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Entre a luz e a sombra da madeira: fotorreportagem de Manuel Malzbender sobre o artesão Antão

“A primeira imagem que me surge foi andar na rua onde vive o Sr. Antão…

Texto de Raquel Rodrigues

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“A primeira imagem que me surge foi andar na rua onde vive o Sr. Antão e não encontrar a porta. Ele já tinha informado, por telefone, que o endereço do Google maps não era o correcto. Depois ouvi o barulho rítmico de alguém a bater num pedaço de madeira, algures numa garagem aberta e pensei que só podia ser ele.”

O fotógrafo Manuel Falcão Malzbender realizou uma reportagem sobre Amável Antão, “Sr. Antão”, como chama, artesão de máscaras de careto, em Fevereiro de 2020, numa manhã muito fria, em que “tremia enquanto mudava as lentes”.

Manuel costuma viajar até à aldeia de Lagoa, no concelho de Macedo de Cavaleiros, em Trás-os-Montes, com alguma regularidade, por motivos familiares. Nas suas passagens pela aldeia, costuma fotografar os seus habitantes. Começou pela “artesã” D. Maria Luísa, a padeira de Lagoa. Deste trabalho, surgiu uma exposição, intitulada O Ciclo do Pão, que teve lugar na biblioteca de Macedo de Cavaleiros, onde Elisa Cepeda lhe indicou o Sr. Antão.

O fotógrafo deslocou-se até Bragança para olhar a forma emergindo de um pedaço de madeira, entre as mãos de um homem que viu “um pau muito engraçado no rio, trouxe-o para casa” e fez duas máscaras. “Mostrei aos meus amigos e eles não acreditavam que tinha sido eu. Comecei a fazer até hoje. Já fiz centenas e centenas de máscaras.” O sr. Antão trabalha no Museu do Abade de Baçal, em Bragança, e nunca havia realizado qualquer tipo de artesanato. Depois desta descoberta, a sua garagem tornou-se um espaço de trabalho, donde saem máscaras para todo o país, pois, para além de se destinarem a ser utilizadas pelos caretos da sua região, são procuradas por colecionadores. Apesar de ter passado a aceitar encomendas que, muitas vezes, estes últimos pedem, desejando reproduções de peças que encontram em museus, o artesão prefere criar.

Foi-lhe atribuída a carta de artesão e já expôs em Lamego, Valpaços, Miranda do Douro, na vila de Mogadouro e de Vinhais, entre outros. Tem sempre 60 ou 70 máscaras na sua casa, preparadas para exposições e para venda ao público. O sr. Antão, entre gargalhadas, partilha um momento, aquando de uma visita à sua garagem: “veio um casal espanhol comprar-me uma máscara.  Estava com dificuldade em escolher. E eu sempre lhes disse: ‘leve este diabo’. O diabo tinha cornos. E diz-me assim o homem: ‘esse nem dado quero, porque eu e a minha mulher, quando nos casámos, fizemos o acordo de que não entrariam cornos em casa'.”

Consoante os “bichos” esculpidos, geralmente serpentes e lagartos, o preço varia entre 80 e 400 euros e o período de escultura e pintura, entre dois e três dias. Manuel acompanhou este trabalho durante três horas, em que o maior desafio foi “tornar interessante um processo que é, essencialmente, uma pessoa sentada a esculpir um pedaço de madeira, sem se mexer e sem mudar de posição, trocando a ferramenta. Tentei utilizar várias distâncias focais, aproveitando a luz da entrada da garagem. Era uma luz de Inverno, das oito/nove horas da manhã.” Apesar deste objecto estar em sintonia com o contexto colorido a que se destina, o preto e branco, para o fotógrafo, “é uma forma de olhar para as coisas.” Além disso, “a fotografia é uma aproximação. O que me interessou não foi dar uma imagem realista das máscaras, mas o processo de esculpir de um pedaço de madeira, uma máscara, que acaba por ter um aspecto que quase não faz lembrar madeira”, acrescenta.

Esta iniciativa de Manuel Malzbender insere-se no âmbito do seu trabalho na Agência Calipo, um colectivo de fotógrafos, com linguagens, técnicas e influências muito distintas. Referindo-se à presente reportagem, diz entendê-la “como uma série para continuação. É um projecto que sinto como uma rampa para um conjunto de pessoas que ultrapassa muito o trabalho a que estamos habituados, porque é muito intenso, exige muita concentração, exige um certo conhecimento do material e da forma como a matéria pode ser abordada e convém ser abordada. Sinto uma enorme afinidade com esse processo, principalmente quando faço fotografia analógica, que é uma abordagem mais física. Tenho a impressão que cada vez mais pessoas sentem uma certa atracção por estes trabalhos que não são virtuais, mas reais, concretos.”

Ao longo desta semana, falamos-te um pouco mais sobre os caretos, tendo como ponto de partida a reportagem “Correm no tempo, tremem a terra e o presente tilinta”, publicada na Revista Gerador 30. Sabe mais sobre a Semana Temática dos caretos, aqui.

*Texto escrito ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1945

Texto de Raquel Botelho Rodrigues

Fotografias de Manuel Malzbender

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