O festival FENDA está de regresso à capital minhota. Nos primeiros dias de setembro, Braga servirá, assim, de tela a diversas instalações de arte pública, e, em novembro, acolherá concertos de variados géneros musicais, do rock à música eletrónica. O objetivo, explica o fundador Francisco Quintas, é mostrar “outras formas de fazer arte”, celebrando a cultura urbana.
Em entrevista por Zoom, o responsável conta como tudo começou, o que vai mudar este ano face à primeira edição e que nomes passarão por este festival, além de pintar um retrato do ecossistema artístico português.
Gerador (G.) – O FENDA é um festival de arte urbana. Como e quando nasceu?
Francisco Quintas (F. Q.) – O festival nasceu de um convite por parte do município de Braga endereçado à Cosmic Burger para realizar um festival que celebrasse a cultura urbana em todas as suas vertentes, da pintura de mural à performance artística. Inicialmente, a primeira edição do festival estava apontada para 2019, mas foi adiada também por causa da pandemia. A primeira edição acabou por acontecer em 2021, durante o mês de junho. Este ano, temos a segunda edição do FENDA, num formato bianual, pela primeira vez. As peças de arte pública serão inauguradas em setembro, já nos próximos dias 2 e 3 de setembro, o que coincide com as datas da Noite Branca em Braga. O programa de conversas e concertos acontecerá, depois, nos dias 18 e 19 de novembro.
G. – Esta edição tem, como disse, um formato bianual. Porque é que decidiram fazer essa separação entre a arte urbana e a música?
F. Q. – Após muitas discussões e deliberação, pensamos que faria todo o sentido fazer a inauguração [da arte pública] durante a Noite Branca, porque é o maior evento da cidade de Braga. Durante três dias, passam por Braga cerca de um milhão de pessoas, ou seja, é uma excelente montra para todos os artistas terem as suas peças. Outro facto que pesou é que estas peças da arte pública vivem muito do estado do tempo. Por isso, tivemos de avançar com a sua produção nesta altura, em que o clima está mais seco e os artistas conseguem desenvolver as suas peças com maior tranquilidade e conforto, apesar de o calor, por vezes, ser muito forte. Contudo, uma vez que as datas coincidem com um grande evento na cidade, pensamos em descentralizar temporalmente a oferta programática. Além da Noite Branca, neste período de verão, existem já muitos festivais. Por isso, tivemos a ideia de povoar uma época do ano, que é mais escassa em festivais, e marcar para o mês de novembro o nosso ciclo de conversas e concertos.
G. – O FENDA junta as artes visuais, performativas e da música. Que retrato faz do ecossistema artístico português?
F. Q. – O ecossistema artístico português está bem e recomenda-se. Continua a crescer, a evoluir e a dar provas do seu valor, não só em Portugal, mas também fora de portas. Temos cada vez mais artistas em diferentes áreas a ter reconhecimento a nível nacional e internacional. De futuro, só podemos esperar ainda mais e melhor.
G. – Este festival é promovido pela Câmara Municipal de Braga. Que papel devem ter as autarquias na difusão da arte junto da população e no financiamento dos artistas?
F. Q. – As autarquias têm um papel fulcral para que continuem a existir artistas, coletividades e indivíduos com vontade de dinamizar a esfera cultural das cidades. Braga é um bom exemplo. É uma cidade com uma massa crítica muito interessante. Só espero que isto se mantenha e evolua. Têm de ser os municípios a financiar e a criar condições para que os artistas e as coletividades consigam exercer o seu trabalho. Um fenómeno que temos visto recorrentemente é várias autarquias assumirem o papel de quase diretores artísticos ou programadores. Esse não é o papel de uma autarquia. O papel de uma autarquia é financiar e apoiar essas coletividades, que já têm provas dadas e que fazem um trabalho profissional e muito técnico. As autarquias devem apostar nessas coletividades.
G. – No caso do município de Braga, sentem esse apoio ou há reconhecem a tentação de fazer essa direção?
F. Q. – O que o município de Braga fez foi estender o convite e dizer o que queria de um festival de arte urbana. O resto foi desenvolvido por nós, como a vertente mais simbólica (o nome), a imagem e a forma como comunicamos. O município deu-nos liberdade a nível de programação e da escolha dos parceiros para o festival. Tem sido um excelente exemplo daquilo que deverá ser feito por muitos outros municípios no empoderamento das cooperativas e artistas, porque é assim que as comunidades evoluem, crescem e conseguem criar a sua própria linguagem.
G. – Porque é que escolheram este nome para o festival?
F. Q. – É uma metáfora para a marca que gostaríamos de deixar na cidade e na criação de oportunidades. Podemos ser uma fenda nos paradigmas e queremos mostrar outras formas de arte e de fazer as coisas. Mesmo a forma como pensamos no festival acaba por fugir ao formato tradicional. Preferimos ter o programa de arte pública a acontecer em setembro e o programa de conversas e música a acontecer em novembro. Gostamos de trazer alguma novidade e mudança. Não quer dizer que o festival não evolua para um outro formato, no próximo ano. Queremos ser sempre disruptivos e inovar. Depois, também numa vertente mais clássica e arquitetónica, a fenda acaba por estar presente em quase todos os edifícios. O nome tem, por isso, também uma conotação com essa urbanidade.
G. – Falou em criar oportunidades. A open call para artistas esteve aberta até meados de agosto. Como correu esse processo? Receberam muitas e boas candidaturas?
F. Q. – Correu lindamente. É importante mencionar que tivemos o apoio da E-Redes para esta open call. Era uma open call para artistas que estivessem interessados em fazer as suas intervenções nas caixas de distribuição de energia elétrica, que estão em todo o centro histórico da cidade de Braga. Tivemos um bom número de candidaturas. Tivemos propostas muito interessantes e, no global, ficamos muito satisfeitos e impressionados. Esta foi a primeira de muitas open calls que queremos fazer no FENDA.
G. – Além destes artistas, vão contar com a participação de vários nomes internacionais. Como é que fizeram a seleção?
F. Q. – Este ano, pela primeira vez, estamos a colaborar com a Circus Network, na vertente da arte pública, e fizemos o convite para que fossem eles os curadores. Darren John é já um colaborador assíduo da Circus Network. É um artista com um currículo muito extenso e premiado. Utiliza uma linguagem muito própria e acho que faz todo o sentido [a sua participação], tendo em conta os murais nos quais era necessário intervir. Monika Reut, por sua vez, tem feito um trabalho muito interessante ao longo dos anos. Engloba nas suas peças também tecnologia, em particular a realidade aumentada. Queríamos criar esse paralelismo com as media arts. Braga é candidata ao título de Capital Europeia da Cultura em 2027 e é a capital da UNESCO para as media arts. É uma cidade com um punho muito grande na área das media arts e quisemos fazer também essa ligação. O trabalho de Spider Tag vem também nessa linha, intervindo ele em murais e não utilizando tintas, mas, sim, néon interativo. Muitas das peças já estão finalizadas e foram escolhas acertadas. O feedback que temos tido tem sido ótimo.
G. – Assim sendo, o que não podemos perder na primeira fase da edição deste ano do FENDA?
F. Q. – Em setembro, devem visitar Braga, se possível durante a Noite Branca. Além do FENDA, existem muitas outras propostas a nível cultural. No FENDA em particular, temos os murais dispostos por toda a cidade e os artistas selecionados da open call. Deixo o convite. Visitem o nosso site e lá poderão encontrar a localização exata de todas as peças de arte pública, sendo os grandes nomes em cartaz Darren John, Mantraste, Monika Reut, o coletivo Mots, Ra.So.Al, Sebastião Peixoto, Soraia Oliveira e Spider Tag. Em setembro, iremos também anunciar o programa focado na música e nas conversas.
G. – Pouco se sabe ainda sobre o programa que acontecerá em novembro. O que podemos esperar?
F. Q. – Gostamos muito de apostar em nomes pouco óbvios e tentamos ao máximo, dentro das nossas possibilidades, trazer artistas que nunca atuaram em Portugal ou que tiveram uma presença esporádica no país. Este ano, estamos a apostar em novos talentos. Neste momento, o programa está praticamente definido. Teremos artistas internacionais, mas também muitos artistas de Braga. Vamos ter um grande leque de géneros musicais, do rock à música eletrónica. Existe esta consciência da nossa parte de tentar criar este confronto entre comunidades e culturas, de modo a criar essa fenda e rasgar um pouco os paradigmas. Outra coisa que iremos anunciar em setembro para o programa de novembro é um ciclo de conversas.
G. – Olhando para o futuro, já apontam para novas edições?
F. Q. – Posso adiantar que uma terceira edição está praticamente confirmada. O festival deverá voltar a acontecer em 2023. A nível de formato, não posso adiantar grande coisa. No fim de cada edição, gostamos de fazer um balanço, perceber o que funciona, o que pode ser melhorado e quais as próximas experiências a fazer. Não queremos ficar estáticos e acomodados ao modelo. Portanto, no próximo ano, esperamos ter novidades. Um formato diferente, talvez. Esperamos honestamente que este festival aconteça não só em 2022, mas também em 2023 e nos próximos anos. E se tudo correr bem, acontecerá em 2027, com Braga como Capital Europeia da Cultura.
G. – Está otimista, portanto. E qual é a relação dos portugueses com a arte urbana?
F. Q. – Temos tido um feedback muito positivo por parte do público. Temos recebido mensagens todos os dias de pessoas a agradecerem o trabalho que temos vindo a desenvolver e a darem sugestões de outros artistas para as próximas edições. As pessoas têm muita sensibilidade para a arte urbana, estão envolvidas e querem mostrar o seu apoio a este tipo de expressão artística. Foi algo que nos surpreendeu no início. Não estávamos à espera de um feedback tão caloroso. Estávamos à espera até de alguma estranheza, mas o feedback foi o oposto.