O incêndio que, em 2017, atingiu Pedrógão Grande foi a gota-d’água. Catarina sempre estivera atenta ao meio ambiente, mas sua preocupação, conta, foi levada ao limite perante o maior e mais mortífero incêndio florestal da história portuguesa. Viria, assim, a juntar-se a cinco outros jovens e juntos avançariam com um processo considerado histórico junto do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) contra 33 países, incluindo Portugal, por não fazerem o que está ao seu alcance para mitigar as alterações climáticas. Dois anos e meio depois, esse processo prepara-se agora para entrar na fase de audiências na Grande Câmara, que deverão acontecer depois do verão.
Foi em setembro de 2020 que deu entrada o processo em torno da crise climática movido por seis jovens portugueses, que tinham, então, entre 12 e 21 anos: Cláudia Agostinho, então com 21 anos, Martim Agostinho, então com 17 anos, Sofia Oliveira, então com 15 anos, André Oliveira, então com 12 anos, Mariana Agostinho, então com oito anos, e Catarina Mota, então com 20 anos.
Ao Gerador, esta última explica que as preocupações ambientais sempre estiveram presentes na sua vida, não tivesse ela andado numa eco escola, isto é, numa escola mais focada na sustentabilidade ambiental. “Tínhamos várias regras e uma preocupação acrescida”, lembra. Mas a sua preocupação só foi levada “ao limite” no verão de 2017, quando Pedrógão Grande, no distrito de Leiria, ardeu. Catarina Mota nota que não foi afetada diretamente, mas, perante esse desastre, que acabaria por causar a morte de 66 pessoas, percebeu que tinha de fazer “alguma coisa, urgentemente”.
Na mesma altura, crescia também em Cláudia Agostinho a vontade de agir e esta estava já ligada indiretamente (através de uma familiar, que fazia voluntariado) à Global Legal Action Network (GLAN), organização sem fins lucrativos que viria a ajudar os seis jovens portugueses a interpor a ação legal contra os 33 países no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Cláudia e Catarina haveriam de conversar e, com mais quatro jovens, avançar com este processo histórico, que fez correr tinta não só em Portugal, como além fronteiras, com o britânico The Guardian, por exemplo, a destacar o caso.
Nos documentos apresentados no TEDH, os jovens argumentam que os incêndios florestais, que têm acontecido, ano após ano em Portugal, desde 2017, são um “resultado direto do aquecimento global” e já estão a pôr em causa a saúde da população, nomeadamente por perturbarem os padrões de sono, provocarem alergias e problemas respiratórios.
De notar que quatro dos jovens que apresentaram a denúncia residem em Leiria, enquanto os outros dois vivem em Lisboa. No processo, estes últimos dois sublinham ainda que as alterações climáticas estão também a provocar fortes tempestades no inverno, o que põe em risco as suas habitações, localizadas junto à costa da capital.
O grupo frisa ainda que os desastres naturais têm causado ansiedade e que as suas vidas e as das suas famílias no futuro serão afetadas por um planeta cada vez mais quente. Há, portanto, dois direitos humanos que estão a ser violados, defendem: o direito à vida e o direito ao respeito pela vida privada e familiar.
Em particular, estes jovens portugueses acusam 33 países de inação climática, uma vez que estão a falhar o corte das emissões poluentes, que seria necessário para mitigar as alterações climáticas, de acordo com os cientistas e segundo ficou previsto no Acordo de Paris. O caso concentra-se especificamente nos seguintes Estados: Áustria, Bélgica, Bulgária, Suíça, Chipre, República Checa, Alemanha, Dinamarca, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Reino Unido, Grécia, Croácia, Hungria, Irlanda, Itália, Lituânia, Luxemburgo, Letónia, Malta, Holanda, Noruega, Polónia, Portugal, Roménia, Rússia, Eslováquia, Suécia, Turquia e Ucrânia.
O objetivo, segundo explicou a GLAN em 2020, é que estes países sejam obrigados a cortar as suas emissões poluentes, combatendo, assim, as suas contribuições para as alterações climáticas. Perante estes argumentos, o TEDH decidiu que esta é uma matéria prioritária e fez mesmo subir o caso à Grande Câmara, o principal painel de juízes.
Em novembro, Gerry Liston, assessor jurídico do grupo, dizia ao Gerador que esperava que as audiências tivessem lugar em Estrasburgo ainda na primeira metade de 2023. Catarina Mota adiantou que as audiências chegaram a estar marcadas, mas os planos acabaram por mudar. Agora, está previsto que as audiências sejam agendadas para depois do verão, após as férias jurídicas.
“O diálogo entre os juízes da Grande Câmara e os advogados das partes tornou absolutamente claro que a ameaça aos direitos humanos que está em causa é maior do que todas as questões que foram apreciadas nos últimos 70 anos”, salienta Gerry Liston, que acredita que a Grande Câmara tem o poder de forçar diretamente a aceleração da ação dos referidos 33 países contra a crise climática. “A crise climática é a ameaça mais grave aos direitos humanos. É por isso que as raízes históricas do TEDH, que foi criado para proteger os cidadãos depois dos horrores da Segunda Guerra Mundial, o levam a agir”, acrescenta o mesmo.
Da parte dos jovens, Catarina Mota diz que a subida do caso à Grande Câmara do Tribunal dá-lhe “grande segurança” e até “alento” em relação ao desfecho do processo. “O melhor resultado seria que fossem decididas leis e coimas a aplicar aos seus países, que, para além de escritas, fossem aplicadas à risca”, sublinha.
Criado em 1959, o TEDH julga casos de violações de direitos civis e políticos previstos na Convenção Europeia dos Direitos Humanos. A par do processo movido por jovens portugueses, estão também em discussão outros casos interpostos com a crise climática em foco. No final de março, começaram, por exemplo, as audiências em torno de um processo movido por uma associação que representa pessoas com idade média de 73 anos, que denunciam as consequências do aquecimento global para a sua saúde.