A atração e fixação de população em idade ativa no interior de Portugal é um dos desafios que a economia nacional hoje enfrenta, daí que o Governo tenha criado, no verão de 2020, um programa para apoiar financeiramente quem decida ir trabalhar para essas localidades. Ano e meio depois, esse incentivo passou a abranger também estrangeiros e, mais recentemente, foi alargado para incluir também os nómadas digitais. Ao Gerador, fonte oficial do Ministério do Trabalho revela que, até ao momento, menos de 400 cidadãos estrangeiros tiveram as suas candidaturas aprovadas. Os especialistas alertam que não basta dar um cheque. É preciso pensar nos serviços e garantir, por exemplo, que há boas ligações de Internet.
De acordo com o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), o programa Emprego Interior Mais – Mobilidade Apoiada para um Interior mais Sustentável dirige-se aos seguintes beneficiários: desempregados e empregados à procura de um novo emprego, que estejam inscritos nos centros de emprego; trabalhadores por conta de outrem; trabalhadores independentes; emigrantes que tenham saído de Portugal após dezembro de 2015 e tenham residido fora do país durante, pelo menos, um ano; e cidadãos nacionais de países da União Europeia, da Suíça e do Espaço Económico Europeu, bem como nacionais de países terceiros. A estes, somam-se mais recentemente os nómadas digitais.
Aos interessados, é exigido que a mudança para o interior de Portugal seja feita “a título permanente”, sendo que a sua residência anterior não pode ter sido num território classificado como interior. Além disso, está previsto que a mudança deva ser realizada nos 180 dias consecutivos anteriores ou posteriores ao início do contrato de trabalho ou da criação do próprio emprego ou empresa.
Cumpridos estes requisitos, o apoio pago pelo IEFP é de 3633,01 euros para quem consiga um contrato de trabalho sem termo ou crie o seu próprio emprego. Já a quem celebre um contrato a prazo (a termo certo ou incerto) ou um contrato de bolsa é atribuído um incentivo de 2402,15 euros. Está prevista também, realça o IEFP, uma majoração de 20 % por cada membro do agregado familiar que se junte ao trabalhador na mudança para o interior. O Estado paga ainda 720,65 euros aos beneficiários deste programa, como complemento para ajudar com os custos do transporte de bens.
Apesar destes benefícios, desde a criação do Emprego Interior Mais até fevereiro de 2023, só chegaram ao IEFP cerca de duas mil candidaturas, avança ao Gerador fonte oficial do Ministério do Trabalho. Essas candidaturas abrangem mais de 3700 pessoas, incluindo os candidatos e os respetivos elementos do agregado familiar, salienta o Governo. E adianta que, entre as candidaturas aprovadas, os distritos mais procurados são Castelo Branco, Évora (na foto no topo), Guarda, Portalegre e Viseu. O balanço feito no início do ano pelo Ministério do Trabalho destacava também a Covilhã e o Fundão.
Quanto aos estrangeiros abrangidos por este programa, foi revelado ao Gerador que cerca de 380 tiveram as suas candidaturas aprovadas, nos 15 meses em que esta medida tem estado aberta a estes beneficiários. “O Brasil, a Itália, a Ucrânia e Espanha são os principais países de origem”, acrescenta o gabinete de Ana Mendes Godinho.
O Gerador questionou várias associações de imigrantes sobre este programa, mas recebeu poucas respostas a este respeito. A Casa do Brasil de Lisboa, por exemplo – associação sem fins lucrativos fundada em janeiro de 1992 que, entre outras finalidades, acompanha e apoia os cidadãos brasileiros que chegam a Portugal – explicou que, até ao momento, nenhum dos imigrantes que recorreram ao seu apoio optaram pelo programa Emprego Interior Mais. “Este programa não chegou aos conhecimentos da Casa do Brasil de Lisboa. Não houve comunicação institucional relativamente à apresentação deste projeto por parte do órgão responsável”, assegura Victor Costa, do gabinete de Orientação e Encaminhamento.
Já por parte da Associação dos Ucranianos em Portugal, Pavlo Sadokha explica ao Gerador que a maioria dos ucranianos que chegam a Portugal ficam em Lisboa, no Porto e no Algarve. “Há quem tenha encontrado abrigo também no interior, como em Évora e Castelo Branco”, reconhece, mas sublinha que não se referem especificamente ao programa do IEFP. O responsável notou também que muitos dos ucranianos têm habilitações superiores, o que contrasta com as características das ofertas de emprego disponíveis nos territórios do interior. “Há mais chances de encontrarem trabalho qualificado nas cidades maiores”, sublinha, admitindo que a língua pode ser uma barreira nessa entrada no mercado. “Claro que, se os ucranianos recebem ofertas que não correspondem às suas habilitações é um problema, mas o mais importante é que estejam em segurança. Não temos queixas das condições de trabalho”, ressalva Pavlo Sadokha.
A propósito, Francisco Cantante, investigador no CoLabor – um laboratório colaborativo dedicado ao trabalho, emprego e proteção social –, observa que existe hoje uma “enorme concentração da população no litoral do país”, porque é nesses polos (em particular, Lisboa e Porto) que existe maior dinamismo económico, nomeadamente em termos de emprego. “Tendo em conta o fenómeno do aumento do preço da habitação, o número de estrangeiros [que pediram apoio para ir para o interior] até é baixo”, considera o especialista, referindo-se aos dados enviados pelo Ministério do Trabalho ao Gerador. A explicar esse cenário está, por exemplo, a concentração dos serviços em certas cidades portuguesas, “o que faz com que o interior tenha dificuldade em atrair e fixar as pessoas”, diz.
Paulo Marques, professor no ISCTE e coordenador do Observatório do Emprego Jovem, concorda com essa leitura e realça que a existência ou não de serviços de educação para os filhos dos trabalhadores influencia a atratividade das localidades do interior. Além disso, há que ter em conta a qualidade das ligações da Internet, alerta. O também investigador lembra um estudo divulgado recentemente que dá conta que “o fosso digital existe e é uma ameaça à coesão territorial”. Isto já que nos concelhos, por exemplo, de Vila Viçosa e Évora a cobertura de rede de Internet é “muito má ou inexistente”. “Há todo um contexto que também conta. Não basta falar em benefícios fiscais ou financeiros. Não é por acaso que os estrangeiros vêm mais para Lisboa e Porto”, argumenta Paulo Marques.
E por falar em tecnologia, fonte oficial da Câmara Municipal da Covilhã conta ao Gerador que há hoje “muitos nómadas digitais” que têm escolhido esta cidade como base, o que tem que ver com “o ambiente que se vive” nessa tecnologia, com empresas tecnológicas de “várias origens” e o centro empresarial, onde os estrangeiros podem trabalhar “com acesso à Internet”, destaca a autarquia. A Câmara assinala, contudo, que estes profissionais rumam à Covilhã com recurso a meios próprios e não ao programa do IEFP.
“Sabemos que a decisão de alguém se mudar para o interior não é por existir este apoio, mas é um incentivo”, já tinha admitido o secretário de Estado do Trabalho, Miguel Fontes, ao Jornal de Negócios. Mas defendeu: “Estamos a tentar dar o empurrão certo. Combater a desertificação do interior tem de ser uma prioridade.”