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João Gesta: “Não podemos transformar as feiras do livro em supermercados com preços de saldo”

Com 108 editores, livreiros e alfarrabistas distribuídos por 130 pavilhões, a Feira do Livro do Porto – que já arrancou e vai até 10 de setembro – não quer ser o maior evento do género do país. Antes, pretende marcar a reentré cultural da cidade, após as férias estivais, estreitando o laço entre os portugueses e a leitura, explica o programador, João Gesta.

Fotografia cortesia de Câmara do Porto

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Ao contrário do que alguns já anunciaram, o livro impresso está longe de estar morto e regista, afinal, um aumento do consumo com uma “influência clara das redes sociais”. Quem o diz é o programador da edição deste ano da Feira do Livro do Porto, João Gesta, que reconhece, por outro lado, que o preço dos livros continua a ser um entrave à leitura. Ainda assim, o também escritor deixa claro que as feiras do livro não podem ser supermercados com preços baixos e “oferta duvidosa”.

Quanto à relação do livro com o mundo online, o responsável da Feira do Livro do Porto – que arrancou na última sexta-feira o e decorrerá até 10 de setembro, nos Jardins do Palácio de Cristal – defende que a Internet não consegue competir com a conversa com o livreiro, a cor e o cheiro do papel e todo o ritual de namoro que precede uma compra.

Em entrevista ao Gerador, João Gesta debruça-se ainda sobre as medidas necessárias para promover a leitura num país onde esse hábito é fraco e revela as suas perspetivas para a edição deste ano da Feira do Livro do Porto, evento que procura, diz, estreitar a relação da cidade com o livro. Para isso, avança, está projetado um “programa literário fecundo”, com lançamentos de livros, 20 conversas, 21 concertos e até sessões de cinema.

Além de coordenar a programação desta edição da Feira do Livro, João Gesta já escreveu seis livros de ficção, organizou duas coletâneas poéticas e dirigiu várias revistas literárias.

O presidente da Câmara do Porto descreveu a Feira do Livro como “um dos momentos mais felizes do ano”. Qual a importância desta feira para a cidade? E para os editores, livreiros e leitores?

A Feira do Livro do Porto, que todos os anos marca a rentrée cultural da cidade, é uma iniciativa aberta à participação de todos os que dedicam a sua vida ao livro e à palavra. Procura estreitar ainda mais a relação da cidade com o livro e a leitura, oferecendo um programa literário fecundo, muito abrangente e inclusivo, que potencia a vertente comercial do evento.

Este ano, a Feira do Livro celebra o escritor e jornalista Manuel António Pina. Porque é que decidiram prestar esta homenagem?

Já em fevereiro de 2015, o executivo presidido por Rui Moreira organizou no Teatro Rivoli uma grande festa em homenagem a Manuel António Pina. Oito anos volvidos, a Feira do Livro do Porto volta a homenagear o ilustre escritor portuense de adoção, atribuindo-lhe uma tília e organizando em torno da sua fulgente obra um ambicioso programa literário, que reunirá de novo muitos dos seus amigos e leitores. É uma homenagem justa e certeira a um dos maiores vultos da cultura portuguesa, na esteira do que já foi feito, em edições anteriores da Feira, com Vasco Graça Moura, Sophia, Agustina Bessa-Luís, Eduardo Lourenço, Ana Luísa Amaral, José Mário Branco, só para citar alguns dos homenageados.

Fotografia cortesia da Câmara Municipal do Porto

E de que forma é que essa homenagem será refletida na programação?

Como referiu Rui Lage, o comissário desta homenagem, vamos convocar alguns dos Pinas que havia em Pina: o poeta, o cronista anacronista, o editor de cultura, o publicista, o guionista de TV, o cinéfilo, o Pina dos amigos, das tertúlias, dos cafés. Apresentaremos, por isso, muitas mesas de debate sobre a sua luminosa obra, muitas conversas com os seus amigos. Exibiremos ainda alguns dos filmes da sua vida: Pedro, o louco, de Jean-Luc Godart, O Atalante, de Jean Vigo e A sombra do Caçador, de Charles Laughton. No dia 7 de setembro, organizaremos ainda uma sessão do ciclo poético “Quintas de Leitura”, intitulada “Afasta de mim o pecado da infelicidade”, onde serão lidos 24 poemas da obra de Manuel António Pina.

Portanto, a Feira do Livro do Porto não se ficará pelos livros. Qual a importância da diversificação da programação, nomeadamente em sessões de cinema, mas também concertos? Pretendem, deste modo, atrair mais visitantes?

A Feira do Livro do Porto é, antes de tudo, um festival literário com uma programação intensa, onde não faltarão sessões de cinema, conversas com escritores, mesas de debate, performances, recitais de poesia, concertos, leituras encenadas, sessões de spoken word e um ambicioso programa infantojuvenil. São centenas de espetáculos, assentes numa filosofia de programação muito diversificada e abrangente, que pretende cativar para a leitura o público mais jovem. Estão programadas para esta edição da Feira do Livro 20 conversas, 21 concertos, 4 sessões de cinema, vários lançamentos de livros e 58 atividades para bebés.

As feiras dos livros deveriam estar sempre associadas a uma rigorosa programação literária, que seja um espelho do que melhor se produz, na área cultural.

João Gesta

Num país onde predominam os salários baixos e os preços ainda ditam muitas decisões de consumo, sentem que o custo dos livros ainda é um entrave à leitura? A Feira do Livro, oferecendo alguns preços mais acessíveis, promove assim a leitura?

O preço dos livros é, claramente, um entrave à leitura, mas não podemos contrariar esta realidade transformando as feiras dos livros deste país em enormes supermercados com preços de saldo e oferta de duvidosa qualidade. Para além da vertente comercial, obviamente muito importante, as feiras dos livros deveriam estar sempre associadas a uma rigorosa programação literária, que seja um espelho do que melhor se produz, na área cultural (e não falo só de literatura), no país. É isso que, com muita humildade e prudência, temos vindo a fazer no Porto desde 2014.

Os níveis de leitura em Portugal são, contudo, muito baixos, mostram os dados oficiais. Na vossa visão, como é que podemos promover a leitura?

Tornar o preço dos livros mais acessível e rever com caráter de urgência o programa curricular de português nas nossas escolas, tornando-o mais cativante para os jovens, assumindo sem medos uma atitude de modernidade e compromisso com o nosso tempo. Lembro-me da forma traumática, quase surrealista, como aprendi Camões, Almeida Garrett ou Gil Vicente, nos bancos do liceu, nos idos anos 70. No caso de Camões, só 40 anos depois, pela pena de Vasco Graça Moura, consegui recuperar do trauma que julgava irreparável.

Fotografia cortesia da Câmara Municipal do Porto

E que papel outros equipamentos culturais, como teatros, podem ter a promoção da leitura?

É igualmente muito importante dotar os teatros municipais com uma programação regular de literatura, cruzando a voz das novas veias comunicantes da moderna literatura portuguesa com outras disciplinas artísticas já desenvolvidas nesses espaços: artes plásticas, música, dança, circo contemporâneo, entre outras. O Teatro Municipal do Porto tem realizado muitas sessões com esta filosofia, obtendo mensalmente e há muitos anos resultados surpreendentes – salas sempre cheias e um interesse sempre crescente dos jovens por estas experiências performativas que envolvem os nossos escritores mais conhecidos. É igualmente crucial para o incentivo à leitura, apoiar a ação estoica que alguns espaços da cidade (bares, pubs, livrarias, sociedades recreativas) promovem semanalmente, organizando clubes de leitura e recitais com sessões de leitura open mic, onde os participantes podem ler livremente os seus textos de cabeceira.

A propósito, vem aí o cheque-livro. Os jovens com 18 anos vão poder trocar o vale por um livro. Que avaliação fazem desta medida? Já se ouvem vozes críticas a dizer que é flagrantemente insuficiente.

É insuficiente, mas muito relevante. Uma corajosa e oportuna medida, sobretudo num período de crise económica.

Por outro lado, as bibliotecas têm tradicionalmente também um papel relevante nos hábitos de leitura, mas os orçamentos não são, segundo os responsáveis, suficientes. Que realidade testemunha, a este nível, no Porto?

É cada vez mais importante o papel das bibliotecas na construção de uma sociedade criativa, inovadora e solidária. São espaços que prestam um serviço cultural, recreativo, informativo, convivial e de cidadania. Proporcionam acesso livre e gratuito à leitura e ao uso de Internet a muitos utentes que, por razões económicas, não têm possibilidade de ter livros em casa e de ler com conforto. Tem sido este o papel desempenhado com eficácia e empenho pelas equipas das duas bibliotecas públicas do Porto: a Biblioteca Municipal Almeida Garrett, onde se realizarão muitas das iniciativas da Feira do Livro do Porto e ainda a Biblioteca Pública Municipal do Porto, onde se localiza ainda a Biblioteca Sonora. Por fim, refira-se com entusiasmo a reabertura da Biblioteca Popular de Pedro Ivo, voltada para o público infantojuvenil.

Com a influência clara das redes sociais, o consumo de livros em Portugal aumentou gradualmente desde a pandemia. Estes números provam que o livro não está morto.

João Gesta

E que papel têm tido as redes sociais, nomeadamente o TikTok, na dinamização da leitura junto dos mais jovens?

Caímos muitas vezes no discurso de que os jovens não leem. Podem não ler como nós líamos, mas leem. À sua maneira, com a influência clara das redes sociais, mas o consumo de livros em Portugal aumentou gradualmente desde a pandemia. Estes números provam que – e se calhar também por causa da era digital que vivemos – o livro não está morto. O livro nunca morreu, nem perto disso esteve. 

Por reconhecer a relevância do TikTok na promoção da leitura, a Feira do Livro de Lisboa dedicou alguma atenção a essa rede social, na edição deste ano. Planeiam fazer o mesmo? De que modo?

Nesta edição da Feira do Livro, não planeamos avançar com comunicação no TikTok, considerando que foi apenas no ano passado que lançámos a rede de Instagram da FL. Numa ótica de implementação gradual, construindo progressivamente uma comunidade fiel em cada rede, a aposta deste ano continua a ser no Instagram. No entanto, ficaremos atentos ao feedback em todas as plataformas.

Olhar a capa de um livro, a cor do papel, folheá-lo antes da compra, tocá-lo, cheirá-lo, é uma espécie de ritual, de namoro, com o qual a Internet não consegue competir.

João Gesta

Por falar em Internet, como é que a Feira do Livro convive com o crescimento acentuado das compras online de livros? É uma ameaça de alguma maneira?

A compra de livros via Internet não compete de forma alguma com a Feira do Livro do Porto. A compra online é um meio poderoso, que resolve algumas questões na urgência ou na comodidade de adquirir um livro. Mas quem gosta de ler, de uma forma genérica, não dispensa o objeto físico. Olhar a capa de um livro, a cor do papel, folheá-lo antes da compra, tocá-lo, cheirá-lo, é uma espécie de ritual, de namoro, com o qual a Internet não consegue competir. Já para não falar de uma boa conversa com o livreiro, antes de levar o livro para casa. Tudo isto é a Feira do Livro do Porto.

A Feira do Livro realiza-se no meio do verde, nos jardins do Palácio de Cristal. Têm preocupações em relação à sustentabilidade ambiental? Quais? E como se refletem em medidas práticas?

Há efetivamente um conjunto de medidas acauteladas nesta altura, em estreita articulação com a Divisão Municipal de Espaços Verdes da Câmara Municipal do Porto, e que visam mitigar os impactos de um evento desta dimensão num dos mais emblemáticos jardins da cidade, os Jardins do Palácio de Cristal. Este ano, a instalação de stands procura um enquadramento ainda mais harmonioso no espaço, promove-se a não utilização de plásticos, e o acompanhamento da comunidade animal que habita este lugar é reforçado, procurando-se até a transferência de animais que revelem alguma situação específica de atenção, para além do reforço em sinalética informativa.

De modo global, quais as vossas expectativas para a edição deste ano, agora que a pandemia já está no passado?

Sobre esta matéria, relembro as palavras do presidente da Câmara Municipal do Porto, que traduzem na perfeição as minhas expectativas, enquanto coordenador da programação, para esta edição: “Não a maior, nem a mais ruidosa, ainda que sempre ansiada e popular. Não uma feira que se impõe pela histeria das novidades editoriais, antes convida à descoberta e à flânerie pela Avenida das Tílias. Mas também uma Feira do Livro que interpela o público, os leitores – os de sempre e os que se estão a descobrir – e propõe, ano após ano, uma programação rica, vibrante, diversa, que abre espaço à comunhão em torno da palavra escrita ou dita. E os livros, sempre eles, em lugar de destaque.”

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