fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Opinião de Sara Barriga Brighenti

Por um “lugar de fala”

A vida ensina-nos a ser cidadãos por via da experiência, aprendemos com quem nos é…

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

A vida ensina-nos a ser cidadãos por via da experiência, aprendemos com quem nos é próximo, ou, de outro modo, com quem nos marca em situações específicas, sobretudo quando nos ensinam a ter consciência de que toda a ação tem uma consequência, todo o gesto, na relação com o outro, tem uma intenção.

O facto é que aprendemos o que significa ser cidadão (ou sobre as formas de participar ativamente na vida pública), em diversos lugares e circunstâncias: seja modelando comportamentos, experimentando, dialogando e assim descobrindo o “outro” que nos habita, inquieta e questiona. A aprendizagem da cidadania, como da vida, não tem um botão para ligar e desligar. A cada momento “ensinamos e aprendemos”, não é uma escolha, é uma condição. 

É um facto que aprendemos muito com os professores, a família, os amigos... na rua, em casa, nas redes sociais, brincando, jogando, e sobretudo em situações de entreajuda, cooperando, desenvolvendo projetos, imaginando, desafiando, mas também em contextos de conflito ou através do erro.

José Pacheco, pedagogo fundador da Escola da Ponte, disse numa entrevista recente que “não aprendemos o que o outro diz, nós aprendemos o outro”[i]. Aprendemos através das atitudes as suas crenças e valores. Esta ideia coloca o foco sobre a responsabilidade do educador enquanto modelo, que não transmite aquilo que diz, mas aquilo que é.

De outro modo, também Paulo Freire reforça que “A educação é um ato político[ii], sublinhando que não há prática educativa indiferente a valores, inscrevendo neste pensamento a noção de que a educação tem uma intenção política, é uma prática democrática através da qual educadores e educandos tiram as vendas dos olhos para melhor verem a realidade. Neste sentido, a forma como ensinamos e aprendemos, as histórias que contamos e a forma como defendemos o seu valor são na sua génese atos políticos.

Justamente porque importa lembrar que para exercer uma educação para a cidadania a centralidade não pode estar tanto no “currículo” mas na pessoa, enquanto ser singular, é útil estabelecer à partida a igualdade que decorre da diversidade, sem preconceitos ou juízos que coloquem uns em frente de outros, mas para que se saiba reconhecer os valores intrínsecos de cada um como aspeto a preservar nessa relação de descoberta, inserindo cada ator no seu contexto particular, na sua comunidade de aprendizagem.

Assim, se a educação se centra no indivíduo - para que ele possa aprender e desenvolver-se de acordo com as suas necessidades e expectativas - é preciso diversificar os modos desse aprender: não podemos esperar que todos aprendam da mesma forma, ao mesmo tempo, com os mesmos recursos. Logo, o princípio de que partimos do mesmo lugar, ou que almejamos metas comuns, não é justo, porque não somos, nem nunca seremos, todos iguais. Aliás, não é demais repetir que a igualdade como fim é uma distopia e que a educação que persegue a homogeneidade tem uma visão totalitária.

No seu livro “O Mestre ignorante”, o filosofo Jacques Rancière afirma: “A igualdade jamais vem após, como resultado a ser atingido. Ela deve sempre ser colocada antes.”

Ora, se somos únicos e diversos por natureza, então também a educação, formal e não formal, os seus agentes, os recursos, as estratégias, devem representar e incluir várias visões do mundo, mostrando caminhos para o conhecimento e diferentes formas de trilhar esses caminhos. Não existe neste objetivo educativo, enunciado na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável – que preconiza a concretização efetiva de um desenvolvimento sustentável baseado em princípios de universalidade, inclusão, responsabilidade, interligação, paz, tolerância, multiculturalismo, cidadania e cooperação, com vista a fomentar a resolução de crises e conflitos, avanços na ciência e na tecnologia, diminuição de desigualdades, e proteção dos Direitos Humanos - um modelo exemplar a seguir, cada um terá que se capacitar para o efeito, de forma responsável e consciente. 

Impõe-se uma abordagem da educação que capacite os educandos para tomar decisões informadas e adotar ações responsáveis que assegurem a integridade ambiental, a viabilidade económica e uma sociedade justa para as gerações presentes e futuras.

Porque sabemos que os objetivos como estes são processos para além de serem fins, é preciso estarmos continuamente atentos aos modelos de escola, de museu, de comunidade educativa, e prevenir que os lugares onde se ensina e se aprende se fechem “dentro muros”, defendendo-se implicitamente de visões plurais e inclusivas, de outras formas de conhecimento, de outras mundivisões – e desta forma evitando o confronto com a diferença, revelando nessa atitude a incapacidade para incluir ou para acolher o que chega de fora, desses lugares “além muros”. Tudo isto nos alerta para os perigos da normalização excessiva, das verdades absolutas, do preconceito e do medo, porque estes são valores próprios de uma educação que exclui e categoriza. Como diz Jacques Rancière, que não emancipa, embrutece.

Quando as instituições educativas alinham a sua missão com as metas partilhadas de uma sociedade inclusiva e com os objetivos comuns de desenvolvimento sustentável; quando estas instituições se inscrevem num sistema, num território, numa comunidade, como entidades endémicas numa ecologia social, ficam certamente mais aptas a promover uma cidadania participativa.

A representatividade da diferença na educação exige a presença de vozes diferentes que ensinem a pensar e concedam lugares de fala[iii], introduzindo o conflito como estratégia positiva, o pensamento crítico, a escuta e a argumentação, o confronto com o desconhecido, a apreciação e a sensibilidade. Com responsabilidade e liberdade, demonstrando que as ações individuais têm impactos coletivos. Esse é o sentido da educação para a cidadania.

Sara Barriga Brighenti


[i] Entrevista a José Pacheco “aula não ensina, prova não avalia” in Revista Ensino Superior, RFM Editores , Brasil,

4 de fevereiro de 2020, acedido em  https://revistaensinosuperior.com.br/jose-pacheco-aula-nao-ensina/?fbclid=IwAR3Rd1-8JhPatAd1tqCJrWAmLKXelmqH1mRNktS0JPNmca_UhC1AU9LSA4k

[ii] Entrevista a Paulo Freire; "A educação é um ato político", in Cadernos de Ciência, Brasília, n. 24, p.21-22, jul./ago./set. 1991, acedido em http://acervo.paulofreire.org:8080/xmlui/handle/7891/1357

[iii] Segundo Djamila Ribeiro (2017) o lugar de fala confere uma ênfase ao lugar social ocupado pelos sujeitos numa matriz de dominação e opressão, dentro das relações de poder, ou seja, às condições sociais (ou locus social) que autorizam ou negam o acesso de determinados grupos a lugares de cidadania.

– Sobre Sara Barriga Brighenti –

Museóloga, formadora e programadora nas áreas da educação e mediação cultural. É subcomissária do Plano Nacional das Artes, uma iniciativa conjunta do Ministério da Cultura e do Ministério da Educação. Coordenou o Museu do Dinheiro do Banco de Portugal e geriu o programa de instalação deste museu. Colaborou na elaboração de planos de ação educativa para instituições culturais. É autora de publicações nas áreas da educação e mediação cultural.

Texto de Sara Barriga Brighenti
Fotografia de Ana Carvalho

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

10 Dezembro 2025

Dia 18 de janeiro não votamos no Presidente da República

3 Dezembro 2025

Estado daquilo que é violento

26 Novembro 2025

Uma filha aos 56: carta ao futuro

19 Novembro 2025

Desconversar sobre racismo é privilégio branco

5 Novembro 2025

Por trás da Burqa: o Feminacionalismo em ascensão

29 Outubro 2025

Catarina e a beleza de criar desconforto

22 Outubro 2025

O que tem a imigração de tão extraordinário?

15 Outubro 2025

Proximidade e política

7 Outubro 2025

Fronteira

24 Setembro 2025

Partir

Academia: Programa de pensamento crítico do Gerador

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Criação e Manutenção de Associações Culturais

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Curso Política e Cidadania para a Democracia

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Oficina Literacia Mediática

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Clube de Leitura Anti-Desinformação 

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Autor Leitor: um livro escrito com quem lê 

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Financiamento de Estruturas e Projetos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Oficina Imaginação para entender o Futuro

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

17 novembro 2025

A profissão com nome de liberdade

Durante o século XX, as linhas de água de Portugal contavam com o zelo próximo e permanente dos guarda-rios: figuras de autoridade que percorriam diariamente as margens, mediavam conflitos e garantiam a preservação daquele bem comum. A profissão foi extinta em 1995. Nos últimos anos, na tentativa de fazer face aos desafios cada vez mais urgentes pela preservação dos recursos hídricos, têm ressurgido pelo país novos guarda-rios.

27 outubro 2025

Inseminação caseira: engravidar fora do sistema

Perante as falhas do serviço público e os preços altos do privado, procuram-se alternativas. Com kits comprados pela Internet, a inseminação caseira é feita de forma improvisada e longe de qualquer vigilância médica. Redes sociais facilitam o encontro de dadores e tentantes, gerando um ambiente complexo, onde o risco convive com a boa vontade. Entidades de saúde alertam para o perigo de transmissão de doenças, lesões e até problemas legais de uma prática sem regulação.

Carrinho de compras0
There are no products in the cart!
Continuar na loja
0