Sempre fui sozinho. Eu e os meus pensamentos, eu e as minhas emoções, sempre fui sozinho. Como se o mundo não fosse dinâmico e só eu estivesse movimento. O problema de confiar cegamente na narrativa do ser sozinho, é que quando caímos deixamos de ter ferramentas para nos levantarmos.
Não é que alguém seja sozinho por escolha. Muitas pessoas, encontram aconchego na sua hiper independência, outras realmente não sabem como ser acompanhadas, outras são incrivelmente mal acompanhadas. Descobri que ser sozinho não é um problema. Mas que pode ter um impacto negativo na nossa saúde física e mental. Tudo depende da narrativa que suporta o ser sozinho.
Já fui sozinho por isolamento social. Já fui sozinho pela multidão que me esmagou. Já fui sozinho porque não sabia estar com outros. Já fui sozinho no amor, na amizade, em todas as camadas mais profundas da vida. Nunca lhe chamei solidão. Chamava-lhe o movimento da vida. E se o que me satisfazia na segunda feira , me causava agonia na sexta feira, então eu seria sozinho no caminho que percorria ao longo da semana. Era o movimento que me protegia. Que me dava casa e abrigo. O próximo lugar seguro será meu, pensava. Quando lá chegar poderei assentar, e o movimento não terá mais espaço para se auto-idolatrar.
Conheci todo o tipo de gente. E sozinho amei, odiei, chorei, lutei. Valeu tudo a pena. Mas sozinho, o mundo pesa. Debruça-se sobre os teus ombros, e quando dás por ela, só tens consolo durante o sono. O peso... Apega-se a ti, e manipula-te a acreditar que não podes viver sem ele. Ficas numa relação de dependência emocional, com aquilo que mais te afoga.
Deixas de ser tu , para seres o herói que aguenta com tudo e todos. Porque quem te amou assim, não sabe se te poderá amar de outra perspectiva. É o que conhecem. E tu sozinho continuas.
Um dia parei e caí. Porque sozinho não me conseguia levantar mais. Procurei por mãos que me levantassem, mas não as vi. As que se aproximaram, com esforço não conseguiam levantar tal peso. O tempo tinha-me tornado o maior peso do mundo. No chão tive que ficar. Sem mais capacidade para manter o movimento, e com uma necessidade gritante de ter ajuda, percebi que ser sozinho nos pode deixar numa situação implacável.
Ficamos obrigados a aprender a viver no chão, bem lá no fundo da escuridão dos nossos pensamentos. Nessa dolorosa posição ficamos aptos a fazer qualquer coisa para nos reerguemos - vale tudo. Responsabilizamos outros por ali estarmos. Questionamos porque ninguém nos levanta. Achamos que estamos numa maré de azar. Justificamos a ausência de energia e força. Dizemos: ajudem. E sozinhos, achamos que somos a solidão.
Como se não existissem mãos que lavaram as roupas de manhã à noite. Mãos que cavaram a terra. Mãos que construíram o chão que nós pisamos. Mãos que tocaram, que abraçaram, que limparam lágrimas. Mãos que importam uma história que poderá nunca ser escrita mas que sempre será sentida. Mãos que se soltaram de algemas de ferro. Eu não as via. Porque o meu olhar tinha sido toldado por uma sociedade que não me quer, não me vê ,nem me ouve. Deixei que a opressão me cegasse.
Então quando chegou o momento de pedir ajuda, eu só sabia o que a opressão me tinha ensinado: cada um por si. Um dia, perguntei-me com muita firmeza e seriedade, o que diriam os meus ancestrais de toda esta situação. A resposta que me dei a mim próprio foi muito vaga, distante e talvez até arrogante. Não por falta de respeito aos mesmos, mas por vergonha de não os ter considerado na forma como me movimentei na vida até ali. Como se a consideração que lhes tenho tivesse que ser arrancada a ferros de um "eu" que foi formatado para um outro destino.
As mãos sempre tiveram disponíveis para me levantar. Mas só as poderia agarrar quando soubesse para onde queria ir. E foi assim que descobri qual é a minha verdadeira casa: África. Nunca mais soube o que era ser sozinho. Porque hoje movimento-me com propósito, inerente às histórias de todos aqueles que vieram antes de mim.
E hoje quando paro, aprecio todas as mãos que me levantam. Nas incertezas, nas dúvidas, nas decisões difíceis, no luto e na tristeza, no tédio. As mãos levantam-me uma , duas , três, as vezes que forem precisas. Não existem para mim. Existem em mim de uma forma, que nunca mais a solidão encontrou lugar. Então hoje sozinho , isto é, na ausência de pessoas, escrevo sobre o quanto acompanhado me sinto.