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‘A ação climática é demasiado cara’: como a extrema-direita e as grandes empresas estão a instrumentalizar a instabilidade social

Partidos de extrema-direita e lóbis industriais por toda a Europa exploram a insegurança económica para minar as políticas climáticas, afirmando que é preciso escolher entre transição verde e justiça social. Mas investigadores sublinham que ambas são possíveis, nas condições certas

Texto de Stella Levantesi

Ilustração de Marina Mota

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Publicado originalmente a 24 de julho de 2025 no Voxeurop

Afirmação a verificar: “As políticas climáticas são demasiado caras” é um mantra reiterado no discurso político europeu, que procura enquadrar a transição ecológica como onerosa e indesejável. Alega-se que acarreta um peso ainda maior para a sociedade do que as consequências da inação, com acusações associadas de “elitismo” e um foco estrito nos custos de curto prazo.

Contexto: Investigadores verificaram que narrativas que destacam o peso da ação climática para a sociedade encontram particular receptividade entre pessoas com rendimentos mais baixos e em comunidades marginalizadas. No entanto, esse enquadramento pode também atrasar a ação climática e semear dúvidas sobre a viabilidade da mitigação. Num contexto de crescentes preocupações com a insegurança económica e física, narrativas que pressionam pela desregulação de indústrias poluentes alimentaram a ideia de que as políticas climáticas serão demasiado dispendiosas. Por exemplo, populistas têm explorado cada vez mais a resistência a políticas percebidas como “elitistas” em certas zonas rurais, onde as pessoas sentem que suportam o grosso do impacto das políticas climáticas.

Os europeus estão a “perder a fé” na capacidade dos governos de concretizar uma transição energética “justa e eficaz”, concluiu um estudo recente. Em toda a Europa, os cidadãos continuam a apoiar a ação climática, mas muitos sentem uma maior insegurança económica e física, agravada primeiro pela pandemia de Covid-19 e, depois, pela invasão russa da Ucrânia — tudo isto num contexto de crescente ascensão da direita e do populismo. Em particular, a investigação do think tank económico independente Bruegel concluiu que, em França, Itália, Alemanha, Suécia e Polónia, as incidências de negação e ceticismo climático são mais elevadas entre apoiantes de partidos de extrema-direita, apesar das diferenças no papel que desempenham nos cinco países.

Poucos partidos de extrema-direita negam abertamente as alterações climáticas, embora alguns, como a AfD na Alemanha, continuem a rejeitar a ciência de forma frontal. Mais frequentemente, estes partidos opõem-se a políticas climáticas invocando riscos económicos ou interesses industriais.

Em maio deste ano, Giorgia Meloni, do partido de extrema-direita Irmãos de Itália e primeira-ministra do país, declarou: “Disse muitas vezes que num deserto não há nada de verde.” E acrescentou: “Temos de combater a desertificação da indústria europeia.”

O Rassemblement National (RN) francês, partido de extrema-direita de Marine Le Pen, tem argumentado que a proteção ambiental penaliza o crescimento económico e chamou ao Pacto Ecológico Europeu um instrumento de “ecologia punitiva”.

Mensagens contra a ação climática: instrumentalizar a insegurança e a proteção social

A propaganda anti-clima muitas vezes não é sobre as alterações climáticas ou as políticas climáticas em si. “É uma ferramenta útil para polarizar contra uma elite científica considerada liberal e para mobilizar a oposição a políticas vistas como anti-mercado”, explica Alexander Ruser, professor do Departamento de Sociologia e Serviço Social da Universidade de Agder, na Noruega, e um dos autores do livro recente The Global Rise of Autocracy. “Isto liga-se ao facto de a rejeição das autoridades científicas estar a aumentar. As pessoas desconfiam das motivações dos políticos”, acrescentou.

Os estudos confirmam que, ao adotarem uma “postura adversarial”, os partidos radicais de direita politizaram cada vez mais as alterações climáticas como um “tema fraturante”, questionando o consenso dos partidos tradicionais e alimentando as preocupações dos eleitores face às políticas verdes.

Ruser afirma que a falta de fundamentos de justiça social no planeamento e implementação de políticas climáticas afetará desproporcionalmente quem não pode pagar a transição verde, tornando estas pessoas “alvos” de grupos políticos.

Contudo, se as respostas à crise climática também atacarem questões que pesam no dia a dia, como o custo de vida, é mais provável que tenham apoio popular, defendem especialistas.

Estas conclusões alinham-se igualmente com estudos que mostram como o público na Europa — e no mundo — continua a apoiar fortemente a ação climática, mas esse apoio deteriora-se perante a crise do custo de vida ou quando as políticas são percebidas como injustas.

“Quando [as políticas climáticas] não são concebidas com a justiça social como parte do plano, tornam-se muito fáceis de instrumentalizar contra a ação climática no sentido mais lato”, disse John Hyland, responsável de comunicação da Greenpeace Europa.

Embora a ação climática continue a ser prioritária para a maioria dos eleitores na Europa, os populistas tentam explorar o ceticismo em relação a medidas específicas, concluiu outra análise da Clean Energy Wire (CLEW).

Por exemplo, os populistas estão a “capitalizar” cada vez mais a resistência a políticas que são vistas como “elitistas” em algumas áreas rurais, onde as pessoas sentem que são elas a suportar o peso das políticas climáticas, afirmou Daphne Halikiopoulou, diretora da área de Política Comparada na Universidade de York, em entrevista à CLEW.

Segundo um estudo publicado em maio, agricultores em países “de elevado PIB” enfrentam uma pressão crescente por custos mais altos devido a regulações ambientais que, por sua vez, podem afetar negativamente a confiança e o apoio à ação climática. Esta crescente pressão sobre os agricultores, dizem os investigadores, foi um fator importante no contexto dos protestos agrícolas nos Países Baixos, Bélgica, França e Alemanha.

“Foi quando os protestos de agricultores começaram em França e se espalharam pela Europa que começámos a ver uma rutura na narrativa, virada contra a proteção climática e ambiental”, disse Hyland.

Confluência de narrativas da política e da indústria: “simplificação” e “competitividade”

Nos últimos anos, políticos a nível europeu também “imitaram” argumentos da indústria.

Num relatório de 2024, o grupo de investigação InfluenceMap identificou uma tendência de responsáveis políticos conservadores refletirem narrativas industriais sobre políticas europeias que regulam as emissões poluentes do setor agrícola.

“O Partido Popular Europeu (PPE) de Ursula von der Leyen adotou linguagem e posições semelhantes às promovidas pela indústria sobre temas como a guerra na Ucrânia, a segurança alimentar e a anti-regulação, bem como políticas específicas como a estratégia do ‘prado ao prato’ (farm to fork) e o quadro para sistemas alimentares sustentáveis”, disse Venetia Roxbourgh, gestora de programas sobre envolvimento empresarial em políticas climáticas na InfluenceMap.

Por exemplo, o PPE afirmou num comunicado de maio de 2023: “Apoiamos uma transição verde para o setor agrícola. Mas muitas das propostas legislativas apresentadas pela Comissão estão mal direcionadas e farão mais mal à nossa produção alimentar do que bem ao nosso ambiente. Além disso, à medida que as propostas se acumulam, o efeito combinado cria um fardo burocrático asfixiante.”

Estas narrativas alimentam a mensagem de que as políticas climáticas são um encargo, e também alinham com a tendência atual da UE para a “simplificação”.

“[A Comissão Europeia] tem sido muito clara: isto é ‘simplificação, não é desregulação’, e sinto que, sempre que dizem que não é desregulação, é cada vez mais convincente que é exatamente isso, e tanto mais me preocupa”, afirmou Silvia Pastorelli, responsável pela campanha de petroquímicos na UE no Center for International Environmental Law (CIEL).

A par da “simplificação”, o outro “grande mantra” na política europeia é a “competitividade”, disse Kenneth Haar, investigador e ativista em justiça económica e social no Corporate Europe Observatory (CEO), uma organização que denuncia a agenda política da UE como “uma campanha pela desregulação” por parte da indústria.

O termo “competitividade” surge 42 vezes no relatório da Comissão que delineia as orientações políticas de Ursula von der Leyen para os próximos cinco anos.

“[A atual agenda da UE] dá uma noção de onde estão as prioridades políticas face à legislatura anterior; claramente, o clima já não está a conduzir a agenda, por muitas razões. A competitividade é, neste momento, uma das principais prioridades”, disse Elisa Giannelli, responsável de programa para Economia Limpa e Política da UE na E3G.

A estratégia da UE também reflete a narrativa industrial de que “a política climática põe em risco a competitividade”, revelou outro relatório da InfluenceMap.

Associações empresariais que representam setores químicos, de construção e automóvel a nível da UE, assim como associações empresariais transversais que defendem interesses empresariais em países específicos da UE, incluindo Itália, Alemanha e França, opuseram-se a políticas usando argumentos que enfatizam o potencial impacto negativo das políticas climáticas na “competitividade” europeia, além de promoverem terminologia ambígua nas políticas para “deixar a porta aberta” à expansão dos combustíveis fósseis.

Por exemplo, a Confindustria, o MEDEF e a Airlines for Europe enfatizaram frequentemente a necessidade de proteger a “competitividade” ao pressionarem por políticas europeias mais fracas em matéria de preços do carbono e redução de emissões, destacou a investigação da InfluenceMap.

Numa conferência da Confindustria em maio, a primeira-ministra Giorgia Meloni afirmou: “É crucial para a competitividade de todo o sistema produtivo europeu ter a coragem de desafiar e corrigir uma abordagem ideológica da transição energética que causou enormes danos sem produzir os alegados benefícios ambientais.”

“A direita e a extrema-direita têm repetido as linhas de ataque de que a regulamentação equivale a custos elevados e, portanto, desregulação equivale a acessibilidade”, disse Pascoe Sabido, investigador e ativista em clima e lóbi no CEO.

“Num contexto de crise do custo de vida, quando famílias e pequenas empresas lutam para pagar as contas da energia, isto ressoa — mas é uma deturpação completa das origens dos custos elevados e de como, na verdade, a regulamentação pode proteger-nos de sermos ainda mais explorados pelas grandes empresas”, acrescentou.

Com base nas conclusões do IPCC, não há evidência de impacto da política climática na competitividade internacional até 2022.

“O poluidor é que recebe”

As grandes empresas têm sido um ator-chave na definição de iniciativas recentes da UE, como o Clean Industrial Deal (CID, ou Acordo Industrial Limpo), divulgado em fevereiro, que se centra nas indústrias com uso intensivo de energia e visa, entre outras coisas, baixar os preços da energia, impulsionar a procura de produtos de baixo carbono e financiar a transição limpa.

O plano assenta na Declaração de Antuérpia, um apelo subscrito por 73 empresas de vários setores — incluindo BASF, Bayer, Equinor e Shell — um ano antes da publicação do CID.

“Os industrialistas reuniram-se em Antuérpia. Fizeram um apelo muito claro à Comissão Europeia, dizendo ‘têm de apoiar mais a indústria’ […] e, até certo ponto, isso é compreensível: a transição verde tem muitos desafios […] por outro lado, é claramente uma iniciativa liderada pela indústria”, argumentou Pastorelli.

De acordo com o CEO, o CID é “um manifesto escrito por poluidores, para poluidores” e, em vez do princípio do “poluidor-pagador”, “prioriza o ‘poluidor-beneficiário’, deixando ao público a fatura enorme das consequências ambientais e de saúde da poluição química.”

“A proteção social é outro elemento que é constantemente um ponto fraco das políticas, em termos gerais. E não vimos realmente nada transformador no que toca a enfrentar esses desafios estruturais […] esperamos que surja noutras propostas [da UE] que aguardamos para este ano”, afirmou Giannelli, da E3G.

Defensores do clima e investigadores concordam, em larga medida, que políticas climáticas centradas na justiça social podem ajudar a combater a ameaça crescente de políticos que procuram opor-se à ação climática.

Segundo a E3G, a transição europeia está a desenrolar-se de forma desigual, com governos nacionais a privilegiarem frequentemente interesses de curto prazo em detrimento de uma abordagem coordenada a nível da UE. Além disso, a extrema-direita e interesses instalados usam tensões sociais e questões socioeconómicas “para minar a transição verde.”

Na Alemanha, por exemplo, o desencanto com a política permitiu que populistas desafiassem e enfraquecessem visões dominantes, incluindo sobre as alterações climáticas.

Narrativas que alimentam a ideia de que as pessoas suportarão o peso das políticas climáticas ignoram ativamente que a política climática pode — e deve — alinhar-se com a proteção socioeconómica.

As políticas ambientais precisam de considerar os impactos sociais e económicos na sociedade para garantir equidade e proteção de todas as partes durante a transição para uma economia mais verde e limpa, sublinhou um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Sem estas considerações, as políticas podem deixar para trás as partes mais vulneráveis da população.

Políticas climáticas equitativas e redistributivas podem reforçar a inclusão social, protegendo os agregados familiares mais vulneráveis, de acordo com outra análise do Conselho Nacional das Políticas de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social (CNLE), em França. Outra investigação da E3G na Dinamarca e na Polónia mostra que é viável proporcionar habitações que sejam simultaneamente acessíveis e sustentáveis.

“Em regiões que não têm capacidade humana para gerir, com frequência, a transição energética e financeira, os esforços para uma economia mais limpa já estão a revelar-se benéficos”, disse Giannelli. “O clima pode fazer parte da solução para enfrentar todos os desafios.”


Este artigo foi produzido com o apoio do European Media and Information Fund (EMIF). Pode não refletir necessariamente as posições do EMIF e dos Parceiros do Fundo, a Fundação Calouste Gulbenkian e o Instituto Universitário Europeu. A responsabilidade exclusiva por qualquer conteúdo apoiado pelo European Media and Information Fund é do(s) autor(es) e pode não refletir necessariamente as posições do EMIF e dos Parceiros do Fundo, a Fundação Calouste Gulbenkian e o Instituto Universitário Europeu.

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