No dia de São Pedro refletimos sobre o que são os “Santos Populares” e de que forma os arraiais citadinos – sobretudo os de Santo António em Lisboa e de São João no Porto – contribuem para a história gastronómica do país.
Em primeiro lugar deve reconhecer-se que a celebração do solstício de Verão, exatamente a 21 de junho, sempre foi um dos pontos mais importantes do ano solar, aqui na Europa (e não só). Uma celebração histórica e referenciada na literatura, mas também proto-histórica, amplamente reconhecida como fazendo parte da herança e da memória dos povos que habitaram a nossa terra – Culturas pré-históricas, Fenícios, Cartagineses, Romanos, Celtas e Iberos, Lusitanos.
Saltar a fogueira e soltar balões com luzes são (podem ser) alternativas mais modernas e práticas para simbolizar o irromper das horas de sol pelo período que até então era noturno. O triunfo da Luz sobre as Trevas.
Celebrar Santo António e São João como “casamenteiros”, e Santos muito dados a proporcionar certo tipo de “convívio”, poderá estar relacionado com os ritos de fertilidade, e com o despertar primaveril do solo para colheitas fartas.
O significado da dança seria também celebrar ou encorajar a fertilidade, onde a árvore ou o poste (maypole) em redor do qual se dançava podia ser considerado um símbolo fálico, masculino, enquanto as flores (manjericos) e fitas são símbolos femininos.
Evidentemente que sendo o português como é, a dança tinha de ser complementada por uma mesa recheada. Ainda hoje (diria que sempre) não há verdadeira festa popular sem comes e bebes a preceito.
Na província os homens aproximavam-se das mesas e balcões da romaria, enquanto que as mulheres se dirigiam ao local da devoção ao Santo. Normalmente o ponto de encontro de todos era o terreiro do bailarico, onde alguns entravam já relativamente “orientados” pelas malgas de vinho verde. Claro que tinham sido bebidas só para ver se o vinho merecia estar ali para louvar a ocasião.
Por que motivo os Santos Populares são hoje o momento de provar as primeiras sardinhas do ano, assar os pimentos da época, e brindar com um vinho verde tinto?
“Popular” significa mesmo isso. Celebrar com secos e molhados que estivessem ao alcance de todos, ricos e pobres, lavradores ou trabalhadores agrícolas, mestres de traineira ou pescadores.
E poucas alternativas seriam em Portugal tão “democráticas” como a sardinha – considerada desde tempos medievais como o pão do mar português.
Segundo Álvaro Garrido, Professor da Universidade de Coimbra, autor de “Fainas Épicas do Mar Português” e “A Epopeia do Bacalhau”, para a editora especializada dos CTT – existem registos ancestrais arqueológicos em Portugal que evocam métodos milenares de captura e conserva de sardinha, especialmente do período romano.
E refere o mesmo especialista ”a abundância deste peixe, a extensa linha de costa e a tradicional afinidade para as artes de pesca criaram em Portugal condições favoráveis ao consumo generalizado deste alimento”.
O que se podia dizer da sardinha em junho? É que era muita, e muito boa e muito barata.
Hoje talvez já não seja tanta, nem tão barata assim… Mas fica o peso da tradição.
E para quem não vai à bola com a sardinha (apóstatas, hereges e semelhantes), lá estará sempre o caldo verde com o chouriço assado ao lado.
Uma coisa é certa e gravada no património da sabedoria popular:
“Quem com a sardinha beber água fica triste para sempre”.
Tenham em atenção. Para sempre é muito tempo.
- Sobre Manuel Luar -
Manuel Luar é o pseudónimo de alguém que nasceu em Lisboa, a 31 de agosto de 1955, tendo concluído a Licenciatura em Organização e Gestão de Empresas, no ISCTE, em 1976. Foi Professor Auxiliar Convidado do ISCTE em Métodos Quantitativos de Gestão, entre 1977 e 2006. Colaborou em Mestrados, Pós-Graduações e Programas de Doutoramento no ISCTE e no IST. É diretor de Edições (livros) e de Emissões (selos) dos CTT, desde 1991, administrador executivo da Fundação Portuguesa das Comunicações em representação do Instituidor CTT e foi Chairman da Associação Mundial para o Desenvolvimento da Filatelia (ONU) desde 2006 e até 2012. A gastronomia e cozinha tradicional portuguesa são um dos seus interesses. Editou centenas de selos postais sobre a Gastronomia de Portugal e ainda 11 livros bilingues escritos pelos maiores especialistas nesses assuntos. São mais de 2000 páginas e de 57 000 volumes vendidos, onde se divulgou por todo o mundo a arte da Gastronomia Portuguesa. Publica crónicas de crítica gastronómica e comentários relativos a estes temas no Gerador. Fez parte do corpo de júri da AHRESP – Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal – para selecionar os Prémios do Ano e colabora ativamente com a Federação das Confrarias Gastronómicas de Portugal para a organização do Dia Nacional da Gastronomia Portuguesa, desde a sua criação. É Comendador da Ordem de Mérito da República Italiana.