É já esta sexta-feira, dia 10 de julho, que fica disponível o novo álbum Surdina, de Tó Trips, que é, simultaneamente, a banda sonora do novo filme homónimo de Rodrigo Areias, escrito por Valter Hugo Mãe. A banda sonora estava pronta desde o início do ano, mas a pandemia alterou os planos tanto do músico como do realizador, que só verá o seu filme nas salas de cinema a partir desta quinta-feira, dia 9 de julho.
A experiência de produção desta banda sonora não era nova para o músico português, que já por diversas ocasiões tinha trabalhado em projetos semelhantes, nomeadamente através dos Dead Combo. Numa semana marcada pela perda do maestro italiano Ennio Morricone, tão reconhecido pelas icónicas bandas sonoras que deixou, o trabalho de Tó Trips, mas também de outros músicos, ganha novos ecos no universo cinematográfico.
Nesta entrevista concedida ao Gerador, o guitarrista falou da forma como abordou este filme – através dos seus conceitos – para compor Surdina. Tó Trips falou ainda da incursão dos músicos portugueses nas bandas sonoras de filmes, de outras icónicas que acabam por influenciar o seu processo criativo e do regresso aos concertos ao vivo.
A edição do álbum, em formato digital e em vinil, pela editora independente Revolve, sai na mesma altura em que o músico fará alguns cine-concertos em diversas localidades no seu regresso à estrada depois de meses de paragem forçada por causa da covid-19. Um deles acontece já amanhã, dia 10 de julho, no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães.
Gerador (G.) – As bandas sonoras já faziam parte do teu trabalho, nomeadamente através dos Dead Combo. Como é que surgiu este desafio de sonorizar o novo filme do Rodrigo Areias?
Tó Trips (T.) – Sou amigo do Rodrigo há já uns anos. Costumo trabalhar com ele ao nível gráfico, criandoposterspara a produtora dele, a Bando à Parte. Ele também tinha sido o produtor do vídeo The Bunch of Meninos dos Dead Combo, realizado pelo Paulo Abreu. Entretanto, convidou-me para fazer esta banda sonora.
G. –Em 1958, o Miles Davis iria, de certa forma, revolucionar o processo criativo das bandas sonoras, ao criar de improviso, enquanto via o filme Ascenseur pour l'échafaud (Louis Malle, 1959), o scoring do mesmo. No caso do Surdina, podes explicar como é que foi o processo criativo por detrás deste conjunto de temas?
T. – Numa primeira abordagem faço sempre uma passagem pelo filme em modo de improviso, só para sentir ao nível sonoro o que pode sair, ou não. Depois, penso num tema que seja central do filme (genérico) e partir desse tema “conceito” avanço para outros na mesma linha. No fim, acrescento os ambientes, sinalizo e realço certos pormenores.


G. – As temáticas exploradas no filme – seja a velhice ou as memórias – acabaram por estabelecer uma relação natural com a tua música ou sentiste que foi necessário da tua parte um esforço maior para fazer encaixar as tuas ideias no filme?
T. – Foi relativamente simples! Eu componho à guitarra que é o meu instrumento. Normalmente, componho com acordes menores, não sei porquê, mas os tons menores passam sempre uma ideia de passado, memórias, nostalgia e foi por aí.
G. – Muitos músicos, inclusive do universo do rock, como por exemplo o Nick Cave e o seu companheiro de estrada Warren Ellis, têm aproveitado o desafio de criarem bandas sonoras para poderem explorar outras dimensões da sua música. No teu caso, sei que foi a primeira vez que tocaste piano. Até onde te levou este projeto nesse mesmo exercício de exploração musical?
T. – O desafio das bandas sonoras é o extravasar da tua zona de conforto! O que, neste caso, se deu mais ao nível da instrumentalização. É lógico que eu não sou pianista, longe disso, mas introduzi o piano porque me passa sempre a ideia de um instrumento clássico e daí associar à velhice. Não saí muito da minha zona de conforto ao nível de conceito (nostalgia, memórias), mas de instrumentos sim.
G. – Ao longo das décadas, a relação entre o cinema e as bandas sonoras teve os seus altos e baixos. Como é que olhas para esta relação e em que medida é que a música pode mudar a forma como o espectador recebe um determinado filme?
T. – A música, para mim, é aquilo que dá vida ao filme. É ela que faz realçar os pormenores. Existem bandas sonoras que ficam para toda a vida, como a do Cinema Paraíso, Padrinho e Era uma vez na América. São bandas sonoras icónicas que vivem até sem o filme! Gosto também das bandas sonoras do [Angelo] Badalamenti.
G. – Atualmente, são já muitos os realizadores que têm especial atenção na escolha dos artistas que compõem as suas bandas sonoras, provenientes de universos musicais cada vez mais abrangentes. No caso do cinema português, sentes que esse é um elemento ao qual já se dá a devida atenção?
T. – Sim, já se começa a ver um leque de músicos contemporâneos da nossa praça que são escolhidos para fazerem músicas para filmes, séries, etc. É o caso dos Dead Combo, em que fizemos a banda sonora da serie Sul do Ivo Ferreira, produzida pelo Edgar Medina, e também uma banda sonora para uma curta canadiana de animação de uma produtora independente de Vancouver que ia estrear na Monstra de 2020.
G. – Este projeto irá levar-te a fazer cine-concertos, uma tradição que tem vindo a ganhar mais público nos últimos tempos. Como olhas para a retoma deste tipo de iniciativas?
T. – Cine-concertos e esse tipo de formatos são coisas que me são bastante familiares, aliás, é coisa que faço há anos, desde os tempos do Sudwestern do Edgar Pêra, ou do On the road com o Tiago Gomes. Quem anda pelo circuito mais independente, sabe do que estou a falar! Acho que são formatos bastante interessantes, até porque eu não vou tocar tal e qual a banda sonora que fiz para o filme. Vou fazer uma outra versão ao vivo, dentro do mesmo conceito. Foi esse o deal e o compromisso de liberdadeque me foi dado pelo Rodrigo Areias. Por isso, cada sessão vai ser única!