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Opinião de Shenia Karlsson

A mulher e o etarismo

Homem: Olá, como estás?Mulher: Estou muito bem, e tu?Homem: Muito bem também. És tão bonita!…

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Homem: Olá, como estás?
Mulher: Estou muito bem, e tu?
Homem: Muito bem também. És tão bonita! Esta sua foto é recente? Qual é a sua idade?
Mulher: Sim, a foto é recente, ora bolas. Por que perguntas?
Homem: Sabe como é, muitas mulheres usam fotos antigas, daí quando encontramos é tão diferente. Estás gira para sua idade, muito bem cuidada!
Mulher: Mas homens também usam fotos antigas.

(conversa num aplicativo de encontros).

Leitores, neste mês em que comemoramos o Dia Internacional da Mulher, resolvi abrir um espaço para pensarmos sobre um conceito em Diversidade & Inclusão, o ETARISMO. Pretendo afunilar o debate pois, falo a partir de minha experiência enquanto psicóloga clínica, profissional acolhedora de relatos similares no que concerne as dificuldades da mulher no mercado afetivo na medida em que sua idade avança, e consequentemente, sua solidão e exclusão.

Este é um tipo de discriminação que atinge as mulheres de forma cruel. Em termos gerais, a forma como o Ocidente construiu seus modelos de sujeito, cristaliza a narrativa da eterna juventude como um ideal capaz de movimentar o mercado bilionário do belo, do jovem. A velhice é geralmente encarada como uma etapa esvaziada, sem funções, incapacitante e limitadora. Tende-se a não enxergar beleza e valor na velhice. Os primeiros sinais são fortemente rejeitados, especialmente quando o corpo é feminino, tanto pelo social quanto por milhares de mulheres pelo mundo, sujeitadas a assimilar tais crenças com a ilusão de manter a qualquer custo algum reconhecimento e evitar rejeição.

O ETARISMO é composto por um conjunto de estigmas acerca do envelhecimento e com certeza atinge as mulheres com muito mais violência do que os homens, são elas as primeiras a perder capital social. Dizem por aí que os 30 é o novo 50, será?! Decerto, a taxa de longevidade na Europa aumentou, as mulheres por exemplo, estão no topo das pesquisas oficiais embora sejam as que mais sofrem com a solidão, a viuvez, a solteirice com filhos, a pobreza, o abandono e a precarização da vida. (Fontes: INE; Eurostat; PORDATA; Segurança Social)

“Estou velha e nunca vivi uma relação formal, quando digo minha idade eu fico constrangida porque tenho total consciência que não posso competir com uma jovem de 25 anos, homens gostam de mulheres jovens. Eu olho no espelho é tanta coisa que incomoda. Sinto-me péssima, triste”. A, 46 anos, solteira.

Pesquisadora e docente no programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM, a brasileira Gisela Castro em entrevista para a revista Marie Claire, discorre sobre IDADISMO e dos perigos de uma nova tendência no processo de envelhecimento, “a velha juvenil”. Ela reitera sobre como a mulher angaria prejuízos devido “ao olhar social que a torna velha bem mais cedo do que os homens”. Este fenômeno produz um impacto na autoestima das mulheres e provoca sentimentos de não valia, experiências de rejeição, sentimentos de inadequação e a sensação de não ser merecedora de amor caso atinja uma certa idade. Nessa corrida contra o tempo, existe o mercado da promessa da juventude prolongada, cada vez mais popular quando pensamos nas práticas atuais de autocuidado das mulheres.

“No começo ele era carinhoso, sempre me elogiava. No início achei ele jovem demais para mim embora ele sempre repetisse “idade não quer dizer nada”, “você é linda”. Eu me cuido muito, dificilmente as pessoas acertam minha idade. Com o passar do tempo ele tornou-se abusivo, exibia comportamentos desrespeitosos. Decidi terminar a relação, a primeira ofensa que ele proferiu foi “sua velha! Eu deprimi. Estou sozinha desde então”. R, 51 anos, divorciada.

A Psicanalista e autora Maria Rita Kehl, em seu livro “Deslocamentos do feminino” questiona o olhar da psicanálise sobre a mulher enquanto primeiro objeto de estudo e fundadoras da Psicanálise. Um conglomerado de imagens e representações impostas na construção de uma identidade feminina única, inaugurada pela transição da mulher na sociedade burguesa, na Revolução Francesa e na Revolução industrial no século 19. A autora destaca a necessidade da formatação de uma “natureza feminina” enquanto uma prática de silenciamento e expulsão das mulheres do espaço público e político. Tal construção baseia-se em tensão, sensualidade, amorosidade e sensibilidade como características intrínsecas das mulheres: jovens instáveis emocionalmente e mulheres casadas e frígidas. Onde estava a mulher mais velha nessa história?

Podemos arriscar dizer que, tais discursos direcionam ainda a experiência feminina apesar de tantas mudanças. No que tange mulheres mais velhas, ainda hoje são vistas como frígidas com a entrada da menopausa, a perda da capacidade reprodutiva como um defeito e os efeitos do envelhecimento do corpo como inaceitáveis. Como podemos combater tudo isso? Um bom início seria repensar o quão nocivo é a desvalorização da experiência, da sabedoria em detrimento de ideais impossíveis de alcançar. No Budismo existe o que eles nomeiam dos quatro sofrimentos inerentes a condição humana: o nascimento, o envelhecimento, a doença e a morte. Realidades intransponíveis. Envelhecer bem demanda amor próprio, autocuidado, equilíbrio físico e mental, e acima de tudo honrar a própria história. Mulheres realizadas costumam estar em paz com suas trajetórias e envelhecem sem a sensação de que a vida lhe deve algo. Apesar da realidade ser injusta para todas nós, especialmente quando não desfrutamos da tão idealizada juventude, é sempre tempo para nos defender e co-criar nossas próprias realidades. Vamos celebrar todas as formas de ser mulher?

- Sobre a Shenia Karlsson -

Preta, brasileira do Rio de Janeiro, imigrante, mãe do Zack, psicóloga clínica especialista em Diversidade, Pós Graduada em Psicologia Clínica pela PUC-Rio, Mestranda em Estudos Africanos no ISCSP, Diretora do Departamento de Sororidade e Entreajuda no Instituto da Mulher Negra de Portugal, Co fundadora do Papo Preta: Saúde Mental da Mulher Negra, Terapeuta de casais e famílias, Palestrante, Consultora de projetos em Diversidade e Inclusão para empresas, instituições, mentoria de jovens e projetos acadêmicos, fornece aconselhamento para casais e famílias inter racias e famílias brancas que adotam crianças negras.

Texto de Shenia Karlsson
Fotografia de Maria Vasconcelos
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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