profissão das 9 às 17 horas, como se costuma dizer, para ensaiar e gravar o EP pode-se fazer em pós-laboral. Mas tudo isso implica sacrifícios por parte da família e compreensão nessas horas em que não estamos presentes.
G. – Sobre esse novo EP, queres adiantar mais alguma coisa?
N.C. – São quatro temas e nós começamos esse processo há já muito tempo. Entretanto eu já compus outras músicas que fico com a sensação de ‘esta se calhar deveria ter ido’, mas tentei arranjar quatro músicas o mais diferentes possível entre elas, para mostrar tudo aquilo que gosto de fazer e que as pessoas podem ouvir nos meus concertos. Vai ter quatro temas: duas músicas mais animadas, uma balada introspetiva… mas não sei classificar o que está ali. Prefiro muito mais que as pessoas ouçam. Não perco muito tempo a pensar no que está feito, até porque no próprio processo criativo nós estávamos num beco sem saída e sem saber que fazer numa das músicas. Mas bastou o Vasco carregar num dos pedais e rapidamente levamos a música para um ambiente que não estávamos à espera e fez todo o sentido. Essa imprevisibilidade é muito interessante. Gosto disso.
G. – Que conselho darias a quem está a começar a carreira?
N.C. – Que estudem e invistam muito em si. Vejam muitos concertos de outras pessoas, vejam como os artistas tocam, não para os copiar, mas para perceber como se faz. No meu caso, passei muito tempo a tocar covers. Isso ajudou-me a perceber que há muitos caminhos para onde ir e descobrir. Que se descubram a si próprios e o que gostam de fazer. Hoje em dia, temos uma geração privilegiada, com imensos tutoriais de como tocar, produzir… e tudo isso ajuda. Mas invistam na formação. Leiam e pesquisem muito.