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Opinião de Shenia Karlsson

Hetero Pessimismo: Antes só do que mal acompanhada?

Nas Gargantas Soltas de hoje, Shenia Karlsson fala-nos sobre relacionamentos heteronormativos e as suas consequências para as mulheres.

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No mês internacional da mulher, somos inundadas de mensagens de encorajamento, de empoderamento e de valorização, sentimos um ar de renovação e de certa forma contempladas em ter um mês só para nós, embora tenhamos que sobreviver às armadilhas patriarcais insistentes em nos boicotar a todo custo. No entanto, achei  impossível não discutir sobre as desventuras do mercado afetivo e como as mulheres andam colecionando amarguras e descontentamentos, afinal, o mercado tem sido ingrato para nós, não é?! São tantos relatos em minha clínica, ficou difícil ignorar.

Este artigo terá como tema principal um conceito relativamente novo, o hetero pessimismo,  conceito este bem relevante para dar conta de um fenômeno atual e que cresce a cada dia. Decerto devo pontuar o recorte que dei ao assunto abordado, sendo assim, desta vez falo da mulher cisgênero e hetero, e quem sabe, possamos explorar num futuro muito próximo experiências para além da heteronormatividade. Também tratarei o fenômeno em termos de sofrimento psíquico, visto que é uma queixa recorrente nos gabinetes e nós, profissionais da psicologia, sabemos que queixa é demanda a ser tratada.

Podemos definir o hetero pessimismo como um sentimento compartilhado coletivamente entre as mulheres, e diz respeito ao acúmulo de experiências amorosas mal sucedidas e frequentemente traumáticas, construindo marcas profundas e muitas vezes expressadas através da falta de esperança, do pessimismo e do ressentimento. Foi em 2019 que pela primeira vez o conceito foi publicado por uma pesquisadora dos estudos de gênero, questões das mulheres e sexualidade, a escritora norte-americana Asa Seresin. A autora  levanta uma discussão sobre a heteronormatividade enquanto um modelo obsoleto e insuficiente para atender as expectativas das mulheres após tantas revoluções e avanços. 

O modelo heteronormativo, segundo a autora, tem suas raízes em lógicas patriarcais, tendo sido construído numa base ocidental branca e persiste em nortear papéis sociais definidos pelo machismo e sexismo. Posto isto, podemos perceber uma tensão entre o vislumbrar novas possibilidades de experiências e arranjos relacionais contra um modelo ainda muito latente e introjetado em nossas formas de viver relações amorosas, especialmente por parte dos homens. Parece difícil apagar séculos de um histórico de hierarquização de gênero, produtor de submissão das mulheres e ainda a forte objetificação de nossos corpos. Em contrapartida, a dificuldade dos homens em abrir mão dos privilégios  do patriarcado em que revivem a dominação e o poder.

Será que estamos diante de uma crise de papéis sociais? Os papéis sociais e de gênero tornaram-se difusos, uma arena de disputa. De um lado, um homem ressentido em perder vantagens, superficial e com repertório relacional limitado, confuso em performar gênero, egoísta, infantil, egocêntrico e resistente aos novos aprendizados. Do outro, a mulher frustrada, ressentida, super vigilante e desconfiada, sentindo-se castigada por não mais ceder aos caprichos patriarcais, super exigente, defendida e confusa ao que tange a diferença entre abuso e diferenças subjetivas inerentes ao gênero.

Acredito que o maior problema da heteronormatividade são suas bases principais: a desigualdade e a violência. Com bases tão questionáveis, como nós mulheres podemos superar as formas com as quais as relações amorosas foram estruturadas para então viver experiências mais saudáveis?  Existe uma grande problemática ao meu ver, a generalização. Os conjuntos de estigmas em torno dos homens foram tão cristalizados a ponto de nos anteciparmos as decepções como se fosse um único destino. A mulher hetero vive uma ambivalência, entre o desejo de estar com os homens e o medo do fracasso. 

O hetero pessimismo pode ser considerado uma forma de sofrimento psíquico, visto que muitas mulheres demonstram  sintomas de apatia, desesperança, raiva, ressentimento, estados ansiosos e depressivos por sentirem de certa forma a rejeição e a manipulação dos homens. Ademais, o campo relacional é uma dimensão importante para todos nós, e, de certa forma, socialmente, quando uma mulher está numa relação formal ela é vista positivamente, como completa, ela goza de um status social. Conquistar aquela relação amorosa tão sonhada por muitas é um capital social, do contrário, estar sozinha é viver o fracasso feminino.

Embora a solitude seja um ideal a ser alcançado, não podemos ignorar que muitas mulheres sofrem por não serem as escolhidas para estar numa relação formal e adoecem por isto. O hetero pessimismo é uma das mais variadas consequências da mulher que recusa-se a performar gênero nos moldes tradicionais sendo vista como uma ameaça para os homens. O castigo? A geladeira. Como ela responde a isso? Fingindo desinteresse e aferindo culpa ao universo masculino sem levar em consideração seus mecanismos de defesa e colocando todos os homens em um só pacote. Oportunidades são perdidas por conta da evitação.

Aqui deixo mais provocações do que soluções. Será que seremos capazes de produzir um modelo relacional capaz de contemplar o homem e a mulher cisgênero? Como performar gênero  na  atualidade? Como curar os ressentimentos e superar as desconfianças? Como resgatar a esperança no amor?

Antes só do que mal acompanhada, já aprendemos ser melhor, claro. Já não faz  sentido estar em relações que não nos contempla, que não atenda necessidades básicas como respeito, troca mútua, comunicação saudável e afins. Contudo, somos seres relacionais e nos desenvolvemos nas trocas, aprendemos muitas coisas sobre nós e sobre os homens. Manter a esperança vale a pena.

Viva a nós, mulheres. Que as forças matriarcais estejam entre nós!

- Sobre a Shenia Karlsson -

Preta, brasileira do Rio de Janeiro, imigrante, mãe do Zack, psicóloga clínica especialista em Diversidade, Pós Graduada em Psicologia Clínica pela PUC-Rio, Mestranda em Estudos Africanos no ISCSP, Diretora do Departamento de Sororidade e Entreajuda no Instituto da Mulher Negra de Portugal, Co fundadora do Papo Preta: Saúde Mental da Mulher Negra, Terapeuta de casais e famílias, Palestrante, Consultora de projetos em Diversidade e Inclusão para empresas, instituições, mentoria de jovens e projetos acadêmicos, fornece aconselhamento para casais e famílias inter racias e famílias brancas que adotam crianças negras.

Texto de Shenia Karlsson
As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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