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Alexander Search: a banda de rock à beira rio plantada

“Far away, far away/ Far away from here” o palco é invadido por tons de…

Texto de Andreia Monteiro

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“Far away, far away/ Far away from here” o palco é invadido por tons de vermelho e amarelo. Augustus Search alterna a sua mestria entre o piano e o teclado. Marvel K. exibe a sua guitarra cortante e espacial à medida que se balança para a frente e para trás ao som da música, enquanto a sua mão direita alterna entre acordes freneticamente. Sgt. William Byng marca a batida da música com a cabeça enquanto fita o computador. Benjamin Cymbra afasta-se do microfone e, saltitando, dirige-se para o fundo do palco, saindo de cena. De repente, um foco de luz recai sobre William e inicia-se um solo elétrico e contagiante. De seguida, o foco é partilhado com Marvel K. A eles junta-se Mr. Tagus que contagia a plateia com a sua energia na bateria. Benjamin volta para se juntar à festa, “este é o melhor público deste país! Não se iludam, eu digo isto em todos… Estou a brincar!”. Assim fluía, já na segunda música, o concerto dos Alexander Search de dia 14 de julho, na Casa da Música.

Alexander Search é uma banda de língua inglesa que deu os primeiros passos na África do Sul. No entanto, só quando os músicos se reencontraram em Lisboa é que a banda ganhou força bebendo inspiração deste “paraíso à beira mar plantado”, como dizia Fernando Pessoa. Numa música que não se confina a um só género, misturando influências indie-pop, música eletrónica e rock, a maioria das letras foi escrita pelo falecido Alexander Search (heterónimo inglês de Fernando Pessoa). Foi a admiração que os restantes membros da banda sentiam por este jovem amigo que os fez pegar nas suas letras e dar-lhes uma melodia. Deste modo, estes são poemas de armário, explica Benjamin Cymbra, porque foram escritos aquando da adolescência de Fernando Pessoa, entre os seus 18 e 23 anos.

Ao som de Comedy, que Benjamin revela ser a “reflexão do Alexander Search sobre a máscara da comédia”, o palco é tingido de tons rosa arroxeados. Após um solo da eletrónica, a bateria ganha voz com o bam bam bam bam bam de Mr. Tagus, que Augustus diz ser detentor de uma história muito bonita.

Mr. Tagus

Mr. Tagus começa por revelar que foi criado, desde menino, de porto em porto. “O meu pai era estivador, andava nos barcos, carregava as mercadorias. Eu andava com o gajo, nem sei quem era a minha mãe. Nem me lembro”. Não tem uma ideia precisa de onde nasceu, e cedo perdeu também o pai, por volta dos seus treze ou catorze anos. No meio de tudo isto confessa que conheceu os amigos que hoje fazem parte da banda, mas já não sabe onde. Eis que Marvel K. intervém para o lembrar que foi em Durban. “Exatamente, estou a lembrar-me agora. Foi naquele café ao pé do porto, não é? Como é que se chamava? Era ali na esquina”. Desta vez, é Augustus que dá uma ajudinha para avivar a memória, confessando por entre risos que o bar se chamava The Lonely Bar. “Às tantas foi engraçado. Nós estivemos lá todos e fizemos assim uns ensaiozitos com aquelas cenas do tocas e tal. Depois encontramo-nos cá em Lisboa. Eu chamo-me Mr. Tagus, porque quando eu cheguei cá a Lisboa, olhei para o porto de Lisboa e para o rio e senti uma cena incrível. Tagus significa Tejo, como o rio. Senti-me como se tivesse nascido cá e que a minha mãe estava ligada a Lisboa, estás a ver? Daí Mr. Tagus. Foi o único porto da minha vida em que eu senti, epah parece que eu estou em casa!”, continua Tagus a contar. Perante tal narrativa Augustus não consegue conter a admiração por esta história lançando uma exclamação entusiasmada, “bem bonito!”.

Segue-se Marvel K, que começa por comentar que foi o último a entrar no grupo, uma vez que apenas conheceu os companheiros em Lisboa. “Sou filho de emigrantes alemães que emigraram para o sul da Austrália. Vivi no sul da Austrália até à minha juventude. Depois vim para Lisboa, conheci estes amigos e comecei a tocar com eles a convite do Augustus Search”.

Marvel K. 

Esta história surgiu como pretexto para que Mr. Tagus confessasse ter sido em Lisboa que se endireitou, muito em parte devido a estes seus amigos. “Era um gajo um bocado problemático. Não conhecia a minha mãe, o meu pai morreu cedo, comecei a ver-me em lutas e na maior parte delas estava bêbado…”. Lutas essas que Marvel K. chegou a acompanhar, partilhando que o amigo era um “grande boxeur”. Mr. Tagus acrescenta que teve de levar os dentes da frente novos, “vocês chegaram a conhecer-me lá na África do Sul com um dente de prata?”. Perante esta pergunta nenhum elemento da banda consegue conter o riso e é Augustus que admite que teria gostado muito de o conhecer nessa altura. No entanto, Tagus levou um murro numa luta em Lisboa e perdeu o dente. Mas nada temam, porque é o próprio quem diz que “foi em Lisboa que eu me endireitei e também graças a esta banda pah. Obrigado!”.

Chega a altura de Sgt. William Byng se apresentar. O ex-sargento William Byng é um heterónimo que surge nas primeiras novelas policiais - “detective stories” - escritas por Fernando Pessoa ainda em Durban, provavelmente inspiradas pelas obras de Conan Doyle. Byng é um detetive inglês e uma personagem algo trágica. Com uma vida marcada pelo alcoolismo e pela desistência, é também um homem com um raciocínio excecional, filósofo, sonhador, mas reservado e sem interesse pela vida mundana.

Sgt. William Byng

Nasceu no Canadá, chegou, por acaso, ao serviço militar e, de maneira ainda mais imprevisível, à patente de sargento. “Estava num posto ligado às comunicações no Canadá, em comunicações por rádio, satélite. Passava longas horas numa sala rodeado de máquinas a fazer transmissões e experimentações sonoras. Um dia, no turno da noite, escutei um som que nunca tinha ouvido antes. Algo em mim se quebrou ao ouvi-lo. Larguei tudo e ando a percorrer o mundo à procura disso. Mas era um som muito parecido com aquilo que eu oiço, por exemplo, quando vou à foz do Tejo e oiço a água nas margens do rio. Fez-me lembrar isso, não sei porquê. E eles têm de me aturar, porque eu às vezes estou assim um bocado fechado no meu mundo à procura desse som”. Conta que foi a viagem numa busca obstinada por este som que o levou até Durban, onde se juntou aos Alexander Search. Toda esta experiência levou a que se tornasse num homem introvertido, rígido e complexo, que muitas vezes está fechado no seu próprio mundo. Mas não se enganem, porque é Benjamim quem diz em tom de troça que Byng está na “eletrónica, e às vezes no Facebook”. Porém, a vinda para Lisboa aproximou-o do seu objetivo. “Nas margens do rio Tejo, onde muito se encontra, parece-me por vezes escutar de novo o mítico som, embrulhado na estática das ondas hertezianas e no burburinho da cidade, de forma algo indefinida, como a espuma numa onda”.

Os poemas cantados por Benjamin Cymbra são também um sinal de emancipação, inocência e rebelião de um jovem poeta. Mais do que um concerto, este é um espetáculo que não carece de elementos cénicos e performativos que convidam a plateia a mergulhar na narrativa. Eis que Benjamin introduz a música que para ele “é o melhor casamento que temos aqui entre música e poema”- Regret. Mas será que a inocência volta, pergunta ainda ao público. Mr. Tagus lança umas maracas na direção de Benjamin, que é transportado para os tempos de infância indo brincar com o público, onde escolhe um amigo a quem empresta essas mesmas maracas. Finda a música, termina também a partida e este vai pedir de volta as maracas ao recente amigo, agradecendo com uma voz fina e doce de criança.

Benjamin Cymbra

Benjamin Cymbra nasceu na África do Sul, mas muito cedo foi para os Estados Unidos. Ele era uma menina, mas não se sentia bem no seu corpo. Como na África do Sul não encontrou solução para esse sentimento inquietante, viajou até aos Estados Unidos onde conseguiu fazer a transformação. É possível que este seja até um amigo próximo de Salvador Sobral, ou pelo menos que esse cantor tenha alguma admiração pela história de Benjamin, ou não fosse o mesmo cantar uma música, com letra do próprio e música de André Rosinha, nos seus concertos, cujo nome é precisamente Benjamin e que fala de alguém que desde cedo sentia um senão e no corpo estava a razão, pois “no corpo e na alma estava o coração”.

Sob uma luz amarela, as teclas do piano enchem a sala enquanto o público é envolvido pela memória dos seus sonhos, “I love the real when I love my dreams”. Alguns segundos depois, ainda longe do microfone, Benjamin junta-se a Augustus e começa a cantar  Epigram - I love my dreams. No fim desta música, Benjamin e Augustus abraçam-se e o último aproveita para revelar que, após a ida à Casa da Música, o seu sonho é partir em conquista do estrangeiro para poder ver Benjamin dar uso ao seu inglês.

Resta apresentar o compositor e pianista deste projeto, Augustus Search. É de Province Town, uma zona piscatória que acolheu muitos portugueses nos anos 80. “Os meus pais foram para lá. O meu pai andou lá a tratar dos barcos e a minha mãe cozinhava num restaurante lá da praia. Depois viemos para cá. Na verdade eles ainda estão lá, eu fiquei cá. Fui estudando música, lendo poesia e fui descobrindo estes camaradas. Desafiei-os para fazerem música comigo e ajudarem-me a descobrir a música que havia nos esqueletos das canções que eu já tinha feito”. E assim nascem os Alexander Search. Porém, à semelhança de Benjamin, também Augustus revela ter uma forte ligação com outro pianista. “Há um outro pianista que anda aí, que é o Júlio Resende, e eu sinto-me um bocadinho parecido com ele. Uma espécie de Fernando Pessoa e Alexander Search. Não me consigo distanciar muito de algumas figuras”. Apesar desta multiplicidade existe uma forma que Augustus diz ser aquela que permite aos outros tocarem na essência do seu ser, que é quando faz música. “Acho que tenho uma espécie de fluidez como a que o rio Tejo tem. Num rio pode chegar-se ao fundo sem ter medo. Há em mim também uma espécie de profundidade desse género”.

Augustus Search

Após a chuva de poemas em que as personagens se fundem com o público embrenhadas pela música, dança e poesia, o concerto chega ao fim com um aplauso que preenche a Sala Suggia. Já nos camarins, as personagens vão-se dissipando como a espuma de uma onda nas margens do rio Tejo, afinal “sabes o que é? As personagens só vivem no palco”, esclarece Salvador Sobral.

De cinco músicos é feita esta banda que faz a fusão perfeita entre o mundo da música e o literário. Augustus Search, interpretado por Júlio Resende, é o compositor da banda e toca piano e sintetizadores. Benjamin Cymbra, interpretado por Salvador Sobral, é o cantor que traz na sua voz a garra rock n’roll do passado e as suas angústias e esperanças no presente. Sgt. William Byng, interpretado por André Nascimento, está no comando da vertente computacional e eletrónica. Marvel K., interpretado por Daniel Neto, exibe a sua guitarra eletrizante. Por fim, Mr. Tagus, interpretado por Joel Silva, é um baterista de raízes múltiplas, viajando do rock para o heavy metal, e deste para a fusão salsa, funk, jazz, e agora toca de tudo um pouco.

Os cinco concordam que este tem sido um projeto que lhes dá muito prazer, não só pela música que estão a fazer, mas também por gostarem de tocar juntos. Joel Silva diz que a experiência “tem sido fixe, gratificante e engraçada, porque eu já tive bandas de metal, de rock, bandas pesadas, mas há aqui malta que não teve essa experiência e que só a está a ter agora e é engraçado também ver essa parte”.

André Nascimento diz que para ele a banda Alexander Search, entre outras coisas, é uma forma de mostrar que os poemas do Fernando Pessoa, para além de intemporais, podem ser usados como matéria-prima para outras expressões culturais mais ´populares’ e menos ‘eruditas’, como é o caso da música pop/rock. “Ou seja, a poesia do Pessoa não tem de ser algo apenas académico, não é ‘inacessível’, tem leituras com diferentes níveis de profundidade e pode fazer parte do dia-a-dia. Por outro lado, as ideias que os poemas do Alexander Search suscitam, combinadas com os músicos que estão na banda, levam a que mesmo dentro de um contexto de canções pop/rock, haja lugar para experimentação sonora e improvisação e isso é algo que, pelo menos pessoalmente, sinto nos concertos, e é também a reação de várias pessoas que têm falado connosco no final do concerto”. Quanto a este concerto na Casa da Música, Júlio revela ainda que as pessoas lhes disseram coisas lindíssimas aquando da sessão de autógrafos, como a sua música ter o poder de as fazer levitar.

A banda assume que anda à procura da quintessência e que este disco foi apenas mais uma tentativa falhada. Mas não é essa falha que os faz parar e já pensam no próximo disco. “Será um novo erro, uma nova tentativa falhada, mas vem aí. Vem aí uma pedrada num charco, neste caso num rio. Vamos criar um novo fluente, mas a ideia é ir falhando, ir falhando cada vez melhor”, esclarece Júlio. Ou, pelas palavras daquele que escreveu os poemas, os Alexander Search podem apenas “Hope for the best and for the worst prepare”.

Texto de Andreia Monteiro
Ilustrações de Hugo Henriques
O Gerador é parceiro da Casa da Música

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