Procurar, comparar, escolher, comprar. Abrir a caixa, estrear, mostrar e desfrutar. Estas são as mais prazerosas fases do ciclo de vida de um produto. Já velho, gasto, fora de moda, mutilado, olhamo-lo de forma diferente e é então que urge descartá-lo. Para aqueles que têm uma consciência ambiental mínima, o problema só começa aqui.
No entanto, quem está realmente sensibilizado para o tema e pauta as suas escolhas por critérios ambientais, prestando atenção ao impacto da totalidade do ciclo de vida de um produto, percebe que o problema começa logo no início, antes sequer de haver produto, durante a sua conceção.
Comumente, quando algo é concebido, pensa-se na sua utilidade, na sua praticabilidade, na sua atratividade, no seu preço de venda versus custo de produção, na economia máxima dos gastos com as matérias-primas e mão de obra, etc. Enfim, pensa-se em tudo aquilo que o vai fazer vender melhor e render mais, numa visão estritamente economicista, investindo mais no marketing do produto do que em toda a restante cadeia, esquecendo por completo o fim de vida do objeto.
Alguém pensa no seu fim de vida sem que o Estado o obrigue a tal?
Quem concebe investe dinheiro até o produto entrar no mercado e a sua preocupação é fazê-lo chegar ao consumidor. A responsabilidade sobre o que lhe acontece depois é subliminarmente transmitida ao consumidor e indiretamente delegada no Estado, mesmo nos casos em que se procura aplicar a responsabilidade alargada do produtor, que atribui obrigações a quem coloca determinados produtos no mercado, pela gestão do seu produto no fim de vida - como acontece, por exemplo, com as embalagens ou os resíduos de equipamento elétrico e eletrónico. O seu mau funcionamento, contudo, acaba por pôr em causa a devida assunção da responsabilidade.
É a inimputabilidade desta responsabilidade às empresas produtoras que tem de ser alterada. O consumidor faz o mercado e o mercado tem de exigir que quem produz seja responsável por prever todos os momentos da vida útil do produto até ao seu fim de ciclo, ou seja, tem de exigir que o produtor garanta que a conceção abarca todas as dimensões do produto, incluindo o seu fim de vida. Há que exigir que o produto seja, em primeiro lugar, útil, em segundo lugar, reutilizável, em terceiro lugar, reparável e atualizável e, por último, reciclável, prevendo os correspondentes serviços e logística.
Numa sociedade atenta à economia e que se diz tão preocupada com a justiça social e com o desemprego, não será esta exigência a maneira ideal de criar inúmeros postos de trabalho em serviços de proximidade?
Mas, como conseguiremos levar o mercado a cumprir esta exigência?
Garantindo consumidores informados sobre todo o impacto no ambiente do produto, agora resíduo; facilitando o reenchimento e a reutilização dos produtos nos locais de venda; atribuindo benefícios fiscais ao consumidor para que este eleja a reparabilidade; promovendo a reciclagem porta-a-porta e aumentando os pontos de recolha.
As escolhas são muitas e todas elas contribuem para que cada ator seja responsabilizado, passando para o consumidor o dever de cumprir com a sua correta utilização e condução ao posterior circuito de descarte, assumindo a própria empresa produtora ou, em último caso, o Estado, a sua reciclagem após deposição.
Primeiramente e ultimamente, caberá ao Estado garantir que o ciclo de vida de cada produto seja pensado e repensado antes de ser produzido e comercializado. O objetivo das empresas é o lucro, mas cada vez mais sobre elas deve recair o princípio da responsabilidade. Quem produz o resíduo deverá ser também responsável pelo seu fim de vida e tal só acontecerá se da parte dos Estados e dos Governos que os gerem houver coragem política para definir as regras que podem conduzir os produtores e os consumidores a mudarem o atual rumo das suas opções.
Como o consumidor faz o mercado, cabe-nos a nós, enquanto consumidores, exigir um comportamento responsável por parte dos produtores e fornecedores de bens e serviços e, ao mesmo tempo, exigir dos Governos que estabeleçam as condições de base com as quais todos terão de trabalhar.
-Sobre Ana Serrão-
Ana Serrão frequentou o curso de Engenharia Agronómica na Escola Superior Agrária de Santarém e é licenciada em Tradução pelo ISLA. Como associada da "ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável”, tem trabalhado em iniciativas de ligação da associação à sociedade, com foco em mudança de mentalidades e hábitos de consumo.