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Opinião de Marta Guerreiro

Depois da parentalização, quando é que me torno adulta?

Nas Gargantas Soltas de hoje, Marta Guerreiro fala sobre a parentalização, ser mediadora de conflitos desde criança e não ter percebido se ter tornado adulta.

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O que é a parentalização? Procurei a definição académica e encontrei um estudo que achei ser importante para nos familiarizarmos com a parentalização, e sobretudo sobre as consequências da mesma. No estudo lemos, “Em uma série de situações clínicas, deparamos com jovens adultos que apresentam sinais de esgotamento que se expressam por um estado emocional ansioso ou deprimido (...). Um elemento significativo atrelado à vida desses indivíduos é que se encontram muito ocupados em atender às necessidades dos pais (pai e/ou mãe), a despeito das suas próprias.” SciELO

Como desde sempre senti que era uma pessoa adulta, por mediar conflitos de pessoas adultas, por atender a necessidades e responsabilidades que não estavam designadas para a minha idade, não consegui compreender onde é que terminou a infância e adolescência e começou a minha adultez.

É preciso sempre olhar para estas questões com um olhar empático – quem nos parentaliza, geralmente cuidadores, nem sempre estão conscientes de que o estão a fazer e acham que é até construtivo e enriquecedor ter crias “tão adultas”. É preciso sempre olhar para estas questões com um olhar empático – a criança parentalizada não escolheu ser parentalizada e merece romper a corda, cortar o cordão e tomar conta de si, das suas necessidades.

Andei a navegar pela minha vida com medo de ligar a agências, falar com a senhoria, tratar da burocracia de pessoas adultas. No entanto, era a primeira na fila quando era para fazer tudo o que descrevi atrás para pessoas próximas, mais velhas – só não o conseguia fazer para mim.

Andei perdida pela minha vida a saltar de depressões clínicas e ansiedades sem conseguir dizer: gosto da vida – sem conseguir dizer: sim, sou feliz. Achava que a felicidade era uma coisa tão breve quanto uma milésima de segundo. Dormia com som no telemóvel todas as noites não fosse acontecer alguma coisa. Tinha alarme todos os dias do ano não fosse acontecer alguma coisa. Não sabia dizer não. Depois não sabia dizer não sem me justificar. Depois não sabia dizer não sem sentir culpa. Pestanejei e tinha 28 anos e não sabia nada sobre mim, sobre a minha vida, sobre o que realmente queria. Andei a viver em piloto automático como tão bem sabia e desde tão cedo.

Com a morte da minha irmã com 18 anos no passado Dezembro, a minha Inês, com paralisia cerebral, a família toda (é o que sinto) começou a passar por processos de desenvolvimento ou transformação individual e eu não fui excepção. Parece que com o luto veio a oportunidade de repensar a vida, de colocar prioridades em perspectiva, de olhar para dentro de mim e perguntar: mas afinal o que é que tu queres?

A terapia foi crucial, já lá vão dois anos de terapia e duas terapeutas diferentes em que a parentalização - a toma de responsabilidades que não eram apropriadas para uma criança e mesmo para uma pessoa adulta – é assunto regular.

Na parentalização todas as pessoas sofrem, recorrendo ao mesmo estudo mencionado no início deste artigo “(...) parece-nos evidente que a parentalização se institui num sistema familiar no seio do qual os pais estão eles mesmo sofrendo carências afetivas ou com falta de definição das fronteiras geracionais. (...)”. É portanto crucial que a mensagem de “desapego” do papel de cuidadora e mediadora de conflitos seja gradualmente apresentada, reconhecendo que do outro lado estão também pessoas que estão a tentar gerir as suas próprias emoções e heranças geracionais sem muitas ferramentas.

Por conhecer este padrão de mediadora de conflitos em full-time, acabei por trazer comigo o material para as obras e ser empreiteira em todas as vidas que por mim passaram. Precisas de uma mediadora de conflitos para que não tenhas de enfrentar as tuas próprias coisas sozinha? Liga para Marta Guerreiro, disponível 24h por dia, todos os dias da semana, do mês e do ano. E de tal forma eu só existia e sabia existir nesse formato, que trouxe esse eu para relações românticas, profissionais, e com pessoas que nem conhecia. Magoando-me, retirando do meu tempo, não sendo vista, não me valorizando, fazendo trabalho de back office que ninguém vê – mas também limitando e não permitindo que as pessoas se desenvolvessem e fossem, por elas próprias, a versão que precisavam de ser.

Olhar para mim e ver-me adulta é conseguir sentir o sabor da vida – da minha. É gostar de adormecer nas tardes de domingo com a ventoinha ligada e o vento a abraçar-me por inteiro. É não atender uma chamada sem significar ter um ataque de pânico. É fazer piqueniques sozinha sem estar com medo de ser precisa. É dizer ao meu corpo: tu és capaz de tudo – sem ouvir um eco distorcido que reforça: não tenho tempo para nada.

Claro que desamarrar este padrão traz culpa e peso – mas a liberdade, a liberdade ganha forma, tem toque, cheiro e fala connosco. Saber-me, sem estar em constante estado de alerta, é saber que estou viva, que nada me prende, que sou dona de mim e que tenho direito a bater o pé, seja para dizer que não, seja para dançar sozinha sempre que me apetecer.

-Sobre Marta Guerreiro-

Marta Guerreiro é formada em Jornalismo com mestrado em Realização. Conta com três livros publicados e vários trabalhos escritos na área do activismo (com foco em saúde mental, feminismo, não-monogamias e questões lgbtq+), assim como com a criação de uma lista de psicólogues lgbtq friendly disponível online. 
Acredita que a revolução também se faz através da escrita e que a poesia e a empatia são protagonistas na mudança e na igualdade. 
Atualmente está emigrada em Londres onde, além de continuar a escrever, trabalha também com propriedade intelectual e proteção de marcas.

Texto de Marta Guerreiro
As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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