Saímos com os SEIVA nesta ronda, ao som da música tradicional portuguesa que marca o compasso do cortejo, para conhecer o novo single que antecipa o mais recente álbum a editar este ano. “Esta noite sai a ronda” é o segundo tema do novo projeto dos SEIVA, inspirado numa canção que ouviram pela voz de uma cantadeira de Penha Garcia, Beira-Baixa.
O trio de músicos que compõe os SEIVA, Joana Negrão, Rita Nóvoa e Vasco Ribeiro Casais, toca música folk numa perspetiva feminina, explorando a identidade portuguesa e convidando a regressar às raízes culturais, aos instrumentos tradicionais, às romarias e à portugalidade que não se esconde no passado, mas renasce nos tempos de hoje.
Há uma procura constante pelas sonoridades tradicionais e pelas histórias e vozes femininas nas suas canções. “Vamos buscar muita inspiração às mulheres. Gostamos muito das canções que evocam entidades divinas femininas, normalmente cantadas pelas mulheres que procuram consolo e força, e nos dão força também a nós”, confessa Joana Negrão, vocalista dos SEIVA.
Sete anos separam o primeiro disco, editado em 2015, do novo álbum a sair em 2021, anunciado com o lançamento do single “Virgem da Consolação”. O percurso desafia a criar canções no século XXI com instrumentos tradicionais portugueses como a viola braguesa, cavaquinho, gaitas-de-fole, adufes e bombos. É deste encontro entre a tradição, o feminismo e a adaptação aos novos tempos, que nasce o novo disco.


O Gerador entrevistou Joana Negrão e Vasco Ribeiro Casais, que após 15 anos à frente da banda Dazkarieh, fundaram os SEIVA em 2014 e posteriormente convidaram Rita Nóvoa para compor o trio. Fomos conhecer melhor o projeto que nos traz de volta a essência da tradição oral portuguesa.
Gerador (G.) – Começamos pela criação dos SEIVA, como se cruzaram os vossos caminhos no universo musical?
Joana Negrão (J.N.) - Criámos os SEIVA para serem, desde o princípio, um projeto com instrumentos tradicionais portugueses que fosse beber muito à raiz da música de tradição oral menos conhecida e sendo possível, ao mesmo tempo, misturar essa tradição com as nossas influências musicais mais contemporâneas. Eu e o Vasco Ribeiro Casais já tocávamos juntos há muitos anos nos Dazkarieh, e depois conheci a Rita Nóvoa na faculdade, eu estudava Arqueologia e ela História. Sabia que ela tocava bateria e o Vasco convidou-a para tocar percussão num grupo de gaitas-de-fole, da Associação Gaita-de-fole da qual fazíamos parte. Passados uns anos, convidámos a Rita para ser a percussionista de SEIVA.
(G.) – Sobre o novo álbum, a estrear este ano, há uma história que orientou o processo criativo? Uma linha condutora que une todo o projeto?
(J.N) - Entre o nosso primeiro álbum e este passaram sete anos, e nestes anos decidimos ir continuando a fazer concertos e compondo o segundo disco com toda a calma do mundo. Além disso, eu fui mãe pela segunda vez e a Rita pela primeira vez, portanto decidimos mesmo não apressar as coisas a bem da nossa sanidade mental. E isso foi, no final, quando acabámos o disco, muito importante para percebermos o que definia o som dos SEIVA, que músicas entravam no disco e que músicas não faziam parte. Gravar e, passado algum tempo, perceber o que não funcionava e regravar. Percebemos como queremos compor os originais e como é que nos ligávamos às músicas tradicionais que tínhamos sem perder a identidade sonora. E o disco acaba por ser invariavelmente muito feminino, tanto pelas músicas tradicionais que integrámos que falam sobre divindades antigas ou festas, como pelas músicas originais que têm sempre uma perspetiva feminina das coisas. Penso que, sem dúvida, isso é o fio condutor deste disco, a perspetiva feminina do mundo, do antigo e do mundo de hoje.
(G.) – O que mais te inspira, enquanto música?
(J.N.) - Inspira-me a vida. Conversar e observar as pessoas, ver filmes, preocupar-me com o que se passa no mundo e depois calar tudo à minha volta e ouvir o silêncio para conseguir perceber o que é que eu quero dizer com a música que faço. Os filmes e livros que mais me inspiram são aqueles que nos falam sobre a condição e os comportamentos humanos. Por exemplo o “Dogville”, de Lars von trier, o “Ensaio sobre a Cegueira” do José Saramago ou o “Caminho menos percorrido” de Scot Peck, ou ainda vozes como a Lhasa de Sela inspiraram-me bastante. Na música tradicional de outros países sempre me fascinou a música tradicional escandinava, e se faço o que faço hoje talvez isso se deva muito a um grupo chamado Hedningarna. Em Portugal, sem dúvida que o Zeca Afonso me inspirou e continua a inspirar todos os dias e nos tempos mais atuais sou grande fã dos Diabo na Cruz, tenho muita pena de que tenham acabado. Eles foram incríveis a trazer a música, os ritmos e os temas tradicionais para o universo do pop-rock.
(G.) – Qual o contributo dos SEIVA para a música tradicional portuguesa? Há alguma particularidade única nas vossas composições?
Vasco Ribeiro Casais (V.R.C.) - Ao criarmos temas originais baseados nos tradicionais, ou que a sua sonoridade seja de alguma forma parecida com a tradição, estamos a acrescentar um ponto ao contar o conto… Apesar de dominarmos a linguagem tradicional e as técnicas de tocar os instrumentos não ficamos presos a elas e tentamos ir um pouco mais além na nossa visão criativa. Isso pode ser feito ao tocar percussões portuguesas como se fosse uma bateria, com ritmos de rock ou de metal; através da eletrificação dos cordofones portugueses (neste caso da viola braguesa e do cavaquinho); ou através de harmonizações vocais diferentes das tradicionais. O que tentamos é adaptar todo um legado que está vivo nas nossas tradições à nossa vivência e, como nenhum de nós vive no campo nem no contexto em que essas músicas eram tocadas, o resultado é sempre diferente.
(G.) – Nota-se esta presença marcada da tradição musical portuguesa e da vontade de a preservar, reinventando-a. O que pensam desta “onda” de procura por sonoridades tradicionais a revelar-se cada vez mais em jovens músicos?
(V.R.C.) - Ficamos muitos felizes por isso estar a acontecer, é um sinal de que se olha cada vez mais para a nossa riqueza cultural em vez de simplesmente imitar o que vem de fora. Na nossa ótica, é bom beber do global e depois expressar local. Cada cultura tem algo único para mostrar e, quando fazemos algo cantado na nossa língua materna e com as nossas sonoridades, aquilo que dizemos tem uma força muito maior e toca na alma de quem ouve de uma forma muito diferente. É muito bom ver as nossas tradições a serem trabalhadas de tantas formas diferentes.
Texto de Ana Mendes
Fotografias da cortesia dos SEIVA
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