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Opinião de NBC

Entre o Sonho e a Realidade

Não imaginaria que em tempos de guerra uma boa notícia fosse possível acontecer, ou talvez…

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Não imaginaria que em tempos de guerra uma boa notícia fosse possível acontecer, ou talvez uma boa e uma menos boa.

No aconchego do lar, em isolamento social desde 11 de março, como o resto do país e o resto das pessoas responsáveis, eis que surge a oportunidade para escrever crónicas.

De um sonho longínquo pelo qual já tinha tentado várias vezes que visse a luz do dia, aconteceu exatamente na altura certa.

Ainda que os músicos por norma tenham esta vida de horários menos concretos, podendo até passar um dia inteiro fechados em casa com os pensamentos em palavas compostas com rimas emparelhadas e cruzadas, não imaginaria que este sonho de fazer crónicas pudesse trazer-me à realidade com menos poesia.

Entre todas as preocupações que pairam no ar, uma delas é de como manter crianças ativas de modo a não perderem noção de que isto é apenas uma fase!

As calças de ganga foram substituídas por pijamas há muito! E hoje, chegou o decreto que os pais "ansiosamente" esperavam: o último período escolar será através de telescola.

Não podia ser mais premonitório!

Em mil novecentos e troca o passo, eu mesmo fui abençoado com o que restou da telescola, um formato que na altura se adequava perfeitamente ao Portugal dos anos 80, e durante dois anos que tive telescola, a RTP, no horário da tarde, transmitia as aulas que nós, na sala de aulas orientandos por um professor presente, recebíamos.

Perdidos na aldeia, distantes da metrópole em ebulição, aqui, o tempo tinha parado.
Podia ser qualquer tempo, e a telescola sem o saber era o início daquilo a que hoje chamamos de "masterclass" em qualquer canal de YouTube.

Mas ainda hoje é tabu falar da telescola ...

Quando passei para o secundário, fui muitas vezes vítima de bullying por parte dos colegas que não frequentaram estas aulas, porque todos nos achavam chatos, sem sal e totalmente desatualizados.

'Bullying' essa terminologia moderna, vinda das Américas para qualificar escárnio e mal dizer, que até Gil Vicente contou, e que pela qual todos obrigatoriamente passamos, fazendo parte do processo de evolução de grupo. Mas, sim, havia um preconceito para com os alunos vindos da telescola.

Eis que chegados a 2020, e um dos meus pesadelos ganha vida, agora em modo pai. Os miúdos perguntam-me como era no meu tempo, e eu, que tentei apagar essa fase da minha vida, tenho de me relembrar do bom e mau da telescola. Que neste caso, difere com um detalhe - mães e pais sem nenhuma preparação para serem professores assíduos e pontuais, sem qualquer vontade de assinar o livro de ponto, porque as suas vidas de empregados de outrem os obrigam a ligar o computador e a marcar presença no trabalho agora feito em casa.  É uma verdadeira bola de neve para os meses que se avizinham.

Aos 11 anos, ouvir o genérico da aula de Meio Físico e Social com a música dos “Status Quo” tinha tanto de surreal como de incrível, na altura sem nenhuma consciência de outro modelo escolar, aquela realidade era a melhor que se podia ter.

Durante 50 minutos, estávamos atentos à aula na televisão a preto e branco, depois, mais 50 minutos para que o professor, o Artur, nos explicasse com mais detalhe o que foi dito.
No meu caso, para quase todas as aulas, só me lembro do genérico! Nem uma frase guardei das aulas dadas na televisão. O fator humano tinha um peso tão grande e, de facto, não sou capaz de reproduzir alguma coisa que me tivesse ficado dessas aulas televisivas.

O professor Artur era como o músico dos 7 instrumentos, ia de História à Língua Portuguesa, Matemática e Meio Físico, tocava todos os instrumentos de igual forma, sem que se notasse alguma falta de preparação em alguma matéria.

Tenho memórias afetivas profundas com as aulas de Português, Camões e orações subordinadas, e das "castanhas piladas" (um ligeiro toque na cabeça com o dedo médio dobrado) com as quais éramos agraciados se falhássemos a leitura do primeiro e segundo canto de cor e salteado.

Isto para dizer que, em tempo de guerra procuram-se as soluções possíveis para uma situação que ninguém poderia imaginar, nem mesmo a melhor das cigarras.

A telescola é o melhor que podemos dar aos miúdos milenares.  Facto é que a vida social deles está já reduzida a um ecrã, portanto não irão estranhar os "tutoriais".

Ainda assim, nada poderá substituir a presença palpável e assídua daquele ser humano que acorda cedo todos os dias, com muita ou pouca vontade para receber os nossos filhos numa mistura de obrigação e prazer que em certa medida torna mais leve a nossa preocupação do dia a dia com os nossos afazeres.

As aulas televisivas serão como uma aula de ginástica, mas que precisa de assistência de um professor presente. E os pais terão uma tarefa hercúlea, tentar deixar de ser pais e mãe durante aquele tempo para serem professores, conseguirem aprovação dos seus filhos, e a atenção necessária para os próximos quase dois meses de incerteza, e com muita paciência à mistura.

Imaginando todos os cenários, também os casais separados com filhos milenares, de um lado para o outro. Certo é que vamos todos voltar para trás no tempo, mais que não seja porque as aulas passarão na RTP Memória.

Contudo, o lado positivo é que os filhos nunca mais se vão esquecer do professor presente da telescola, tal como aconteceu comigo!

-Sobre NBC-

NBC é um dos grandes nomes da música actual portuguesa,  e um dos fundadores do movimento hip-hop em Portugal, apreciado pelas suas peculiares performances ao vivo com crossover entre o soulrnb, drum and bass, rock e eletrónica e ainda com versatilidade para transformar e criar versões acústicas. O seu último disco, TODA A GENTE PODE SER TUDO, foi editado em finais de 2016. Nascido em 1974 em São Tomé e Princípe, com a influência das suas raízes africanas, Timóteo Tiny é uma das vozes soul mais acarinhadas de Portugal e autor de temas como «Segunda Pele», «NBCioso», «Homem», «Neve», «DOIS» ou «Espelho».  Com a sua discografia já pintou diversas bandas sonoras de filmes e de telenovelas portuguesas, e já pisou muitos palcos em festivais como  NOS Alive, Super Bock Super Rock, Meo Sudoeste, Festival F ou também salas icónicas como Coliseu de Lisboa, Casa da Musica ou Hard Club. Pelo caminho, conta com a edição de um EP, EPidemia (2013) e mais outros dois discos Afrodisiaco (2003) e Maturidade (2008). Já fez digressão com a banda GNR e, em 2015 e 2018, viajou até ao Brasil para uma digressão de cerca 40 dias em estados diferentes estados, tendo passado por lugares como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis ou Belo Horizonte. Em 2019, participou no Festival da Canção, com a canção "Igual a Ti", tendo conquistado o segundo lugar do concurso. E assim se escreve mais de 25 anos de carreira.

Texto de NBC
Fotografia de Teresa Lopes da Silva

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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