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Helena Freitas: “O desequilibro [demográfico] que Portugal tem é absolutamente absurdo”

Antes de ser criado o Ministério da Coesão Territorial existiu uma Unidade de Missão para…

Texto de Sofia Craveiro

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Antes de ser criado o Ministério da Coesão Territorial existiu uma Unidade de Missão para a Valorização do Interior (UMVI). Antes de serem aplicadas medidas, houve um Programa Nacional de Coesão Territorial.

Helena Freitas, professora catedrática do Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, foi quem, em 2016, coordenou o trabalho desenvolvido no seio da UMVI.

A responsável – que já desempenhou vários cargos de liderança de entidades ligadas à sua área de investigação, e que foi deputada à Assembleia da República – abandonou o cargo de coordenadora da UMVI, numa altura que quase coincidiu com os grandes incêndios que deflagraram em Pedrógão Grande, há quatro anos. Ao Gerador, Helena Freitas explica que, apesar da convicção generalizada, foram outras as razões que conduziram à demissão. “Achei que não valia a pena assim, se não tivesse força política. A minha força era a confiança que tinha por parte das pessoas com quem ia conversando nos territórios.”

Numa conversa sobre coesão territorial, desequilíbrios e soluções desvalorizadas Helena Freitas afirma que, mesmo fora do âmbito político, continua empenhada na “missão” de valorizar o interior.

Gerador (G.) – Na sua opinião a pandemia veio, de certa forma, inverter a tendência de despovoamento do interior, ou isso será uma afirmação demasiado otimista?

Helena Freitas (H.F.) – Tenho alguma expectativa de que as pessoas tenham, pelo menos temporariamente – pois não sei quanto tempo isto durará –, o desejo de ter mais natureza nas suas vidas, de ter mais qualidade de vida. Portanto há aqui, realmente, um momento em que fomos interpelados e obrigados a um confronto com a nossa própria vulnerabilidade, com uma vida que se calhar podia ter mais qualidade.

De facto conseguimos estar mais isolados e perceber que precisávamos do espaço aberto em vez do espaço fechado. Houve aqui muitas coisas que, temporariamente, nos despertaram. Acredito que isto possa ser mais do que temporário, agora, daí a ser a panaceia... não acredito, isso não acredito. Porque, aliás, isto já acontecia antes, não tem nada que ver com a pandemia.

Nós já estávamos a assistir [a essa inversão]. Eu disse sempre disse que era o momento [certo], e que se o poder político quisesse... essa abertura, essa disponibilidade já existia. Temos vários auxiliares aqui: temos uma agenda digital que nos faz perceber que podemos trabalhar em mais sítios e que a questão da distância não é a mesma coisa... Há um movimento convergente para uma mudança de perceção, de que podemos, de facto, viver em vários contextos. Se calhar não muito longe do aeroporto, ou não muito longe do centro urbano que nos permita ter acesso a uma série de coisas. E, se calhar, se tivermos família já não podemos fazer essa opção tão livre, porque as crianças precisam de ter uma escola... Portanto as coisas são muito diversas, mas havia já um movimento – que eu penso que seja tímido –, mas que começava a surgir. Esse desejo já existia e eventualmente continuará e sairá reforçado com a pandemia, mas não acredito que isso seja, sequer consistente, nem que se possa pensar que basta.

É preciso dar força a isso, é preciso continuar a perceber que sem algumas infraestruturas, conectividade, isso não é possível. Sem um reforço da agenda digital nesses territórios também não é possível. Sem termos, de facto, acesso a condições de saúde e educação mais próximos também não é possível. Sejamos sérios. Agora, há outros movimentos sociais e económicos e também de natureza ambiental. Hoje, felizmente, também as questões de natureza, ambiente, qualidade de vida são mais importantes para as pessoas. Portanto, eu penso que esses equilíbrios também serão cada vez mais importantes, mas não acho que vão resolver esta questão.

O desequilibro que Portugal tem é absolutamente absurdo e é de uma profundidade extrema. Nós temos uma situação de centralismo que é atávica. Temos concentrado de forma progressiva, sobretudo nas últimas décadas, os recursos, as empresas, as pessoas mais bem preparadas, as competências técnicas, as compras, basicamente tudo em Lisboa.

G. – Muito antes de ser criado o atual Ministério da Coesão Territorial já defendia que ele devia existir...

H.F. – É verdade, sim... por vezes as coisas perdem-se no tempo... mas é verdade.

G. – Tendo isso em conta, como avalia o trabalho que tem sido desenvolvido?

H.F. – Eu realmente achava que ele devia existir simplesmente porque percebi que, com a Unidade de Missão [para a Valorização do Interior], em que nem sequer apoio financeiro tive [não iria funcionar]. As pessoas não sabem isto, mas eu nem sequer tinha orçamento, o que é uma coisa absurda.

Estas coisas, depois, refletem-se na perceção dos atores do terreno, dos autarcas, etc., mostrando que não há, de facto, apoio político. Eu percebi rapidamente que era muito importante, até para eu conseguir ganhar a minha causa, que houvesse apoio político e que ele se refletisse, de facto, numa infraestrutura política, numa unidade política – neste caso um ministério – que fosse capaz de promover uma relação transversal, de par com outros ministérios. Porque eu queria transformar as políticas do setor da saúde, educação, da segurança social, da agricultura e, portanto, era importante ter uma relação inter pares. Nesse sentido, rapidamente preconizei a criação de um Ministério da Coesão Territorial. Hoje não teria feito exatamente essa opção, teria colocado num único ministério a Coesão Territorial e o Planeamento, porque, no fundo, eles estão a trabalhar juntos e não podem trabalhar separadamente.

Ou seja, se o Ministério da Coesão Territorial fosse um ministério muito político, eu achava que devia estar separado como está, mas eu acho que ele é mais técnico do que político. Tal como foi pensado, configurado e como tem atuado tem sido sobretudo um mistério muito mais técnico. Nessa perspetiva, penso que podia perfeitamente estar associado ao planeamento.

G. – Quando se refere ao planeamento...

H.F. – [Refiro-me] aos fundos, fundos comunitários. Acho que, no fundo, estão a trabalhar em conjunto, ou seja, se o Ministério da Coesão Territorial fosse um ministério reformador das políticas públicas – que era aquilo que eu esperava, que continuasse uma aposta, no plano da coesão, de reforma estrutural do país, que envolveria necessariamente a regionalização e, portanto, a transferência de facto de competências públicas para os territórios –, isso seria um caminho de reforma estrutural e política.

Nessa altura, o ministério que eu achava que devia existir era aquele que propunha, que era a coesão territorial. Eu penso que a opção tem sido mais no sentido de colocar dinheiro, digamos assim. Claro que haverá razões para isso, e eu acho que houve uma tentativa de dar continuidade ao Plano [Nacional] de Coesão Territorial e à valorização, mas é muito através do financiamento e de pacotes financeiros. Nesse sentido, penso que está a haver uma articulação muito forte e quase sobreposta [das áreas] do planeamento e da coesão.

Não é que eu seja crítica disso, acho que tem havido um esforço e claramente a Ministra da Coesão [Ana Abrunhosa] é uma pessoa que conhece bem os territórios, foi presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento [CCDR] da região Centro e fez um excelente trabalho. Conhece muito bem as autarquias, a dinâmica dos territórios, portanto, acho que ela tem feito um esforço no sentido de colocar o dinheiro em projetos para também criar dinâmicas, mas não acho que esteja a ser feito o trabalho reformador que o problema exige. O problema neste momento não é só em Portugal, mas em Portugal, seguramente, o problema mais grave que nós temos é o da desigualdade.

G. – Na sua opinião, essa falta de ação de ação reformadora poderá ser porque o ministério terá pouca autonomia?

H.F. – Não creio. Acho que é a própria matriz deste Governo. Eu acho que é um Governo que não tem muito esse desígnio, não tem essa inspiração. Vamos lá ver, isto é uma postura, [vê-se que] não há essa decisão. Aliás, claramente.

O próprio primeiro-ministro, ainda há pouco tempo, anunciou que pensaria na regionalização em 2024, quando, eventualmente, já nem está cá. Portanto é a matriz [do executivo]. Acho que há vontade de fazer alguma coisa, e está-se a apoiar projetos nos territórios, na perspetiva de ajudar a criar dinâmicas de desenvolvimento, mas não acho que exista, de facto, uma agenda política de reforma da nossa própria organização que permita darmos um salto qualitativo.

G. – Há alguns dias a secretária de Estado da Valorização do Interior, Isabel Ferreira, anunciou que foram criados cerca de 24 mil empregos com as medidas que foram implementadas até agora. Na sua opinião, isto é reflexo de um trabalho que é significativo e está de facto a fazer diferença?

H.F. – ... Até foi invocado o meu plano de coesão. Eu fiquei agradada por isso, porque às vezes tentaram ainda pôr um bocado na gaveta, mas, de facto, foram medidas preconizadas no plano. Só que o meu plano era um programa de uma série de medidas de política pública que, depois, de 6 em 6 meses, tinham de ser acrescentadas e que, portanto, tinha de se ir dando continuidade, e eu acho que isso, no fundo, iniciou um conjunto de investimentos e de lógicas de investimento que, sem dúvida, têm de ter algum resultado e eu acredito [que tenham]. Aliás, é evidente que sim. Ela está a apresentar esses números é porque eles são reais.

G. – Mas eu gostava de perceber uma coisa: os programas que estão no terreno, são medidas que já tinham sido delineadas por si, anteriormente?

H.F.Sim. Há outros – com certeza que sim –, mas algumas destas medidas o plano de coesão já propunha, [nomeadamente] um conjunto de investimentos e de iniciativas setoriais, algumas da natureza do enquadramento político, outras [eram] orientações de investimento...

Dou-lhe um exemplo: o primeiro programa que nós fizemos na área do turismo, o Valorizar – que foi o primeiro pacote que propus ao secretário de Estado do Turismo – que [tinha uma dotação orçamental de] 10 milhões de euros e hoje tem uma repercussão extraordinária nos territórios. Evidentemente que hoje terá outros nomes, outras designações, mas a verdade é que – e ainda me recordo bem – quando propus a primeira vez e quisemos que esses fossem investimentos exclusivos do interior, naqueles 165 concelhos que estão identificados no mapa dos territórios de baixa densidade, a primeira contestação que eu tive foi do Turismo de Lisboa, que considerou um disparate termos financiamentos exclusivos para estes territórios. Tivemos uma fortíssima contestação que podia mesmo ter conduzido a um falhanço desse programa. Evidentemente – e ainda bem – que depois foram pensados outros investimentos. Mas alguns investimentos estratégicos, de facto, ainda os pensei.

G. – Tem memória de quais os projetos que delineou na altura e que acabaram por ficar pelo caminho?

H.F.Havia alguns que estávamos a pensar e que agora não sei se vão acontecer ou não. Estou a pensar, por exemplo, nas infraestruturas rodoviárias que faziam algumas ligações para mim importantes, estruturantes. Pequenas vias de ligação, que eu penso que agora se tentou colocar.

Isto porque havia aquele entendimento, infelizmente – que foi um pouco criado por nós e que até tem alguma razão – que nós tínhamos estradas a mais. Só que temos estradas a mais no litoral e em algumas zonas, mas temos, de facto, necessidade de algumas pequenas estradas que são importantes para ligar alguns concelhos. Aqui, no distrito de Coimbra, por exemplo, o concelho da Pampilhosa da Serra tem uns acessos fraquíssimos e muito importantes para abrir algumas funções de economia local. Esse tipo de coisas estávamos a pensá-las com as Infraestruturas de Portugal – que não sei se vamos conseguir, se o Governo português agora tentou que fosse possível no atual quadro [e] eu espero que seja.

Outras coisas como a solução de navegabilidade do Guadiana... há inúmeras iniciativas. Na área da agricultura, por exemplo, é preciso reforçar mais o apoio à agricultura familiar. Há uma série de áreas que eu acho que não tiveram ainda [a resposta necessária], outras estão a fazer o caminho. Por exemplo, a questão do cadastro, no setor florestal, ou ainda a questão do número de alunos por turma, que foi algo que nunca se resolveu e havia que estudar esse problema e conseguir que o Ministério da Educação seja mais justo também, na perspetiva dos territórios.

Estas coisas demoram tempo, não é? A política não se compadece desses tempos... mas isso está identificado no programa. Eram áreas que teríamos de trabalhar. Com este Ministério da Coesão [Territorial], eu achava também importante termos criado uma estrutura de extensão, um corpo técnico interdisciplinar que fosse para os territórios, numa colaboração direta com as autarquias. Nós temos muitos problemas de recursos técnicos em muitos destes concelhos que estamos a falar, no interior. É preciso ajudar a construir as soluções – o que não quer dizer que sejam os de Lisboa que vão lá fazê-las, não é nesse sentido, é no sentido de termos de reforçar as competências técnicas.

De facto, há enormes carências e [queríamos] ajudar a construir soluções. Vamos supor: um determinado território queria fazer uma opção de valorização agroecológica ou implementar um sistema de aproveitamento de recursos endógenos etc., tem que ter competências técnicas que não tem. O trabalho do ministério, para mim, era este trabalho, reformador, de proximidade, quase que uma provedoria dos territórios mas ativa na promoção de soluções.

Pronto, era isso. Tive muita pena [de não continuar], pois estava muito dedicada. Era a minha missão, mas achei que não tinha força política.

G. – Porque é que se demitiu, logo após os incêndios de Pedrógão Grande?

H.F. – Há um erro aí, infelizmente. Eu demiti-me antes dos incêndios, só que as pessoas não sabem. Eu escrevi uma carta ao Dr. António Costa, primeiro-ministro, no dia 8 de junho [de 2017], portanto dez ou onze dias antes dos incêndios – ou nem isso, pois foi dia 17 a [tragédia] de Pedrógão. Eu apresentei uma carta de demissão no dia 8 de junho, pelo que foi uma coincidência.

G. – Nesse caso, qual foi o motivo da demissão?

H.F.Depois de ter conseguido, no final de 2016, a aprovação do Plano Nacional de Coesão Territorial, o meu compromisso com os territórios era de seis em seis meses propor novas medidas de reforço desse caminho. Preparei um conjunto de iniciativas que, para mim, eram importantes, para esse dia de junho [apresentar] no Conselho de Ministros e não tive... basicamente preparei tudo, os documentos que eram necessários, de apoio à proposta, e depois ninguém me disse nada. Acabei por saber pelo ministro que eu tinha – que era o Eduardo Cabrita – que não tinha sido feito nada, que não tinha acontecido nada e nem sequer quiseram saber de mim, digamos assim. [risos]

Eu achei que não valia a pena assim, se não tivesse força política. A minha força era a confiança que tinha por parte das pessoas com quem ia conversando nos territórios. As pessoas confiavam em mim, e eu jamais iria defraudar as expectativas delas. Portanto se, de facto, eu não tinha apoio político não valia a pena.

G. – Diria que o trabalho que desenvolveu e que pretendia ainda desenvolver foi desvalorizado pelo executivo na altura?

H.F. – Sim, sim, claramente. Não senti esse apoio, não houve nenhuma abertura, ninguém discutiu nada disso. De facto, não me senti apoiada e tive a sensação muito clara de que não percebiam a dimensão do problema. Aliás, curiosamente – e infelizmente pelas piores razões –, isso confirmou-se em Pedrógão quando, a seguir aos incêndios, imediatamente me transmitiram que a Unidade de Missão [de Valorização do Interior] iria [ser deslocada] para lá.

G. – Na altura chegou a existir a perceção de que se teria demitido devido a essa mudança, da sede da unidade...

H. F. – Sim, sim. Eu seria claramente desfavorável a essa mudança também. Portanto, depois tive de esperar até julho para se resolver a situação, etc., mas também é verdade que, depois, nessas semanas, houve algumas trocas...

Eu já estava nessa situação demissionária mas, de facto, fui contra essa decisão, porque, para mim, essa saída da Unidade de Missão para Pedrógão Grande era uma decisão de politiquice, quer dizer, não era uma decisão séria. No fundo, reforçava a minha ideia de uma certa desvalorização. Portanto, eu não gosto de pactuar [com isso] e nem preciso.

Acho que há coisas que estão acima [disso]. Prefiro reter a minha tranquilidade, a minha seriedade e a minha integridade, portanto não estive de acordo. Aliás, percebi que a situação era de uma gravidade brutal, como todos nós, e, realmente, não senti que havia a resposta ao nível que devia ser, mas é uma questão de entendimentos. Ninguém me tratou mal, mas não tive o apoio político que achava que era preciso ter. Não valia a pena estar a fazer um caminho... como lhe digo, eu não tinha orçamento sequer... e o meu ministro era o Eduardo Cabrita...

G. – Portanto, o seu cargo, no fundo, foi criado para desenvolver apenas o plano, e não para o implementar. É isso?

H.F. – Não sei... isso terá de perguntar [a outros], mas a sensação que eu tenho é um bocadinho essa, porque senão ter-me-iam dado outras condições. Mas depois acabaram por dar... o João Paulo Catarino era o meu coordenador adjunto – uma pessoa que eu estimo muito – e passou a ser ele o coordenador da unidade, passou depois a secretário de Estado [da Valorização do Interior], etc.

Portanto, através dessa promoção política, julgo que tentaram demonstrar alguma intenção de valorizar a área, mas tudo bem. Achei sempre que era preciso uma força política e o entendimento que eu acho que ainda não existe é que esta questão da desigualdade e dos desequilíbrios territoriais é, talvez, um dos problemas mais graves que o país tem e acaba por condicionar o nosso próprio desenvolvimento.

Acho que esse centralismo de que nós padecemos é péssimo para o país. Portanto, era uma questão mesmo de não ser compatível. Ninguém me tratou mal, como digo... mas quer dizer... o próprio primeiro-ministro também não me quis ouvir nessa fase, o meu interlocutor era o ministro adjunto, e ele, se calhar, achava que fazia o suficiente. Pronto, não estávamos no mesmo registo.

G. – Mas, de certa forma, acabou por deixar um legado para este ministério que hoje existe...

H.F. – [pausa] ... sem dúvida, sim. Ainda bem que o diz e que não fui eu que disse [risos].

G. – Estou a dizer no sentido de perguntar se concorda...

H.F.Concordo, sim. Espero e desejo que a atual Ministra [da Coesão Territorial] tenha sucesso no cargo que desempenha e tenho a certeza de que o fará com muito empenho e muita generosidade, como acho que o fará também a secretária de Estado. E farão nas condições que tiverem, saberão criar condições que eu não soube. Eu fiz aquilo que fui capaz de fazer.

O que posso dizer é que me dediquei inteiramente a isso. Fiz, em seis meses, o plano, como era previsto na lei. Fiz talvez 10 mil quilómetros por mês em seis meses, conversei com todas as pessoas, estive nos territórios todos. Foi para mim um privilégio imenso conhecer ainda melhor Portugal. Era a minha missão, mas tinha de ter ajuda, quer dizer, prosseguir a lei de forma séria. Porque rapidamente criei laços, também, com os territórios, com as pessoas, e sentia que tinha de corresponder [às expectativas], que as coisas tinham de fazer um caminho, e eu queria que ele fosse rápido, porque percebia a gravidade do problema. Não tive, realmente, o apoio que achei que devia ter para fazer esse caminho.

Depois, todo aquele turbilhão de acontecimentos em volta de Pedrógão Grande, no fundo, também confirmou essa perceção. Como eu costumo dizer, deixei a unidade, mas mantenho a missão e continuo a fazer coisas por aí. Estou a fazer vários projetos e programas nos territórios, acarinhei muitos que estavam [já em andamento]. Olhe, acarinhei algo que também ficou inscrito no meu programa, que é a reabilitação da Fundação Côa [Parque] que, para mim, seria uma âncora imprescindível nos territórios. Infelizmente, o diretor que estava [Bruno Navarro], por quem eu tinha uma grande estima e que acompanhava o trabalho, morreu há uns meses, o que foi uma grande tragédia para o projeto em si. Mas continuo a pensar que é uma âncora fundamental daquele território e outros.

É preciso acarinhar, mas não é fácil porque a verdade é que as desigualdades são cada vez maiores. Na maior parte destes territórios, as coisas básicas não estão preparadas para que as pessoas façam essa escolha [de se mudar e viver no interior]. É um esforço, tudo é um esforço.

G. – Na sua opinião, o problema que nós temos de falta de coesão territorial também passa, por exemplo, por falta de ordenamento do território? Pergunto isto devido à questão das florestas, incêndios, etc...

H.F. – Não, porque o ordenamento não é necessariamente pensado em função das pessoas e um plano de coesão é. É pensado em função das pessoas, do seu bem-estar, tem preocupações efetivas sobre o rendimento das pessoas, do bem estar das famílias. Um plano de coesão é isso: um plano que pensa e capacita os territórios em função da resposta às pessoas, que são os portugueses, que são iguais e que têm os mesmos direitos, qualquer que seja o sítio onde vivem.

O plano de ordenamento é um plano que é pensado em função dos recursos, da organização dos mesmos, do espaço, e da economia necessariamente, mas não dá a prioridade que o plano de coesão dá. O plano de coesão é uma coisa diferente porque, em primeiro lugar, responde às pessoas e às suas condições de bem-estar.

Eu acompanho, sou amiga e, aliás, convidei explicitamente a pessoa que coordenou o plano de ordenamento do território para me acompanhar no Plano [Nacional] de Coesão [Territorial]. As coisas, para mim, fazem sentido em articulação, mas são coisas distintas. O plano de ordenamento pensa o território, a disponibilidade de recursos, a sustentabilidade dos recursos. É também um plano transversal, tem essa preocupação, de articular o território, as comunidades, os espaços da sociedade, mas no plano de coesão a preocupação central são as pessoas e o seu bem-estar.

G. – Em 2016, defendia o investimento na agricultura para desenvolver o interior...

H.F. – E continuo a defender. Continuo a defender, mas quero esclarecer (que isso eventualmente pode suscitar equívocos): a agricultura é uma peça indispensável desta revolução que temos de fazer, da transformação que temos de fazer, mas não quer dizer que eu dispenso a indústria, a alta tecnologia, etc. O interior pode e deve ter [tudo]. A agricultura, para mim, é uma forma inteligente de desenvolver um território, não é uma forma ultrapassada (porque a agricultura tem um pouco esse estigma).

G. – Eu falei nisto porque depois existem casos de agricultura intensiva, ou monocultura, em que a mesma se torna prejudicial em muitos níveis...

H.F.Sim, mas isso é uma deficiência no sistema. Uma agricultura intensiva ou superintensiva pode ser insustentável, como é em muitos casos e conhecemos bem casos que representam essa questão que está a mencionar.

De facto, 15 a 20 % do Alentejo hoje, infelizmente, tem uma agricultura superintensiva, situações que todos conhecemos em Odemira, com um setor hortofrutícola mais desligado. Isso são soluções que nós acabámos por permitir que entrassem e que medrassem, mas a agricultura é muito mais que isso. Cinquenta por cento da nossa agricultura é de base familiar. Essa agricultura que menciona não é dominante. Aquela que alimenta o tecido social não é essa e, portanto, o que nós temos fortemente que apoiar é a outra agricultura.

 Temos de ajudar essa agricultura que tem uma base social e territorial fortíssima, que é indispensável para a sustentabilidade dos territórios e que precisa de ajuda, de facto, para poder ganhar em tecnologia, ganhar em valor.

Se for visitar hoje o Vale do Côa, o Vale do Douro, etc., tem as soluções de pequena agricultura, como o próprio vinho do Douro, por exemplo. A vinha dessa área é altamente tecnológica, mas compatível, que se construiu numa base com conhecimento, com inteligência e de uma forma compatível com as condições bioclimáticas. Isto é que é o exercício. Por isso, a agricultura é realmente muito importante porque o sistema alimentar – chamemos-lhe assim – pode ajudar a construir soluções de turismo, de rentabilidade, industriais, e o país tem ótimas condições para isso.

O grande problema da agricultura em Portugal é que, nas últimas décadas, particularmente desde que entramos na PAC [Política Agrícola Comum], na União Europeia, houve coisas que foram positivas, mas houve muitas que foram péssimas. Porque, de facto, estamos hoje muito agarrados a lóbis que se instalaram e mandam na agricultura nacional e é para aí que vai o dinheiro. Não podemos esquecer que 50 % dos fundos comunitários vão para a agricultura! Não é brincadeira. [A questão] é que não vão necessariamente para aqueles que precisam dela, esse é que é o problema.

Portanto, quando eu digo que a agricultura é importante, não quero dizer com isto que eu acho que os territórios rurais, do interior, são territórios de segunda e que, portanto, têm uma solução económica que é de segunda, porque é mentira. Hoje a agricultura é uma solução de primeira. A agricultura familiar alemã é das mais competitivas do mundo! Mas isto é uma conversa muito longa [risos].

Continuo a achar, sim, que a agricultura é muito importante e, oxalá, consigamos apoiar sobretudo a agroecologia, a agricultura de base agroecológica, as agricultura que, de facto hoje reconcilia a intervenção nos solos com a natureza. Essas são as melhores soluções. É isso que nós temos de apoiar, sim, e é isso que os futuros e atuais turistas vão querer, percebe? Não é andarem a ver estufas de 300 quilómetros... São conversas muito extensas e é por isso que nestas coisas da coesão é importante olhar sem dogmas, de forma aberta, ouvir. Pois somos muitos e, de facto, as soluções podem ser diversas... Mas quando falamos de agricultura não significa que estamos a dispensar a indústria aeroespacial, não é?


Entrevista por Sofia Craveiro
Fotografia cedida por Helena Freitas

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