Nas nossas diferenças valências académicas devemos prestar a maior atenção ao que se passa nas escolas e oferecer disponibilidade para lá irmos amiúde e organizarmos conversas. Relembro que as escolas são ainda espaços públicos, onde é possível encontrar a diversidade – de classe, de género, de etnia, de orientação sexual, de identidade de género, etc. – e tudo o que essa copresença significa. As escolas são todos os nomes. Elas permanecem como potenciais arenas de aprendizagem pelo interconhecimento e pelo conflito/negociação que engendra, na constituição de subjetividades situadas. Bem sei que são, cada vez mais, espaços públicos deteriorados pelas lógicas da individualização e da competição (competição entre escolas, na absurda vertigem dos rankings; competição entre professores; competição entre estudantes pelas notas e pelas formas de apresentação de si no quotidiano mediado pelas redes sociais onde o capital corporal é transacionado). Essa degradação ecoa ainda na violência, particularmente no bullying, no ataque aos imigrantes, no insulto às mulheres e a todas as pessoas que quebram o binarismo de género.
Na peça de Sara Barros Leitão “Guião para um país possível”, baseada nos discursos e apartes parlamentares e representada em inúmeras escolas, uma intervenção de André Ventura contra os imigrantes era aplaudida vigorosamente, o que faz soar todos os alarmes. Do mesmo modo, preocupa a desafeição dos rapazes, que engrossam o número do insucesso e do abandono escolares e que, em grande número, descreem na escola e já não lhe reconhecem um papel moral e socialmente salvífico. Alguns desses alunos encontram na agressividade (desde logo contra a própria escola) uma via mais ou menos ritualizada de entrada no mundo adulto, projetando nas mulheres e nas pessoas não-binárias uma ameaça à sua masculinidade periclitante e nos imigrantes uma concorrência nos trabalhos desqualificados e mal pagos que sabem serão os seus.
É preciso conversar com todos. Desestabilizar o senso comum e o preconceito, dar contraexemplos, abrir a imaginação a outras possibilidades, sem vender contos de fadas, isto é, ajudar a criar um olhar, uma perspetiva e não oferecer uma receita, uma cura ou um comício que se esgota no momento. Temos de levar connosco os estudantes universitários, que serão cúmplices nesta campanha e que poderão oferecer modelos mais próximos e concretos aos seus pares liceais. Do que estamos à espera?
Quem não se lembra do poema de Paul Éluard que começa assim:
“Nos meus cadernos de escola”…
E, em crescendo, acaba num assombro de vontade:
“E pelo poder de uma palavra
Eu recomeço a minha vida.
Nasci para te conhecer,
Para te nomear:
Liberdade”.