Mudanças são desafiadoras. Eu, particularmente, acho que tenho uma relação de amor ódio com a mudança. Há momentos e situações na minha vida em que o meu interior quase que grita por uma mudança, seja ela de atitude, de cabelo, de círculo de amigos... Mas há outras em que me escudo completamente. Às vezes é preciso ousadia para viver coisas diferentes, mas eu nem sempre estou mentalmente pronta para isso. Ainda assim, ela acontece. Ora porque não depende só das minhas vontades, ora porque o conforto já não cabe mais naquele cenário. E assim decisões difíceis são tomadas.
De todos os tipos de mudanças, penso que mudar de casa ainda é o meu calcanhar de Aquiles. Quando eu nasci, em 1997, os meus pais moravam num apartamento em Monte-Abraão. Passámos por Queluz e pouco tempo depois estávamos de mudança para aquela que seria a nossa casa por 16 longos anos – Idanha-Belas. Naquele T2 na Rua 22 de maio, fui criança, pré adolescente, adolescente e tornei-me adulta. Aos 20 anos, os meus pais mudaram-se para o Algarve. Na altura eu não trabalhava, então tive que agarrar nas minhas coisas e ir viver com eles. Esta é uma das memórias mais vincadas que tenho quando falo da minha pouca abertura a mudanças. Vivi em Portimão por 4 anos, e só no último ano aprendi a gostar de lá morar. Era muito difícil para mim sentir-me em casa quando sentia falta do espaço que tinha sido o meu lar por quase 2 décadas, sentia falta dos meus amigos e da minha vida em Lisboa.
Depois da primeira “porrada” deixa de doer com tanta força. Ainda no Algarve saí de casa dos meus pais, aos 23 anos, e fui morar num quarto, a alguns quarteirões de distância. Foi um pouco duro, tinha receio de me arrepender ou que algo desse errado, mas hoje agradeço-me muito por ter tomado essa decisão. 8 meses depois, em 2021, entrego a carta de demissão no meu emprego e decido que vou voltar a morar em Lisboa, desta vez sozinha. Fui, e em 2 anos e meio mudei-me 3 vezes. O processo de uma mudança deixa-me em estado de stress: arrumar tudo em caixas e sacos, desempacotar, perder coisas, destralhar. Um ano num quarto, outro ano em outro quarto. Agora, finalmente um apartamento. Arrendado. E vazio.
Pelo caminho, a pouco e pouco mudar de casa já não me assustava tanto, mas a falta de apego e capricho porque aquele espaço, que era temporário e nunca seria de facto lar, estava sempre presente. Ainda está, porque afinal de contas, se a casa não é própria é porque é de uma outra pessoa. E aquele sentimento de “um dia vou sair daqui” pode ser um elemento sabotador. É uma realidade agridoce, que me faz questionar de que forma devo olhar para a situação. A escolha é quase sempre fácil, mas claro que, vivendo numa sociedade onde a situação imobiliária está um caos, todos os jeitos de pensar são válidos.
Casa própria não é a realidade da população em geral. Mas um lar é direito básico. Ter uma casa, seja em que contexto for, é uma benção, e é motivo para celebrar todos os dias. A vida é demasiado curta para não nos permitirmos viver ao máximo, depositando muito amor em tudo aquilo que somos, fazemos e vivemos.
Hoje o meu lar é o meu apartamento arrendado, vazio, que de pouco em pouco se vai tornando no lar que eu sempre sonhei.
-Sobre Sandra Baldé-
Escritora, DJ, e empreendedora digital, começou o seu percurso no digital em 2013 com o blog Diário de uma Africana, uma plataforma voltada para discussões raciais & de género e para autocuidado de pessoas negras. Em 2021 autopublicou o seu primeiro livro intitulado "Para Que Fique Bem Escurecido" cujo enredo gira em torno dos desafios da mulher negra num país maioritariamente branco.