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Entrevista a Isaura Sousa: Pintar com as cores quentes do ser humano

A pintora Isaura Sousa é das cores vivas, embora diga que gosta de todas elas….

Texto de Andreia Monteiro

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A pintora Isaura Sousa é das cores vivas, embora diga que gosta de todas elas. De facto, foi de camisola amarela e chapéu que se apresentou no Café Concerto do Teatro de Vila Real, para a nossa boa conversa. A transmontana pinta, mas também dá aulas (estudou Educação Visual e Tecnológica) e, sempre que pode, apela à sustentabilidade e à consciencialização ecológica. Além da pintura, gosta de transformar vários materiais e trabalha com a vibração das cores, a naturalidade do corpo através da nudez, a beleza e sensualidade da feminilidade e o seu gosto pela literatura e poesia, correlacionando a linguagem pictórica e literária.

 Gerador - Pelo que pude observar, o feminino, o corpo, está muito presente na tua obra. Podes explicar essas temáticas?

Resposta - Quase sempre, em termos representativos, utilizo o feminino, embora o nu seja muito subtil. O propósito não é ser chocante, nada disso. Mas, sem ser propriamente feminista, dei sempre muito valor à mulher, que foi sempre recalcada e subvalorizada. A minha maneira de representar o corpo não é como um objecto mas como algo natural — um corpo que nasceu e que tem de ser encarado com naturalidade, não como objecto  puramente sexual ou comercial. Há, também, que reconhecer que as formas do corpo feminino têm outra beleza: é isso que eu tento extrair dessa representação da mulher. Retiro para fora a essência do corpo em si, como algo normal, tal qual um bicho do mundo quando o ser humano veio ao mundo. É natural, mas muitas vezes é visto como pecado. Tivemos épocas em que não era possível fazer nus. Não temos de encará-lo como pecado ou objecto, mas como algo natural, bonito, que dá beleza, espontaneidade, sensualidade e frescura.

G. - Há, também, uma relação muito óbvia com a cor. Há uma preferência pelos tons quentes, certo?

R. - Eu sou das cores quentes, como costumo dizer. Tem a ver com o meu carácter. A cor, como o desenho, quer seja por linhas ou pontos, quer queiramos quer não, reflecte o nosso carácter. Eu sou, por natureza, uma pessoa muito espontânea, dinâmica e franca. Gosto de dizer aquilo que penso. Esse dinamismo está dentro da minha personalidade, mas gosto de todas as cores, até das cores frias. Há algumas composições em que, até por uma questão de harmonia, também utilizo os tons mais frios. A verdade é que hoje pode estar a ver-me de amarelo, mas amanhã posso estar de azul. Se tivesse de escolher, no entanto, em usar um determinado tipo de cores para sempre, seriam as cores quentes, sem dúvida. Condizem com o meu carácter dinâmico, de criar e de fazer várias coisas ao mesmo tempo. É o calor, o dinamismo e a explosão. Nas cores quentes está lá tudo, reflecte tudo o que nós somos. Têm uma simbologia muito forte, mostram mais coisas que têm a ver comigo. Quando dou conta já estou a pintar com cores quentes.

G. - No teu trabalho com as máscaras, há a utilização de materiais reutilizáveis. Em alguns dos seus quadros, a natureza também está presente. Como é a tua relação com o ambiente?

R. - Por alguma razão também escolhi o naturalismo. Sou uma acérrima amiga do ambiente e continuo a pregá-lo. A minha mensagem, sempre, seja em que disciplina for (já dei muitas disciplinas e fiz muitos currículos), é o ambiente, a natureza e o desenvolvimento sustentável. Uma das coisas que está patente na minha exposição das máscaras é a reutilização dos materiais, não porque é bonito mas porque acho que deve ser mesmo assim. Utilizo material que ainda posso reutilizar, recuperar e estou sempre a pensar na água que é o elemento essencial da vida — temos de o poupar. Prego-o todos os dias nas minhas aulas e transponho-o para a minha vida e para as minhas coisas. Nós fazemos parte da natureza, temos de tratar dela. Não se trata apenas de se ser amigo do ambiente para a televisão, é fazer com que isso seja verdadeiro. Se não tratarmos da natureza vamos ficar sem ela daqui a uns anos.

G. - Também tens uma ligação muito forte com a poesia. Aliás, a tua tese de mestrado incide sobre a imagem pictórica e literária de Almada Negreiros. Como é que encaras a correlação entre estas duas linguagens?

R. - São duas linguagens que, juntas, fazem uma explosão. Um texto precisa de muito para ficar bem definido e bem pensado — acaba por ser tudo. Mas, se alguém ficar sem a capacidade de poder transmitir o que pretende através de linguagem gestual ou oral, pode transmiti-lo através da linguagem pictórica. É uma outra linguagem que é válida, muito visível e compreensível. É uma mais-valia muito rica. Quando fiz o doutoramento (acabei-o há 4 anos) pensei, para um dos trabalhos curriculares, em fazer uma dicotomia entre a parte pictórica e literária dos naturalistas e dos realistas — ligar os dois. Fi-lo porque tinha esta memória cultural desde sempre. De quem eu me lembrei? De um Júlio Dinis e um Malhoa e  comprovei o que tentava dizer: um escreveu, o outro pintou. Notava-se em determinadas cenas campestres, rurais e das regiões — o que um escreveu o outro pintou. Mas, lá está, cheguei lá devido à minha memória cultural e, na altura, foi fácil, por isso mesmo, pensar na temática.

G. - Tens alguma memória associada ao tempo das tuas férias grandes?

R. - Não. Tenho, no entanto, preferência pela paisagem marítima, pelo mar. Gosto sempre, quando faço interregnos durante o ano, de ir ver o mar porque gosto daquele cheiro, daquela imensidão. Mesmo nos Verões posso ir a outro locais mas tenho de ir, sempre, ao mar. O que tenho na memória, até já como adulta, é que em muitas das férias consegui observar coisas que gostava de ver. Então, o que gosto de fazer nas férias é ir ao exterior e poder observar, ver um Cézanne ao vivo, apreciar o local onde pintou, onde andou. Ver o sol directo da luz e ver onde os impressionistas estiveram. Isso é que me deixa memórias e não me esqueço.

Esta entrevista surge na sequência da rubrica Autoridade Local da Revista Gerador, onde vamos à procura daquilo que de melhor se faz na cultura portuguesa. Mas quem somos nós para o dizer? Pedimos, por isso, ajuda àqueles que sabem mesmo da região onde vivem.

A rubrica da Autoridade Local  “Pintar com as cores quentes do ser humano” está integrada na Revista Gerador de julho. Pede a tua Revista Gerador de julho aqui.

Entrevista por Ana Isabel Fernandes, a nossa autoridade local em Trás-os-Montes
Ilustração de Sofia Pereira

Se queres ler mais entrevistas sobre a cultura em Portugal clica aqui.

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