É no alto Minho, na freguesia de Valdreu, no concelho de Vila Verde, num lugar com meia dúzia de casas que em junho, no domingo anterior ao dia de Santo António, centenas sobem ao cimo da serra, em direção ao santuário, para pedir proteção para os seus animais e, nalguns casos, para as pessoas também.
Nesse dia, o largo do Santuário de Santo António de Mixões da Serra enche-se de devotos que levam vacas, cavalos, cabras, cães, gatos e até pombas para a bendição. Reza a história que tal garante a proteção dos animais, saúde e bons produtos como leite ou ovos.
Durante mais de 20 anos, desde junho de 1996, Alfredo Cunha, fotojornalista e ilustrador de vários livros, acompanhou esta romaria tradicional através da sua arte: a fotografia. O resultado final está agora em exposição, até 23 de janeiro, no Museu de Lisboa - Santo António e chama-se "A benção dos animais". O projeto reúne cerca de 30 fotografias a preto e branco.
Tendo como pano de fundo o ambiente místico da serra minhota, o Gerador esteve à conversa com Alfredo Cunha sobre os desafios e as motivações de fotografar durante duas décadas esta tradição do Alto Minho. Ao longo da conversa, o fotógrafo procurou ainda refletir acerca da sua fotografia e sobre as histórias que o marcaram ao longo deste desafio.
Gerador (G.) – É sobre a romaria de Santo António Mixões da Serra, em Vila Verde, nomeadamente, acerca da tradição da "A benção dos animais” que recai a sua nova exposição fotográfica, no Museu de Lisboa. No total, são cerca de 30 fotografias em exibição que retratam 20 anos de trabalho de captura. Como é que começou esta ligação especial com esta tradição minhota? O que o impulsionou a trabalhar com esta realidade?
Alfredo Cunha (A.C) – Isto é um projeto que tem milhares de fotografias... As de exposição são uma coisa muito residual. Existem dois livros sobre o assunto e é um tema que acompanho há mais de 20 anos. Teria de ser algo com vida. Esta já é a terceira exposição que faço desta temática. Infelizmente, só esta que está em Lisboa é que teve visibilidade.
G. – Como referia agora este trabalho resulta de mais de duas décadas de acompanhamento. Que principais mudanças sentiu com o passar dos anos, nomeadamente, no que toca ao ambiente? E, relativamente às gerações que a frequentavam?
A.C – Sim! Essencialmente a perda do conceito dos mais antigos. Agora está a ser frequentada por gente mais nova e desapareceu praticamente o gado bovino.
G. – Sente então que é uma arte em risco de extinção?
A.C – Não, eu acho que ela vai continuar e se vai transformar noutra coisa qualquer, mas estou convencido que há de continuar. Agora vão cavalos, cães, animais de estimação porque no fundo existe um pretexto muito forte que é o da festa. O Minho é um grande argumento.
G. – No domingo anterior ao dia de Santo António centenas sobem a serra até ao santuário para pedir proteção para os seus animais e nalguns casos para as pessoas também. Fazendo uma retrospetiva das fotografias obtidas, acima de tudo, que sentimentos lhe foram prioritários de transpor nelas?
A.C – Na primeira vez que fui lá, em 1996, fiquei absolutamente surpreendido porque pensava que aquele Portugal já não existia e de facto é quase como uma viagem no tempo. A forma como aquilo surgia... Eu vinha de viver de Lisboa quase 30 anos e quando fui fotografar aquilo pela primeira vez fiquei completamente surpreendido pelas caraterísticas das fotos.
G. – Por exemplo, uma destas caraterísticas [ das fotografias] recai sob a particularidade da escolha da captura a preto e branco. Porquê?
A.C – Isso é a minha forma de me exprimir como fotógrafo e como autor. O preto e branco é a minha forma de expressão. É uma opção. Na minha opinião, a cor introduz ruído desnecessário e a cor distrai-nos da forma e para mim o mais importante é a forma. A forma é o que interessa. A cor não acrescenta nada nas minhas fotografias.
G. – Além destas fotografias nasceu também o livro “A benção dos animais de Santo António Mixões da Serra”. Esta foi outra das formas de eternizar este património cultural e, essencialmente, de projetá-lo para gerações futuras?
A.C – Sim, é o que fica. As exposições são coisas provisórias, mas os livros ficam. É uma espécie de arquivo de informação, é a memória futura. Se bem que hoje também já possa ser disponibilizada digitalmente através dos novos meios de internet, slide show e bancos de dados, mas de qualquer das formas continuo a privilegiar o livro.
G. – Da totalidade de fotografias há alguma que o marque de uma forma particular?
A.C – É difícil porque é uma cerimónia que a mim me agradou bastante, mas é óbvio que as fotos que estão nas capas são as fotos que me agradam mais, nomeadamente, a primeira foto da capa e da contracapa. É um senhor com as miniaturas de umas vaquinhas em cera, são os votos que vão pedir. Por exemplo, se é um cão levam uma imagem de um animal, se é uma pessoa levam a imagem dessa pessoa. Essas imagens são compradas lá no santuário, são benzidas, e essa é uma das formas de fazer um pedido ao Santo António.
G. – E, relativamente a histórias… Por exemplo, com alguma pessoa em particular ou com algum momento em particular?
A.C – Histórias é que não faltam.... Há um momento que a mim me marcou muito, nomeadamente, quando vejo aquela multidão a subir a montanha, no Alto Minho, a 15/20 quilómetros de Vila Verde, no meio do nevoeiro, com o padre à frente, com uma cruz…. É quase uma imagem épica. Aquela foi a imagem que me conquistou para aquele trabalho.
G. – Particularizando um pouco sobre si...Nem sempre a arte da fotografia esteve nos seus planos. Como é que alguém que nunca viu na fotografia vida já faz desta arte carreira há mais de 50 anos?
A.C – Sim! Eu sou filho de um fotógrafo... A fotografia está na família há mais de 100 anos. Inicialmente, eu tinha uma relação muito má com fotografia porque para mim, na minha juventude, na minha infância, implicava trabalho ao domingo, ao fim de semana, nas férias, etc. E, eu como todos os meninos de 14/15 anos queria era ir para a praia. A fotografia significava mesmo trabalho, mas o meu pai teve o bom senso de me convencer e o que é certo é que tomei mesmo o gosto. Já lá vão 52 anos... Quer dizer quase 53 anos.
G. – E, é uma arte para continuar?
A.C – Eu não me vejo a fazer outra coisa. Acho que no dia em que deixar de fotografar é porque morri.
G. – Se lhe dessem a oportunidade que outras tradições gostava ainda de explorar pelo país?
A.C – Eu tenho fotografado pelo país todo enes tradições. Eu fotografo muito em Portugal e fora. Nunca perco uma oportunidade de fotografar. É evidente que gostaria de fazer projetos mais demorados, mas hoje não há dinheiro para essas coisas. Faço o que é possível...