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EuroPride: associações LGBTI+ demarcam-se do evento mas organização espera “milhares” em Lisboa

Agendado para os dias 14 a 22 de junho, o EuroPride Lisboa 2025 afirma-se como “o maior evento LGBTI+ da Europa” mas as críticas à organização têm vindo a subir de tom. Seis dezenas de coletivos ativistas LGBTI+, feministas, de defesa dos direitos humanos e da Palestina assinaram um manifesto onde expressam preocupações relativas à organização do festival, afirmando que o mesmo poderá instrumentalizar a causa para fins comerciais e de pinkwashing.

Texto de Sofia Craveiro

Unsplash

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Divisões graduais

O anúncio foi feito em outubro de 2022. Nessa altura foi revelado o resultado da candidatura apresentada de forma conjunta pelas associações Variações - Associação de Comércio e Turismo LGBTI de Portugal (que liderou a candidatura), ILGA Portugal, AMPLOS e REDE Ex Aequo para que o próximo EuroPride tivesse lugar na capital portuguesa. As cidades de Lisboa e Magdeburg, na Alemanha, estavam na corrida para serem anfitriãs, tendo a primeira saído vencedora. 

“Num crescente ambiente de hostilidade contra as pessoas LGBTI+ e os Direitos Humanos no geral, decidimos reforçar a necessidade de ocupar o espaço público e de quebrar o silêncio a que tentam forçar as nossas identidades, os nossos corpos, as nossas famílias, os nossos direitos”, afirmou a associação ILGA Portugal, numa publicação no seu perfil de Instagram, feita a 8 de outubro de 2022. “É com todo o Orgulho que nos começamos já a preparar para receber o Europride em Lisboa em 2025”, acrescentou o coletivo.

14 meses depois, a 18 de janeiro de 2025, Diogo Vieira da Silva anuncia nas redes sociais a sua nomeação para Comissário Municipal do evento: “com profundo sentido de missão e imensa gratidão, aceitei o convite do Presidente Carlos Moedas para servir como Comissário Municipal para o EuroPride 2025, que terá lugar em Lisboa. Devo admitir que hesitei. Ser activista significa estar na linha da frente – e isso tem um custo. Meu trabalho incomodou muitas pessoas e, ao longo dos anos, enfrentei de tudo: ameaças de morte, cartas anónimas, tentativas de extorsão e inúmeras pressões. Mas a verdade é que desistir nunca foi uma opção”, escreveu o ex-presidente da Variações.

Dois dias depois, a ILGA Portugal fazia saber que não iria mais fazer parte da organização do evento, sem, no entanto, se referir à nomeação do comissário. 

“Queremos reforçar que esta não foi uma decisão fácil por parte da Direção da ILGA Portugal, e que reconhecemos o impacto do EuroPride na promoção da visibilidade e celebração da comunidade, tanto a nível nacional como internacional. No entanto, o contexto político e social atual exige que o nosso foco e esforços sejam dirigidos para uma ação política mais estruturada, presente e integrada em movimentos sociais mais amplos e interseccionais”, disse a associação, num comunicado divulgado no site. 

“O confronto diário com as crescentes necessidades das nossas comunidades, ao nível do apoio psicológico, social e comunitário, tornam evidente que a nossa prioridade deve ser a resposta a esses desafios. A organização de um evento com a dimensão e exigência do EuroPride, neste momento, é incompatível com a limitação de recursos da Associação, colocando em risco a sustentabilidade e a estrutura da ILGA Portugal e, assim, comprometendo a qualidade dos nossos serviços para com a comunidade”, referiu a ILGA, que quando contactada pelo Gerador, disse não ter mais nada a acrescentar.

Pouco tempo depois, a 31 de janeiro, foi emitida na RTP, no programa Prova dos Factos, uma investigação jornalística que revelou que Diogo Vieira da Silva estava a ser investigado pelo Ministério Público por suspeitas de burlas, branqueamento de capitais e falsificação de documentos da associação Variações, que ajudou a fundar em 2018. Segundo a mesma fonte, o inquérito já estava a decorrer quando Diogo Vieira da Silva foi convidado pelo executivo autárquico para ser comissário do EuroPride.  

Após a emissão da reportagem, que também revelou irregularidades na gestão dos fundos atribuídos pelo Estado à Variações, no valor de meio milhão de euros, a Turismo de Portugal avançou com uma auditoria às contas da associação, segundo noticiado pela RTP.

Controvérsias acumuladas 

Vieira da Silva foi elemento fundador e presidente da Variações, eleito a 18 de fevereiro de 2023. O seu mandato durou pouco mais de um ano, já que, em janeiro do ano seguinte, anunciava nas redes sociais a cessação de funções, que passaram a ser assumidas por José Marquina, proprietário do Finalmente Club, o novo eleito, conforme noticiado pela Dezanove.

Antes disso, Vieira da Silva foi chefe de imprensa da Embaixada de Israel em Portugal e coordenador geral do Porto Pride. 

Quando Vieira da Silva foi nomeado comissário do EuroPride, o seu nome já estava associado a diversas polémicas: tinha sido acusado de levar a cabo uma alegada “tomada hostil” da marca Porto Pride, que registou, assim como de ser responsável pelo cancelamento do LGBTI+ Music Festival. A par disso, o seu trabalho na Embaixada de Israel foi motivo de críticas por parte de coletivos ativistas, que o acusaram de instrumentalizar a comunidade LGBTI+ para fins diplomáticos. 

De acordo com a reportagem da RTP, Diogo Vieira da Silva também terá alegadamente levado a cabo a falsificação de faturas no valor de 1.200€ no âmbito do festival do orgulho LGBTI+ israelita. 

Instrumentalização da causa?

A Rede Ex Aequo divulgou, a 10 de novembro de 2023, um comunicado onde denunciava tentativas de intrumentalização diplomática por parte de Israel: “as instituições Israelitas têm apelado aos valores da comunidade LGBTI, como método de tentativa de obter solidariedade e legitimizar o tratamento desumano e genocídio das pessoas palestinianas, como base para uma campanha de pinkwashing”.

“A embaixada Israelita em Portugal contactou diretamente várias associações e coletivos LGBTI portugueses para se posicionarem a favor da sua narrativa, condenando ativistas que não o façam, acusando-as de apoiar homofobia, anti semitismo e “terror brutal” por não seguir a sua linha de pensamento. Não mudaremos a nossa posição e seguiremos do lado das diversas marchas e movimentos que entendem claramente a realidade da atual situação e das quais orgulhosamente fazemos parte”, disse a associação, que também acabou por se desvincular da organização do EuroPride, no final de janeiro deste ano.

Quando confrontado com todas estas polémicas pela RTP, o presidente da autarquia de Lisboa, Carlos Moedas, distanciou-se e apontou o vereador Diogo Moura como responsável pela nomeação de Vieira da Silva para o cargo de comissário da autarquia. O Gerador tentou contactar o vereador Diogo Moura mas não obteve qualquer resposta em tempo útil. Também Diogo Vieira da Silva foi contactado, mas rejeitou prestar declarações antes do início do EuroPride. Afirma que irá falar publicamente durante o evento, mas não o fará antes para não prejudicar a organização do mesmo.

Apesar disso, Diogo Vieira da Silva já tinha divulgado, nas suas redes sociais, um comunicado em resposta à reportagem da RTP, no qual rejeita as acusações. O ex-presidente da associação Variações afirma que a televisão pública “transmitiu uma peça que difunde uma narrativa falsa e manipulada com o propósito claro de me atingir na minha pessoa e me difamar de forma expressa e direta”.

Alegando ser vítima de ameaças à sua integridade física após a emissão da reportagem Diogo Vieira da Silva acredita que “o objectivo da peça jornalística apresentada foi uma decisão consciente de quem quer alimentar uma perseguição e um julgamento público, motivada por interesses pessoais não só de terceiros, mas quiçá de alguns jornalistas que integram a própria redação”.

“A reportagem da RTP, feita em tempo recorde e sem qualquer rigor, onde meramente replica uma suposta queixa-crime apresentada – que desconheço por completo e até ao dia de hoje nunca fui citado para exercer qualquer defesa - não contém declarações de

qualquer das partes”, acusa o visado, que fez queixa da RTP por ter exposto os seus dados pessoais.

Coletivos ativistas criticam EuroPride

A 10 de março de 2025 um grupo de 40 coletivos LGBTI+, feministas e da Palestina assinaram um manifesto conjunto com o título “Europride não deve ser usado para justificar genocídio”. No final do mesmo mês, a lista de coletivos já tinha aumentado para 61, reunindo uma parte significativa do movimento ativista português ligado à defesa dos direitos humanos. No documento, as associações expressaram a sua preocupação com a instrumentalização da comunidade LGBTI+ para fins de pinkwashing por parte de Israel. No texto criticam as entidades israelitas, assim como as personalidades portuguesas que acusam de ser “o rosto de exemplos recentes de ligação pública a iniciativas de branqueamento dos crimes de Israel contra o povo palestiniano”. 

“O afastamento de todas as associações promotoras iniciais com exceção da Variações, a nomeação de Diogo Vieira da Silva como “comissário municipal” para o evento ou a investigação criminal sobre o mesmo, revelada no programa “Prova dos factos” da RTP, são motivo de apreensão na comunidade e entre quem luta pelos direitos LGBTI+ em Portugal”, lê-se no documento enviado ao Gerador. 

“A controversa nomeação de Diogo Vieira da Silva para comissário do evento não é inocente nem acidental. Diogo Vieira da Silva fundou a Variações (Associação de Comércio e Turismo LGBTI) em 2018, da qual foi diretor executivo e presidente até ser destituído em janeiro de 2024, após denúncias de corrupção e outras controvérsias envolvendo a sua conduta”, lê-se no mesmo comunicado.

O grupo alega ainda que “a acumulação de cargos na Variações e na embaixada israelita permitiram-lhe aproximar as duas entidades, sendo disso exemplo a realização da “Israeli Pride Party” no Finalmente Club em Lisboa, a 7 de junho de 2023, organizada por ambas”.  “Não aceitaremos por isso que o EuroPride 2025 se transforme em mais uma plataforma de pinkwashing político e rejeitamos qualquer tentativa de branqueamento ou normalização com quem pratica violações de direitos humanos”, afirmam.

Sérgio Vitorino, fundador das Panteras Rosa - Frente de Combate contra a LésBiGayTransfobia, associação promotora do manifesto, destaca, em entrevista ao Gerador, que o EuroPride é “uma marca comercial que é cedida para organizar um evento de massas muitas vezes sem os cuidados devidos, relativos ao pinkwashing”. 

Referindo-se especificamente à nomeação de Diogo Vieira da Silva como comissário e ao envolvimento do vereador Diogo Moura, o ativista frisa que o objetivo dos coletivos subscritores do manifesto, em particular dos que estão envolvidos na organização da Marcha do Orgulho de Lisboa 2025, foi alertar “para uma coincidência (ou ausência dela), que é a sucessão de pessoas envolvidas ativamente no branqueamento das violações de direitos humanos por parte do Estado de Israel na organização do EuroPride”. 

“Estamos a ver o lobby sionista a acontecer”, frisa. “Não aceitamos a cooptação da temática dos direitos LGBT - que ainda por cima também estão a ser colocados em causa pela extrema-direita - ser utilizada para esconder os crimes de Israel, no momento em que Israel está a exercer um genocídio [na Palestina]”.

Joana Sales, membro da direção da UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta, que também subscreve o manifesto, explica que “o que se está a passar [na Palestina] é grave demais para ser instrumentalizado”. O EuroPride poderia ter um contributo importante na defesa da comunidade LGBTQI+ mas “o problema é quem o está a organizar”, acredita Janica Ndela, que também integra a direção da UMAR.

“Gostaríamos de ver, da parte da Câmara, da Variações, da organização do Europride, uma demarcação de uma série de coisas que até agora não houve”, acusa Hélder Bértolo, presidente da Opus Diversidades. 

Organização do evento rejeita ligação a entidades sionistas

Em resposta por escrito enviada ao Gerador, Ricardo Oliveira, atual diretor executivo do EuroPride, diz encarar as referidas críticas “com seriedade” e afirma que a organização procura “escutar todas as vozes da comunidade, mesmo quando são divergentes”, motivo pelo qual diz ter enviado, a 8 de maio, um e-mail com esclarecimentos aos coletivos que manifestaram preocupações. 

“É importante esclarecer de forma inequívoca que o EuroPride Lisboa 2025 não tem qualquer ligação a entidades sionistas. Qualquer sugestão nesse sentido é infundada e descontextualizada. O evento é organizado por uma associação portuguesa, com base em valores de inclusão, representação e compromisso com os direitos humanos”, diz o responsável. “Rejeitamos, no entanto, qualquer acusação que vise descredibilizar o evento ou promover divisões numa altura em que a união da comunidade LGBTI+ é mais urgente do que nunca. O EuroPride Lisboa 2025 é e será sempre um espaço de liberdade, pluralidade e compromisso com os direitos humanos.”

Sobre a falta de esclarecimentos públicos, Ricardo Oliveira explica que a organização decidiu “não alimentar polémicas públicas nas redes sociais, mas isso não significa ausência de resposta – significa respeito pelo diálogo direto e responsável”.

Questionado sobre a auditoria levada a cabo pela Turismo de Portugal à Variações, o diretor diz não ter “conhecimento direto de todo esse processo”, até porque assumiu funções numa fase posterior aos factos em causa. “Se existir uma auditoria, consideramos que isso é positivo. É precisamente para isso que servem: para verificar processos, garantir transparência e reforçar boas práticas”.

“Em relação ao EuroPride, esta situação não afeta a sua realização. Este é um evento que conta com o apoio de instituições públicas e privadas, com uma equipa técnica sólida e, acima de tudo, com a força de uma comunidade que sempre soube resistir. Estamos habituados a lutar pelos nossos direitos – e é com esse espírito que o evento vai acontecer”, acrescenta Ricardo Oliveira, que acredita que “o EuroPride Lisboa 2025 será o maior evento LGBTI+ alguma vez realizado em Portugal, com milhares de visitantes de toda a Europa e do mundo”

“Num momento em que os direitos LGBTI+ estão sob ataque em vários pontos do mundo, Lisboa terá a responsabilidade – e a honra – de ser um ponto de encontro, de escuta e de esperança. Este EuroPride será mais do que uma celebração: será uma afirmação viva de quem somos, do que defendemos e do futuro que queremos construir”, diz ainda o responsável.

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