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Hotspot Climático: Portugal vai aquecer a um ritmo 20% superior ao aquecimento médio global

De acordo com dados do Instituto de Meteorologia, desde 1930, a temperatura média em Portugal já subiu 1,2ºC. Mas que efeitos devemos esperar? E quando vão acontecer? O que é possível saber?

Texto de Redação

Ilustração de Frederico Pompeu

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Um ano com dez ondas de calor. Cinco anos de seca severa numa década. Este pode ser o futuro do clima no nosso país. Portugal é particularmente vulnerável aos efeitos das alterações climáticas. De acordo com dados do Instituto de Meteorologia, desde 1930, a temperatura média em Portugal já subiu 1,2ºC. Mas que efeitos devemos esperar? E quando vão acontecer? O que é possível saber?

Os alertas são antigos. Em 2018, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) destacou a região do Mediterrâneo — que inclui Portugal e outros países do Sul da Europa — como um “ponto quente” (hotspot) das alterações climáticas. Ou seja, uma área no mundo onde os sinais de mudança climática são especialmente intensos.

“Os modelos são todos unânimes a mostrar que estamos mesmo num processo de aquecimento regional, não só global”, afirma Pedro Matos Soares, investigador principal do Instituto Dom Luiz e professor convidado no Departamento de Engenharia Geográfica, Geofísica e Energia, ambos da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. “Na combinação destes dois fatores [aumento da temperatura e redução da precipitação], temos um aumento da frequência de outros extremos”, como, por exemplo, da precipitação extrema, “e, por outro lado, como vamos ter menos dias de chuva e menos precipitação, mais escassez de água, vamos ter períodos de seca mais frequentes e mais duradouros”, explica o docente que estuda há mais de duas décadas os impactos das alterações climáticas.

Mais dias quentes, ondas de calor, períodos de seca mais frequentes e mais prolongados, mais dias com risco de incêndio, menor volume de água nos rios, inundações, cheias repentinas ou galgamentos costeiros. Algumas destas alterações já se sentem no Sul da Europa e Península Ibérica, mas, à medida que a temperatura aumentar, garante a comunidade científica, os fenómenos vão intensificar-se. E as repercussões, como veremos, não são só ambientais, mas também económicas ou na saúde das populações.

Para esta região, os modelos climáticos projetam um aquecimento consistente a taxas de cerca de 20% acima das médias globais, chuvas reduzidas em 12% e subida do nível do mar.

O impacto em Portugal

Os relatórios internacionais e os esforços de modelação climática baseiam-se em cenários globais de evolução das emissões de gases com efeito de estufa, conhecidos como RPC (Representative Concentration Pathways). Esses cenários, formalmente adotados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), representam projeções plausíveis — e frequentemente simplificadas — do clima futuro, considerando diferentes trajetórias de emissão. Eles servem como base para investigar as potenciais consequências das mudanças climáticas causadas pela atividade humana.

Pedro M. Soares é também o coordenador científico do Roteiro Nacional para a Adaptação 2100 (RNA100), um projeto que procurou aferir os impactos das alterações climáticas em Portugal em todo o século XXI, integrando entidades como a Agência Portuguesa do Ambiente, a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, a Direção-Geral do Território e o Banco de Portugal.

Para além de olhar para todas as transformações que se vão registando e perceber os impactos nos setores de alta vulnerabilidade, o projeto pretende também perceber os custos económicos dos impactos e avançar com medidas de adaptação quantificando custos e benefícios dessas medidas. 

Apresentado em maio deste ano, o estudo realizado para o RNA100 indica que Portugal poderá vir a sofrer 10 ondas de calor por ano no final do século, caso se verifique o pior cenário de evolução do aquecimento global, na ordem dos 4,5Cº. 

Os cenários

Os RPC são projeções que representam diferentes trajetórias possíveis de emissões de gases com efeito de estufa e suas implicações no clima futuro. 

O RPC 2.6 é um cenário alinhado com as metas do Acordo Paris, e que por isso prevê uma redução das emissões. No entanto, a “plausibilidade [deste cenário] está mais ou menos a diminuir, ano após ano, porque continuamos a não diminuir as emissões globais, apesar de termos bons exemplos”, alerta Pedro M. Soares. O RCP 4.5, por sua vez, representa um cenário intermédio, em que as emissões continuam a crescer até que estabilizam, e o RCP 8.5 é o cenário mais gravoso que prevê “emissões muito crescentes”. 

É possível dizer, à data de hoje, exatamente o que vai acontecer daqui a 50 anos em Portugal? 

A resposta é não, tanto para Portugal, como para o resto do mundo. “A evolução climática à escala de Portugal e à escala global vai ser determinada pelo que é a realidade futura das nossas atividades económicas no que diz respeito às suas emissões subjacentes de gases de estufa”, esclarece Pedro M. Soares.

Devido à inércia inerente ao sistema climático, os próximos anos estão traçados, “porque acumulámos alguma irresponsabilidade na maneira como, em termos globais, encarámos a necessidade de reduzir emissões”, explica o professor universitário. Mesmo que, ao dia de hoje, parássemos completamente de usar combustíveis fósseis e de emitir gases com efeito de estufa para a atmosfera, o planeta ainda continuaria a aquecer, por uma ou duas décadas. Mas não da mesma forma – como acontecerá se continuarmos sucessivamente a aumentar as emissões de gases. “[O planeta] teria um aquecimento mais paulatino, mas continuaria, porque os oceanos têm uma quantidade de energia gigantesca armazenada nos últimos anos.”

Agora, olhando num horizonte de 10, 20 anos, o cenário dependerá da evolução das emissões de gases de efeito de estufa. Se continuarmos a emitir mais gases com efeito de estufa e a aumentar as concentrações, o cenário só vai piorar. “Este agravamento será tão mais substancial quanto maior a passagem do tempo e essas emissões.” Portanto, as projeções, não sendo definitivas, são reais.

De que cenário estamos mais próximos?

Tendo em conta a trajetória atual de concentração de emissões, segundo Pedro Matos Soares encaminhamo-nos globalmente para o cenário intermédio RCP 4.5, “mas vivemos uma conjuntura geopolítica muito complexa”. 

Por um lado, os conflitos armados a decorrer no mundo e o contexto de rivalidade regional, em termos políticos e geoestratégicos, não são promotores de uma concertação global para fazer face às alterações climáticas e à necessidade de redução de emissões. Por outro lado, os resultados das eleições presidenciais norte-americanas também são um foco de preocupação e imprevisibilidade. Uma vitória do candidato Donald Trump “pode ter um efeito também muito pernicioso na questão da ação climática”, explica o investigador, relembrando que, quando era presidente, o republicano retirou os Estados Unidos da América do Acordo de Paris. 

Apesar de os últimos relatórios indicarem que não estamos a caminhar para o pior cenário, alerta Pedro Matos Soares, “as incertezas do ponto de vista da ação nos próximos anos é muito grande.”

Adicionalmente, o sistema climático é complexo e não linear. Os extremos climáticos são por isso muito difíceis de projetar. “Podemos ter surpresas do ponto de vista de uma intensificação desses mesmos extremos.” E os tipping points - pontos de inflexão, ou pontos de não-retorno de subsistemas climáticos - podem também levar a grandes transformações do sistema climático, acrescenta ainda.

“Quando olhamos para toda esta realidade, [devemos] observar resultados para todos os cenários, para podermos ir monitorizando onde estamos e podermos assistir a decisão política com rigor e com eficácia”, defende o investigador. “Defendo sempre que, estando nós a convergir para um cenário intermédio, não devemos só olhar para esse cenário, para não termos de repente surpresas do ponto de vista conjuntural, circunstancial e também de tipping points, de incertezas ligadas à representação dos processos dos extremos.”

Mediterrâneo: uma região a vermelho

As razões para o Mediterrâneo estar a aquecer mais depressa estão ainda em estudo, no entanto, as indicações científicas apontam para uma intensificação do movimento descendente na atmosfera, que faz com que haja um aquecimento superior nesta região. Ser um mar mais confinado, e que tem registado grandes anomalias de temperatura na superfície, será outro dos motivos por que o Mediterrâneo está a aquecer também mais rápido do que os oceanos. E há ainda estudos que apontam para o facto de, no inverno, devido a este aquecimento, haver um menor contraste entre a temperatura do mar e as zonas de terra confinantes com o Mediterrâneo. 

A Europa é, de resto, o continente que está a aquecer mais depressa nas últimas décadas. A temperatura está a subir a uma taxa duas vezes superior à do resto do mundo, e os três anos mais quentes desde que há registo aconteceram desde 2020. 

Os sistemas climáticos são complexos e influenciados por múltiplos fatores. No caso da Europa, o aquecimento é mais rápido, em parte, porque a maior parte do continente é composta por território, e o solo aquece mais rapidamente do que as massas de água. Essa explicação foi destacada por Rebecca Emerton, autora principal do relatório "O Estado do Clima na Europa, 2022", durante uma conferência de imprensa virtual de apresentação do estudo.

O IPCC concluiu que, até 2050, a região do Mediterrâneo enfrentará uma combinação de fenómenos climáticos de elevado impacto, como aquecimento, temperaturas extremas, aumento de secas e aridez, diminuição da precipitação, aumento de clima propício a incêndios, alterações nos níveis do mar, e ainda a redução da cobertura de neve e da velocidade do vento. 

Diz ainda a organização que o nível do mar aumentará em todas as áreas europeias, exceto no mar Báltico. Como país costeiro, Portugal estará particularmente suscetível, pois com eventos extremos mais frequentes deverão ocorrer mais inundações costeiras. As linhas ao longo das costas arenosas deverão assim recuar ao longo de todo o século XXI.

Menos dias de tempo ameno por ano até 2100

Para a maioria das pessoas, não é fácil decifrar o impacto do aumento das temperaturas na sua vida quotidiana. Para tentar resolver este problema, investigadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) criaram uma forma inovadora de medir esta mudança na vida real e prever os seus efeitos a longo prazo.

Utilizando dados de 50 modelos climáticos diferentes, traçaram um mapa de como o número de dias ao ar livre em vários países do mundo irá aumentar ou diminuir até 2100. E aqui Portugal aparece como o segundo mais afetado da Europa.

Estes dias ao ar livre referem-se a períodos de 24 horas em que as temperaturas são suficientemente agradáveis para que a maioria das pessoas possa realizar atividades ao ar livre, quer sejam de trabalho ou de lazer. São dias em que não está demasiado quente nem demasiado frio, o que os cientistas consideram ser aproximadamente entre 10ºC e 25ºC, e em que não ocorrem fenómenos meteorológicos extremos.

O estudo do MIT concluiu que os destinos tropicais registarão as maiores alterações nos dias ao ar livre. A República Dominicana será o país mais afetado – perdendo 124 dias de tempo ameno por ano até ao final do século –, seguido do México, Índia, Tailândia ou o Egipto perderão metade desses dias.

Os investigadores apontam também para uma divisão entre o Norte Global, que ganhará mais dias de tempo ameno, e o Sul Global, que os perderá em maior número, apesar de ter emitido menos gases com efeito de estufa. 

No que toca à Europa, o estudo do MIT refere que há também uma divisão entre o norte e o sul do continente. No Norte, haverá mais dias com um clima confortável à medida que os invernos aquecem, enquanto que no Sul o calor extremo durante os meses de verão fará com que o número de dias ao ar livre diminua.

Portugal, de acordo com este estudo, será um dos países mais afetados do continente, uma vez que poderá registar menos 33 dias ao ar livre por ano até 2100 devido ao calor extremo entre maio e setembro – e sendo que só a Grécia apresenta um cenário pior.

Os investigadores afirmam que a disparidade na Europa já se faz sentir e que as pessoas estão a escolher para onde viajar com base no calor cada vez mais extremo em destinos anteriormente populares.

Está a acontecer

Os alertas da comunidade científica existem há cerca de 40 anos. Estamos num processo de alteração climática acelerado, e a face visível mais nefasta não é a variação da temperatura máxima global, mas são os fenómenos extremos, como as secas, inundações, incêndios sem precedentes, com impactos diretos sobre as sociedades, as pessoas e todos os setores económicos.

Os alertas da comunidade científica estão presentes há cerca de 40 anos. O que estamos a enfrentar não é apenas uma variação na temperatura máxima global, mas um processo acelerado de alterações climáticas, manifestado por fenómenos extremos como secas prolongadas, inundações devastadoras e incêndios sem precedentes, com impactos diretos nas sociedades, nas populações e em todos os setores económicos.

“Ano após ano, batemos recordes de temperatura”, explica Pedro Matos Soares. “Quando estamos a bater recordes, sempre, sem precedentes, em termos globais, em termos regionais, é porque alguma coisa está a mudar.”

Tal como aconteceu em 2023, este ano, o planeta já bateu a temperatura média mais alta da terra vários dias consecutivos. “Os últimos dez anos foram dez anos de recordes de temperatura global. Os últimos vinte anos foram para aí dezanove anos de record global de temperaturas dos oceanos. E mais do que este recorde de temperatura média global é a escala dos extremos que temos [registado], das ondas de calor sem precedentes, das precipitações extremas sem precedentes, das inundações, tudo isso.”

Desde o final do século XIX, diz “já tínhamos cientistas a produzir artigos científicos sobre um processo antropogénico de alterações climáticas. No princípio do século XX já tínhamos artigos a falar da origem humana dessas mesmas alterações climáticas. E nos últimos 50, 60 anos, principalmente nos últimos 40 anos, já tínhamos um esforço político, ou já tínhamos uma concertação política que identificava este processo como um processo ameaçador da sociedade”. 

No entanto, segundo Soares, "pouco fizemos de forma eficaz para travar este processo." A humanidade continuou a "acumular atraso" na necessidade urgente de combater as alterações climáticas causadas pela queima de combustíveis fósseis. “Há 40 anos que temos acordos internacionais que exigem a redução de emissões. Mas essas emissões nunca diminuíram — exceto durante o ano da Covid.”

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