fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Opinião de João Teixeira Lopes

Escreve nos muros contra todos os muros

2021 foi o ano dos muros. Nada de diferente, por isso, dos que o antecederam….

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

2021 foi o ano dos muros. Nada de diferente, por isso, dos que o antecederam. Perante a chegada de milhares de migrantes, a Polónia apressou-se a construir um muro ao longo da fronteira com a Bielorrússia, desígnio em que foi apoiada, pasme-se, pelo Presidente do Conselho Europeu. O mediterrâneo é cada vez mais um mar fechado, com tantos muros quantos os países que nele banham o seu território. Muros em vez de pontes. Muros em vez de braços. Muros que não contêm vírus, na sua intrépida liberdade alavancada pelo nacionalismo das vacinas. Muros, ainda, no racismo nosso de todos os dias, o das raças e o das classes sociais; muros, enfim, nas cidadelas digitais da auto-absorção narcísica.

Em retrospetiva, apenas nos é permitido um pessimismo metódico: a História não é nem uma seta apontada ao futuro, nem um círculo de eterno retorno, antes um dédalo de mil entradas e saídas, rota de bifurcações infinitas e de (im)possibilidades desigualmente distribuídas. Nada se aprende, necessariamente, nenhum conforto pode assegurar progresso perpétuo ou regresso sereno ao mesmo porto após circum-navegação; só uma fé demente pode afiançar aprendizagem e acumulação. A nossos olhos, o anjo anuncia que nada sabe, nem pode saber.

Mas o pessimismo metódico não mata a esperança, antes dela se alimenta. Talvez Ariadne construa um novelo, quem sabe a parte touro do Minotauro devore a parte Homem e nos devolva o sentido.

Porventura o estrangeiro ensinar-nos-á o caminho, como no poema em prosa de Baudelaire:

«— A quem mais amas tu, homem enigmático, dize: teu pai, tua mãe, tua irmã ou teu irmão?

— Eu não tenho pai, nem mãe, nem irmã, nem irmão.

— Teus amigos?

— Usas uma palavra cujo sentido me é, até hoje, desconhecido.

— Tua pátria?

— Ignoro em qual latitude ela esteja situada.

— A beleza?

— Eu a amaria de bom grado, deusa e imortal.

— O ouro?

— Eu o detesto como vós detestais Deus.

— Quem amas tu, então, extraordinário estrangeiro?

— Eu amo as nuvens… as nuvens que passam lá longe… as maravilhosas nuvens!». Andando pelo avesso, pelo outro lado, lá onde crepita a ferida e crescem as más ervas – talvez aí saibamos escrever nos muros contra todos os muros.

-Sobre João Teixeira Lopes-

Licenciado em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1992), é Mestre em ciências sociais pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade  de  Lisboa (1995) com a Dissertação Tristes Escolas – Um Estudo sobre Práticas Culturais Estudantis no Espaço Escolar Urbano (Porto, Edições Afrontamento,1997).  É também doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação (1999) com a Dissertação (A Cidade e a Cultura – Um Estudo sobre Práticas Culturais Urbanas (Porto,Edições Afrontamento, 2000). Foi programador de Porto Capital Europeia da Cultura 2001, enquanto responsável pela área do envolvimento da população e membro da equipa inicial que redigiu o projeto de candidatura apresentado ao Conselho da Europa. Tem 23 livros publicados (sozinho ou em co-autoria) nos domínios da sociologia da cultura, cidade, juventude e educação, bem como museologia e estudos territoriais. Foi distinguido, a  29 de maio de 2014, com o galardão “Chevalier des Palmes Académiques” pelo Governo francês. Coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.

Texto de João Teixeira Lopes
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

29 Outubro 2025

Catarina e a beleza de criar desconforto

22 Outubro 2025

O que tem a imigração de tão extraordinário?

15 Outubro 2025

Proximidade e política

7 Outubro 2025

Fronteira

24 Setembro 2025

Partir

17 Setembro 2025

Quando a polícia bate à porta

10 Setembro 2025

No Gerador ainda acreditamos no poder do coletivo

3 Setembro 2025

Viver como se fosse música

27 Agosto 2025

A lição do Dino no Couraíso

13 Agosto 2025

As mãos que me levantam

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Financiamento de Estruturas e Projetos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Criação e Manutenção de Associações Culturais

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

27 outubro 2025

Inseminação caseira: engravidar fora do sistema

Perante as falhas do serviço público e os preços altos do privado, procuram-se alternativas. Com kits comprados pela Internet, a inseminação caseira é feita de forma improvisada e longe de qualquer vigilância médica. Redes sociais facilitam o encontro de dadores e tentantes, gerando um ambiente complexo, onde o risco convive com a boa vontade. Entidades de saúde alertam para o perigo de transmissão de doenças, lesões e até problemas legais de uma prática sem regulação.

29 SETEMBRO 2025

A Idade da incerteza: ser jovem é cada vez mais lidar com instabilidade futura

Ser jovem hoje é substancialmente diferente do que era há algumas décadas. O conceito de juventude não é estanque e está ligado à própria dinâmica social e cultural envolvente. Aspetos como a demografia, a geografia, a educação e o contexto familiar influenciam a vida atual e futura. Esta última tem vindo a ser cada vez mais condicionada pela crise da habitação e precariedade laboral, agravando as desigualdades, o que preocupa os especialistas.

Carrinho de compras0
There are no products in the cart!
Continuar na loja
0