Há década e meia que a definição de um museu não era revista, ainda que, nestes quinze anos, muito tenha mudado no mundo. No final de agosto, o Conselho Internacional de Museus (ICOM) decidiu, por isso, refletir essa transformação no seu entendimento das instituições em causa, passando a incluir nomeadamente os conceitos de sustentabilidade, diversidade e acessibilidade. “A revisão é um exercício saudável, [porque] obriga ao questionamento sobre o que somos, o que fazemos e porque o fazemos”, sublinha, assim, a investigadora Ana Carvalho. “A nova definição reforça a dimensão de serviço à sociedade”, acrescenta, por sua vez, a presidente da direção do ICOM Portugal, Maria de Jesus Monge.
Com 92 % dos votos, a assembleia geral extraordinária do ICOM aprovou, no final de agosto, a nova definição de museu, estabelecendo que se trata de uma “instituição permanente, sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade, que pesquisa, coleciona, conserva, interpreta e expõe o património material e imaterial”. “Os museus, abertos ao público, acessíveis e inclusivos, fomentam a diversidade e a sustentabilidade. Os museus funcionam e comunicam ética, profissionalmente e, com a participação das comunidades, proporcionam experiências diversas de educação, fruição, reflexão e partilha de conhecimento”, afirma ainda o novo entendimento.
Pela primeira vez, passam, deste modo, a estar em destaque conceitos como sustentabilidade, inclusão, diversidade e acessibilidade, os quais já “estavam subjacentes”, garante Maria de Jesus Monge, mas que importa agora realçar de forma expressa na definição, tendo em conta que ainda “existe um caminho a percorrer” na sua tradução no terreno. “Pretende-se que os museus reforcem o seu papel, não apenas nas dimensões mais habituais de agentes ativos de recolha, conservação, produção e comunicação de conhecimento, mas sobretudo na dimensão de agentes de consciencialização e dinamização social”, salienta a responsável.
Também Ana Carvalho, da Universidade Évora, entende que os conceitos agora incluídos já tinham alguns reflexos práticos, mas avisa que “o mundo dos museus é muito desigual e diversos”. “Convivem diferentes velocidades”, observa, defendendo que a integração desses novos pontos na definição pode “ajudar a colocar em ação” essas temáticas, em certos contextos e para “muitos museus”.
É que, sublinha, “a definição de museu do ICOM tem sido ao longo dos tempos um referencial, atendendo à notoriedade e prestígio do ICOM, que agrega a maior comunidade de profissionais e de museus do mundo”. E acrescenta: “É a definição de museu mais difundida internacionalmente. Por essas razões, é com frequência fonte de inspiração, por exemplo, para pensar ou repensar as legislações nacionais.”
Por outro lado, Ana Carvalho enfatiza que a nova definição de museu pode ser até “inspiracional”, além de servir potencialmente como uma “ferramenta importante” para os profissionais chamarem a atenção das tutelas “para o que o museu pode ou não ser”.
No terreno, Joaquim Caetano, diretor do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), confirma que a definição em causa orienta o trabalho que é feito nestas instituições, ainda que cada uma tenha especificidades. “O Museu Nacional de Arte Antiga tem como missão o conhecimento, a exposição e usufruto do património cultural como museu de referência nacional. A sua prática é norteada pela definição de museu aprovada pelo ICOM, mas está condicionada às próprias especificidades administrativas, financeiras e de enquadramento legal, como museu tutelado pela Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), dentro das atribuições legais que lhe foram atribuídas”, pormenoriza.
No entender deste responsável, a mudança na definição que agora recebeu “luz verde” era necessária, destacando-se como positiva a incorporação do património imaterial, mas também a “referência expressa” à acessibilidade, inclusão, sustentabilidade e diversidade. “A definição é em si mesma reflexo das preocupações e das situações existentes. Mas as situações são também muito diferentes, conforme os museus. Um museu de uma pequena comunidade incorpora mais diretamente os contributos dessa comunidade do que um museu nacional, por exemplo”, ressalva.
Já Emília Ferreira, diretora do Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC) afirma que a mudança aprovada é “subtil”, mas “revela uma crescente preocupação com o papel de intervenção social que os museus têm”. “Não é demais reforçar [essa dimensão], sobretudo num contexto em que o próprio tecido social se tem alterado, complexificado e exigido novas respostas”, sublinha.
No caso do MNAC, a responsável assegura que “não é de hoje” a aposta no diálogo com a comunidade, com os demais museus e com as instituições, como escolas, bibliotecas e teatros. “O maior problema prático continua a ser a falta de recursos humanos e financeiros”, admite Emília Ferreira. Além disso, a esse obstáculo, soma-se um outro: “um alto nível de analfabetismo”, que fez com que nunca se tenham criado hábitos muito regulares de consumo a este nível. “Isso faz com que muitos continuem afastados dos museus, por considerarem que não é para todos”, lamenta.
Neste cenário, a diretora do MNAC deixa uma mensagem clara: uma comunidade só existe quando “todos participam”. Ou seja, o reforço da ligação à comunidade agora subentendido na nova definição de museu não depende apenas das instituições, declara. “É difícil ser-se ouvido, quando o ruído à nossa volta apaga a nossa voz”, observa Emília Ferreira. “O entretenimento e o desporto têm um tempo de antena que os tornam crescentemente populares. Não se faz isso com a cultura, nem com a ciência. Toda a gente sabe porquê. É preciso inverter o valor comunicacional e criar a necessidade de consumo cultural nas populações”, apela.
Isto até porque, nas palavras da presidente da direção do ICOM Portugal, os museus preservam a capacidade de “construir narrativas plurais”, que são fundamentais sobretudo em momentos de “rápida evolução e transformação”. “Uma das mais importantes funções do museu é o desenvolvimento de uma cidadania ativa e empenhada, inclusiva e sustentável, que promove o bem-estar de todos, sem exceção”, remata Maria de Jesus Monge.