Desde o início do século XXI já foram criadas 163 associações sindicais e 145 optaram pela independência face às principais centrais portuguesas. Os dados foram recolhidos pelo Gerador através da consulta a mais de mil edições do Boletim do Trabalho e Emprego. As informações relativas à filiação destas estruturas foram confirmadas pela Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses — Intersindical Nacional (CGTP-IN) e pela União Geral de Trabalhadores (UGT).
Os dados recolhidos permitem também concluir que 2019 foi o ano em que se criaram mais sindicatos com a constituição de 14 estruturas. Segue-se 2018 com 11 e os anos de 2002, 2006, 2010, 2017 e 2022 com a criação de nove sindicatos cada. Por sua vez, 2011 foi o ano em que mais sindicatos foram extintos (30), seguido de 2012 (18).
“Sempre existiram sindicatos não filiados na CGTP-IN e na UGT. No entanto, parece tratar-se de uma tendência recente — da última década — porventura, com maior expressão nos últimos cinco anos”, explica Hermes Costa, professor e investigador na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, sobre as estruturas sindicais que têm escolhido manter a independência face às principais centrais.
Nos últimos dez anos, apenas três sindicatos se filiaram na UGT e nenhum na CGTP-IN. Segundo sindicalistas, a proximidade destas organizações a estruturas partidárias ou o desgaste das suas formas de luta e reivindicações são alguns dos fatores que explicam a fraca adesão. “Precisávamos de um sindicato mais moderno, mais autónomo e mais independente”, afirma Raquel Martins, vice-presidente do STIR (Sindicato dos Trabalhadores das Infraestruturas Rodoviárias), em entrevista ao Gerador.
A estrutura foi criada em 2019 e é um dos dois sindicatos nascidos na última década que optaram pela filiação na USI (União de Sindicatos Independentes). Constituída em 2000, a USI é a estrutura sindical mais representativa de associações que se rotulam como independentes. Ainda assim, possui uma expressão significativamente menor do que as principais centrais portuguesas: num quarto de século de existência, apenas 14 sindicatos se filiaram na USI.
Face a este cenário, Hermes Costa acredita que a “hegemonia” da CGTP-IN e da UGT se vai manter. À data dos seus últimos congressos, as centrais possuíam 79 e 50 associações sindicais filiadas, respetivamente. “Os novos sindicatos não parecem ter expressão para anular a bipolarização CGTP-UGT. Um eventual reconhecimento da USI no quadro da concertação social — e há muito reclamado por esta — poderia, pelo menos no plano teórico-simbólico, constituir um desafio a tal hegemonia”, argumenta o académico.
Em entrevista ao Gerador, Hermes Costa sublinha também que a independência destas associações sindicais é discutível. “Ainda que possam dizer-se imunes a influências partidárias, não estarão por certo imunes a outro tipo de influências: empresariais, por exemplo.”
Porquê ser independente?
“Um sindicato independente consegue ter resultados, [mas] pode ser muito difícil crescer: não temos estrutura, [por isso] temos que a construir”, refere Cláudio Santiago, presidente da direção do SIEAP (Sindicato das Indústrias, Energias, Serviços e Águas de Portugal), em entrevista ao Gerador.
A associação foi criada em 2016 e o dirigente acredita que é fundamental estabelecer sinergias com outros sindicatos e organizações internacionais, mas distancia-se de uma possível filiação às principais centrais portuguesas. “Na maior parte dos casos, sentimos que as pessoas reagem positivamente quando referimos que somos independentes”, conta. O dirigente refere que a generalidade dos trabalhadores estabelece conexões entre a CGTP-IN e a UGT e partidos políticos e isso pode constituir um fator para o seu afastamento.
Ainda assim, a independência também pode ser vista como uma desvantagem. Cláudio Santiago explica que a não filiação leva algumas pessoas a considerarem que o SIEAP é uma estrutura desprovida de posicionamentos políticos. “Os sindicatos nunca são ‘despidos’ de ideologia: temos ideias e linhas mestres, mas não transportamos a questão do partido político para dentro [do SIEAP].”
Em 2019, após décadas de filiação à UGT, o SINFA (Sindicato Independente dos Trabalhadores Ferroviários, das Infraestruturas e Afins) decidiu alterar os seus estatutos e tornar-se independente. Em entrevista ao Gerador, António Salvado, coordenador do sindicato, defende que os apoios prestados pela central não justificavam dar continuidade à filiação.
O dirigente sindical argumenta ainda que a independência permite ao SINFA responder apenas perante os seus sócios. “Queríamos representar os trabalhadores e não ter que ter essa ‘prisão’. Nestas organizações, quem decide, pelo menos as ideias mestre — a intensidade da força reivindicativa e o que é que se vai reivindicar — é a central e não os sindicatos.”
Quando constituíram o SEBC (Sindicato dos Empregados de Banca dos Casinos), em 2020, os dirigentes ainda consideraram a filiação na CGTP-IN, mas acabaram por manter a independência. Em entrevista ao Gerador, Luís Mourão, presidente da estrutura, explica que a vinculação à central implicaria a “obediência” às regras estipuladas pela CGTP-IN e a negligência das particularidades dos trabalhadores do setor. “Se nos filiássemos teríamos de nos inserir num sindicato de hotelaria ou turismo, que tem diferenças substanciais [com a banca dos casinos].”
Gonçalo Portela, presidente da APEBC (Associação Portuguesa dos Empregados de Banca de Casinos) identifica o mesmo problema e acredita que as grandes estruturas estão sobretudo orientadas para o setor público. “[Na APEBC] temos um grupo de dirigentes sindicais completamente diferentes, porque são direcionados para o setor privado: temos outro tipo de abordagem, com outro tipo de negociação e capacidade de argumentar”, afirma, em entrevista ao Gerador.
A associação foi criada em 2020 e os dirigentes rejeitam a filiação a qualquer central, mesmo a USI, para assegurar a total liberdade sindical. O mesmo fazem os associados do SMD (Sindicato dos Médicos Dentistas): apesar de reconhecer que a filiação possibilitaria um maior “poder financeiro” e mais “protagonismo mediático”, João Neto, presidente do sindicato, reitera que a “autonomia” é essencial para alcançar os objetivos da associação sindical que lidera.
Ao direcionarem o foco para “temas mais abrangentes de toda a classe trabalhadora”, o dirigente acredita que as grandes estruturas iriam remeter para segundo plano a “luta específica” dos médicos dentistas.
O outro lado da moeda
Para Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UGT, a fragmentação do movimento sindical, com a proliferação de sindicatos independentes, representa um “desperdício” de esforços: “Se fizéssemos sinergias era muito melhor, as centrais teriam certamente outra força.” A partilha de experiências e de conhecimento, a força reivindicativa, o apoio jurídico e logístico, o poder negocial e a presença no quadro de concertação social são apenas algumas das vantagens que identifica na filiação.
O sindicalista acredita que o rótulo de “independência” é erradamente usado pelas associações não filiadas, porque implica que as centrais são de alguma forma “dependentes”. Quanto à aproximação a partidos políticos, Sérgio Monte diz reconhecer essa percepção entre os trabalhadores, mas recusa a existência de qualquer proximidade. “Foi sendo uma ideia passada para a opinião pública. Da nossa parte [UGT] não é verdade, [mas] não temos conseguido combater essa mensagem”, admite, em entrevista ao Gerador.
Por sua vez, Filipe Marques, membro da Comissão Executiva do Conselho Nacional da CGTP-IN e responsável pelo Departamento de Organização Sindical, salienta que a independência sempre foi um dos pilares da central. “A CGTP-IN não é nenhum partido político, nem pretende ser”, assevera, em entrevista ao Gerador. Além disso, o sindicalista sublinha que a política reivindicativa da central serve apenas como uma referência para as associações filiadas. “Há toda a liberdade e cada organização tem a sua identidade própria e a sua autonomia sindical para discutir e tomar decisões.”
O dirigente sublinha que o espaço de atuação sindical não se confina ao estatuto do sindicato filiado, relembrando as “relações de amizade” e as colaborações estabelecidas com associações independentes. Para o SINTARQ (Sindicato dos Trabalhadores em Arquitetura), associação criada em 2022 e que assinou um protocolo de cooperação com a central, a ajuda da estrutura tem sido importante devido à partilha de recursos e ao apoio sindical e jurídico prestado.
Para já, os dirigentes e membros ativos afastam a possibilidade de se filiarem na estrutura, mas consideram que é uma possibilidade no futuro. “É natural que a relação com a central sindical se estreite e fortaleça, por partilharmos não só espaços e recursos, mas também formas, visões e métodos de intervenção sindical”, dizem os membros, em entrevista ao Gerador, via e-mail.
“Nem consigo imaginar o que seria este sindicato se não estivéssemos na UGT”, confessa, por sua vez, Carlos Ramalho, presidente do SINDEPOR (Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal). Em entrevista ao Gerador, o enfermeiro recorda que a estrutura foi criada em 2017 e a “pouca experiência sindical” dos dirigentes e associados é suplantada pelo apoio da central sindical. “Nunca sentimos nenhuma pressão de espécie nenhuma e nunca ninguém nos impediu de fazer o nosso trabalho.”
Neste momento, Sérgio Monte e Filipe Marques não acreditam que o movimento sindical independente consiga ganhar a mesma expressividade que as principais centrais. Para os sindicalistas, o foco nos objetivos comuns é mais importante. “A exploração é sobre todos os trabalhadores: sobre homens e sobre mulheres; sobre quem tem vínculo de efetivo e sobre precários; sobre portugueses e estrangeiros. [É importante] defender o interesse de todos”, conclui Filipe Marques.
Nota: Em dezembro de 2024, o Gerador tentou entrar em contacto com a USI (União de Sindicatos Independentes), via e-mail, para obter o contributo dos seus dirigentes para esta reportagem. Até à data de publicação, não obtivemos qualquer resposta.